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Hanseáticos e Expansão portuguesa no Norte de África

Reitere-se, uma vez mais, que o casamento da infanta D. Leonor (irmã de D. Afonso V) com o imperador Frederico III, proporcionou a vinda de um grande número de alemães para Portugal, que aqui introduziram, segundo a tradição, o primeiro moinho de pólvora. Durante o reiando de D. Afonso V, segundo Tiago machado de Castro, “ em Portugal havia referência a bombardeiros chamados Olivel (1443), Aluquete e Henrique (1446). Em 1470 são mencionados o bombardeiro Nicolau e os espingardeiros Guilherme e Cornellos. Um António de Lem conduz um contingente de espingardeiros alemães na tomada de Arzila em 1471140”, posteriormente, com D. João II, os bombardeiros e os espingardeiros se constituíram como corpos de beligerantes separados e numerosos, com

138 Idem,ibidem, p. 157. 139 Idem ibidem, p. 77. 140

34 as suas prerrogativas bem marcadas e as suas confrarias próprias e autónomas, tendo-se também organizado um corpo de 35 bombardeiros do mar, sob a chefia de outro alemão, mestre Hans.

Como o refere Fernand Braudel “o arsenal da Alemanha e o mais importante do Centro da Europa até à sua destruição por Tilly, em 1634141”, confirmando-se, neste caso concreto, a supremacia dos germânicos na produção de artilharia e de armas de fogo na Europa. De resto, no relato da viagem de Hieronimus Munzer a Portugal, em 1494, este afirma ter encontrado por toda a parte, gente de Stettin, de Danzig, de Frankfurt, de Strasburgo, de Suábia, da Alta e da Baixa Alemanha; é também este o período dos impressores alemães no reino, protegidos pela rainha D. Leonor142.

Nos finais do século XV, os comerciantes de Danzig foram particularmente favorecidos, por D. João II, que os isentou do pagamento de quaisquer impostos de importação durante três anos143. Durante o reinado do rei D. Manuel I, destacou-se uma personalidade de origem alemã, Valentim Fernandes144, o qual foi nomeado representante dos comerciantes alemães de Lisboa na Corte. Tinha viajou pelo Norte de África e deixou relatos escritos, nos quais descreveu as praças portuguesas pelas quais passou. Logo no título, surge a seguinte referência “Da viagem de Dom Francisco de Almeida, primeiro vice-rei da índia e este caderno foi trasladado da nau Sã Rafael, em que ia Hans Mayer por Escrivão da Feitoria e Fernão Suares por Capitão”145

Nesta referência introdutória verifica-se, uma vez mais, a presença de um alemão que trabalhava como escrivão da feitoria. O outro mester que Valentim Fernandes desempenhou foi o de impressor do reino. Da sua oficina saíram numerosas obras, destacando-se as Ordenações Manuelinas, cujo primeiro livro foi concluído com o parágrafo seguinte (Doc. 1):

141 Fernand Braudel, Civilização Material e Capitalismo,T. I, Lisboa-Rio de Janeiro, Edições Cosmos, 1970

, p. 325.

142

A. H de Oliveira Marques, Hansa e Portugal…, pp. 158-159

143

Idem,ibidem, p. 159.

144 Sobre esta personagem ver, por exemplo. No Quinto Centenário da Vita Christi: Os Primeiros

Impressores Alemães em Portugal. Coord.João José Alves Dias, Lisboa, Instituto da Biblioteca Nacional e

do Livro, 1995, pp. 15-27; Martha Frederiks, “Valentim Fernandes”, in Christian-Muslim Relations. A

Bibliographical History, ed. David Thomas and John A. Chesworth, Vol. 7 (1500-1600), Leyden, Brill,

2015, pp. 762- 768.

