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Antes de mais nada, iniciaremos este tópico com uma apresentação de quem é Ian Hacking, e para isso retiramos o trecho de uma entrevista em que encontramos um pouco sobre o autor:

Ian Hacking nasceu em 1936, em Vancouver, Canadá. Obteve o B.A. (grau de bacharel em Artes) em matemática e física, pela University of British Columbia, em 1956. O B.A. em Moral Sciences pela Cambridge University, em 1958. O Doutorado em Filosofia pela Cambridge University, em 1962. Lecionou na University of British Columbia, na Makerere University College, em Uganda, na Cambridge University e na University of Toronto. Foi recentemente29 eleito para uma cadeira no Collège de France.

(REGNER 2000, p. 10).

Ian Hacking terá função de ligação, de “tendão”, pois é um autor basilar para que possamos fundamentar e mesmo promover a articulação necessária entre a pragmática da linguagem e as classificações. A partir dele, situaremos um estudo do diagnóstico enquanto um ato de linguagem. E para que possamos fazer uma primeira aproximação do diagnóstico com sua

teoria, iremos nos servir de seus cinco aspectos primários30 e utilizaremos, de início, o conhecimento como primeira peça de análise.

Importante destacar que o termo conhecimento é um signo integrante da palavra diagnóstico. Além disso, vale ressaltar que uma palavra pode ser composta por mais de um signo, e este é o caso do dia-gnose e mesmo das classifica-ações, formadas por dois signos.

No caso do diagnóstico, esta palavra pode ser analisada inicialmente a partir de sua própria formação em termos distintos: dia e gnose. O termo dia tem íntima relação genética com “através”, “por meio de”, e o segundo termo de composição da palavra se faz por gnosis, ou seja, “conhecimento”. O diagnóstico, ao pé da letra, seria uma descoberta31

através do conhecimento. Além disso, a palavra diagnosticar possui origem na palavra diagnostic, que vem do grego diagnostkóns, que significa “capaz de ser discernível”. Importante esta análise genética do termo, na medida em que, “segundo Austin, uma palavra nunca se desvincula totalmente de sua etimologia” (MARCONDES, 1992, p.57).

O conhecimento produto/produtor de diagnósticos é de fundamental importância para constituir muitas de suas características. Ele também se relaciona com a produção de literaturas que circula entre os especialistas32 da prática médica e é detalhado e conhecido por eles, “que escrevem livros sobre o assunto, criam guias para outros especialistas fazerem diagnóstico e também fazem o diagnóstico” (BRZOZOWSKI, CAPONI, 2009, p. 1180). O conhecimento especialista é, portanto, um dos fatores que se incluem na possibilidade de formação diagnóstica, e o entenderemos enquanto o conteúdo que fornece suporte para a constituição do diagnóstico.

Mais uma vez, podemos perceber que a união a que nos propomos realizar entre diagnose e

semiose é contemplada de maneira privilegiada nesse aspecto. Em ambos os termos há um

30 A classificação, os indivíduos, as instituições, o conhecimento e os especialistas.

31 Descoberta não seria o termo adequado ao sentido que adotamos, mas invenção. Ou seja, diagnostico não

como descoberta, mas como invenção, levando em consideração que a produção da doença no campo psiquiátrico não seria menos real, mas uma criação de sujeitos, recriação e criação de patologias. O processo de invenção não cessa, sendo que o diagnostico produz sujeitos e é interferido por eles em seus diversos movimentos.

trabalho com a noção de ação. No caso da semiose, opera uma ação do signo, e ao lado da

diagnose teríamos uma ação do conhecimento.

Outro aspecto primário seria a própria classificação. Segundo Hacking, a ação de classificar cria mundos e, em particular, sujeitos. Esse autor preocupa-se com os modos de classificação, principalmente os que dizem respeito às pessoas, pois afetam e são afetadas na produção de sujeitos. Toda classificação que toca os seres humanos não é sem consequências, sem respostas, tanto para os sujeitos quanto para a própria classificação. Ora as pessoas classificam, oras são classificadas. Ora alteram as classificações, ora classificam suas próprias classificações, em uma interação incessante.

Em certo momento, ao falar da importância de se pensar nos modos como classificamos as pessoas e seus efeitos, Hacking contempla a relação entre os dois aspectos primários abordados acima (o conhecimento e as classificações), apresentando a relevância de articulá- los. Em entrevista a Regner (2000), afirma o seguinte: “Penso que seja importante porque nosso conhecimento das pessoas, frequentemente expresso em nossas classificações, tem um enorme efeito sobre nós e isso pode apenas aumentar no próximo século” (p. 10).

O que ele aponta é que certos conhecimentos têm, como efeito da postulação desse conhecimento, uma classificação como “produto final”. Com o conhecimento poderíamos explicar e falar sobre a vida, agir sobre vidas, criar categorias e, assim, novos sujeitos. Este conhecimento está na origem (enquanto elemento fundamental) do diagnóstico. Segundo os termos de Hacking, o conhecimento expresso em forma de explicações e classificações seria o diagnóstico, em nosso caso, o diagnóstico “mental”.

Importante lembrar que ao pensarmos o diagnóstico enquanto uma prática de nomeação e classificação, não estaríamos satisfeitos em conceber esta nomeação com função de apenas discernir ou produzir um decalque – como visto no capítulo sobre linguagem – da coisa pela palavra. Por outro lado, e isto é crucial, veremos mais adiante que a ciência se propõe justamente a fazer esse decalque, uma espécie de “acomodação da linguagem ao mundo”, buscando uma “verdadeira verdade” do mundo a partir da linguagem e das classificações. Ainda seguindo nossa perspectiva de análise, entendemos que a classificação produz realidades e seus efeitos dependem de algumas situações, como, por exemplo, se aquilo que é

classificado incide em sua própria classificação, criando cisões, resistências e transformações. Vamos esclarecer melhor a questão a partir da noção de efeito arco.

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