145 Valentim Fernandes, O Manuscrito "Valentim Fernandes" (leit. António Baião), Lisboa, Academia

35

Doc. 1146

As comunidades de mercadores e artífices germânicos revelaram-se, pois, muito úteis na transferência de conhecimentos e de saberes, sobretudo nos ligados ao comércio, às feitorias, ao fabrico de armas e às técnicas de impressão. A situação geográfica de Portugal permitiu, para mais, aos residentes hanseáticos em Lisboa, aproveitarem a posição destacada do reino em vias da expansão para se lançarem na aventura atlântica, como beligerantes ou mercadores. Assim, os corpos de espingardeiros alemães, foram utilizados de forma eficaz durante a conquista das praças do Norte de África (Marrocos), após várias tentativas falhadas para a conquista da praça de Tânger147. Em 1471, uma expedição chefiada por D. Afonso V - sabendo da ausência do grosso das forças marroquinas, que se tinham deslocado com Mulei xeque para destronar os Merinidas sediados em Fez - atravessou o estreito e conquistou Arzila e Tânger, esta esvaziada da sua população depois da vitória portuguesa na primeira daquelas praças. Depois desta conquista, o futuro rei Oatàcida de Fez, Mulei xeque, aceitou assinar um acordo de Paz e Tréguas, por 20 anos, em que reconheceu ao monarca português a soberanea sobre as praças de Ceuta, Alcácer-Seguir, Arzila e Tânger. O cronista Rui de Pina relata da seguinte forma esse pacto “ …porém se concertaram, em que por contrato escripto tomaram concordia, sobre os termos e logares que a um e outro ficariam, de que arrecadassem as suas pareas e tributos. E assentaram tregoa por vinte annos que El-Rei lhe deu, a qual somente nas terras chãs se entendesse; porque sem quebramento d´ella a cada um ficava livre faculdade para do outro poder tomar e conquistar seus logares cercados; e d´ali se tornou Mulei Xeque.»148

146 Ordenações Manuelinas, Lisboa, s.n, 1512, p. CXXIX v. 147 Rui de Pina, op.cit., vol.III, p. 36.

148

36 À praça de Ceuta (Cepta)149, conquistada por D. João I em 1415, veio D. Afonso V, o Africano150, acrescentar as praças de Alcácer-Ceguer, Tânger e Arzila, sobre as quais viu a sua soberania reconhecida pelo tratado acima referido.

Os monarcas que sucederam a D. Afonso V prosseguiram com o mesmo ímpeto guerreiro e com a mesma política. A colonização portuguesa desses espaços encontrava os seus aliados nos designados “mouros de pazes”151, e um conflito permanente com os “mouros de guerra”152

.

A presença de elementos germânicos residentes em Portugal ajudou bastante na aproximação entre o reino de Portugal e o Império, tendo os seus naturais, que se fixaram preferencialmente em Lisboa, contribuído, de forma decisiva, para a evolução do reino português. Comerciantes, soldados participantes nas expedições norte-africanas ou responsáveis pela transferência de tecnologia, alguns destacam-se particularmente, como é o caso já referido de Valentim Fernandes, cujos elementos do relato da sua viagem ao Norte de África (em que descreveu minuciosamente as praças portuguesas da costa Atlântica da Berbéria153), serão posteriormente consignados na cartografia, constituindo-se também como um importante roteiro para os navegantes e descobridores de então.

Para concluir, citem-se os versos da Miscelânea de Garcia de Resende, que reconhecem esta realidade, no que se refere à introdução da imprensa em Portugal:

E vimos em Nossos dias

“Ha letra de forma achada, Com que a cada passada Crescem tantas livrarias, E a sciencia he augmentada. Tem Alemanha louvor, Por della ser o auctor. Daquesta cousa tam digna; Outros afirmam na China

149 Conforme Rui de Pina, que transcreveu com exactidão o nome árabe de Ceuta. - ةتبس - 150 Consequência das repetitivas investidas contra o Norte de Marrocos.

151

São aqueles que tinham reconhecido a suserania portuguesa sobre o seu próprio território, tendo em contrapartida a garantia pela Coroa portuguesa da defesa e protecção dos seus domínios e bens contra os mouros de guerra e os cristãos – castelhanos.

152 Dividem-se em dois grupos: no primeiro encontramos aqueles que têm uma ligação de vassalagem ao

poder central, quer aos reis merinidas ou oatácidas de Fez, quer aos príncipes Hentata de Marraquexe e aos xarifes de Suz; no segundo grupo deparamos com a presença dos que negavam a obediência à autoridade do poder central e agiam por conta própria contra a presença portuguesa ao longo da costa meridional de Marrocos. Depois da passagem de Marraquexe para o poder dos Xarifes em 1524, os membros deste grupo iriam engrossar as fileiras das hostes dos Xarifes.

153

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O primeiro inventor”154.

154 Garcia de Resende, Crónica de D. João II e Miscelânea por Garcia de Resende, Lisboa, Imprensa

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Capítulo II

MARINHA

E

NAVEGAÇÃO

PORTUGUESA

NA

COSTA