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1.3 Metabolismo de lipoproteínas plasmáticas: via intestinal e via hepática

1.4.4 HDL-C e risco cardiovascular

Nas últimas décadas, um substancial conjunto de evidências derivadas de estudos epidemiológicos e de intervenção terapêutica demonstrou que a baixa concentração plasmática de HDL-C, ou hipoalfalipoproteinemia, constitui um preditor independente de risco para doenças cardiovasculares ateroscleróticas, como revisado em 2013 por Toth e colaboradores (164).

A associação inversa entre HDL-C e risco cardiovascular está presente em diferentes populações, sendo que para caucasianos é o principal fator de risco quando comparados a outras etnias (165-166). Além disso, esta relação inversa é observada em ambos os gêneros, porém as associações são mais fortes no gênero feminino de acordo com grandes estudos prospectivos (167-168).

Baixas concentrações de HDL-C associadas ao diabetes tipo 2, hipertensão arterial, transplante renal, DAC estabelecida e/ou síndromes agudas e infecção pelo vírus da imunodeficiência humana são responsáveis por um importante aumento de risco

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cardiovascular (169-174). De fato, o baixo HDL-C plasmático pode refletir a presença de múltiplas doenças vasculares, principalmente o acidente vascular cerebral e/ou a aterosclerose carotídea; além disso, a relação também se aplica para outros marcadores de doença aterosclerótica, como a calcificação coronariana e a espessura íntimo-medial das artérias carótidas (175-176). Finalmente, a concentração de HDL-C pode predizer a gravidade da doença aterosclerótica coronariana (177).

Apesar da consistente associação entre a hipoalfalipoproteinemia e o risco cardiovascular, ainda não existe um consenso se os indivíduos com altas concentrações de HDL-C (hiperalfalipoproteinemia) são mais resistentes à aterosclerose. Por um lado, Bair e colaboradores observaram que concentrações de HDL-C acima de 70mg/dL foram protetoras em relação à ocorrência de doença cardiovascular determinada por angiografia ou infarto do miocárdio (178). Entretanto, a relação entre HDL-C, tamanho de HDL e apo A-I e a ocorrência de DAC foi conduzida em dois grandes estudos prospectivos (IDEAL – do inglês Incremental Decrease in End Points through Aggressive Lipid Lowering; n=8888 e EPIC-Norfolk - do inglês European Prospective Investigation into Cancer and Nutrition; n=2349), que revelaram que concentrações de HDL-C acima de 80mg/dL representam um fator de risco significante para doenças cardiovasculares. Uma associação similar foi encontrada em relação ao diâmetro da partícula; apesar disto, a apo A-I permaneceu negativamente associada ao risco cardiovascular (179). Em contraposição a esses achados, em 2014 Khoury e colaboradores demonstraram que as partículas de HDL de indivíduos hiperalfalipoproteinêmicos (devido a mutações em CETP ou LIPC) têm maior capacidade de efluxo de colesterol, frente ao maior estímulo de SR-BI e ABCA1 e a maior capacidade intrínseca de realizar efluxo das subfrações de HDL3, levando ao aumento quantitativo na

formação de HDL2 (180).

1.4.5 Hiperalfalipoproteinemia e hipoalfalipoproteinemia: causas primárias e secundárias

Fatores como o gênero, sazonalidade, idade, obesidade, consumo de álcool, tabagismo, uso de medicamentos (como hormônios, estatinas, niacina e fibratos) e doenças

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metabólicas são reconhecidas por modificar as concentrações plasmáticas de HDL-C. Adicionalmente, estudos revelaram que o HDL-C plasmático está sob forte controle genético, com herdabilidade estimada entre 40 e 80% (181-182).

De forma geral, a concentração de HDL-C pode ser determinada por fatores ambientais ou por alterações em um único gene; entretanto, a maior parte é resultado de variações em múltiplos genes que interagem com fatores ambientais, revelando uma natureza complexa, poligênica e multifatorial (183). Os genes que são conhecidos por afetar o metabolismo da HDL e contribuírem para suas concentrações no plasma envolvem os componentes das partículas (APOA1, APOC3, APOE, LCAT), lipases (LPL, LIPC, LIPG), proteínas de transferência de lípides (CETP) e transportadores/receptores de HDL (ABCA1, LDLR) (65).

A doença genética mais comum associada às concentrações de HDL-C é a

hipoalfalipoproteinemia familial, definida por HDL-C abaixo do percentil 5 ou 10 para

idade e gênero, somado ao histórico familiar de baixo HDL-C em pelo menos um familiar de primeiro grau e ausência de fatores secundários para diminuição de HDL-C (184-185). Fisiologicamente, os indivíduos com hipoalfalipoproteinemia familial apresentam catabolismo acelerado da HDL e apo A-I; alguns também apresentam efluxo de colesterol ineficiente (186). Muitos casos são promovidos por mutações no gene da apo A-I, entretanto variações em outros genes, como ABCA1 e LCAT também podem estar envolvidos em sua etiologia (187-188).

Várias doenças monogênicas caracterizadas por HDL-C extremamente baixo (inferior à 10mg/dL) foram descritas, e apesar de explicarem menos de 1% dos casos de hipoalfalipoproteinemia na população, mostram que as concentrações extremamente baixas de HDL-C influenciam múltiplos órgãos e vão além do aumento de risco cardiovascular (183).

Por outro lado, a hiperalfalipoproteinemia familial é definida por concentrações de HDL-C acima do percentil 90 ou 95 para idade e gênero, com histórico familiar de HDL-C elevado e ausência de causas secundárias como o uso de medicamentos, alcoolismo e hepatopatias. Alguns relatos de hiperalfalipoproteinemia sugerem um aumento de longevidade e cardioproteção, enquanto outros sugerem o aumento no risco de doenças

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cardiovasculares (181, 189). Como a elevação das concentrações de HDL-C pode ser determinada por vários componentes genéticos, a aterogenicidade depende especificamente dos genes envolvidos e de fatores secundários associados. Até então, os estudos tem demonstrado efluxo de colesterol comprometido em alguns casos, ou de normal a elevado em outros, apontando para o fato de que não necessariamente as concentrações de HDL-C refletem os aspectos funcionais da partícula (190-191).

Desta forma, as principais doenças monogênicas responsáveis pela presença de concentrações extremas de HDL-C são apresentadas na tabela 1.

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Tabela 1. Doenças monogênicas associadas às concentrações extremas de HDL-C.

Modificado de (183).

HDL-C: colesterol da lipoproteína de alta densidade; DAC: doença aterosclerótica coronariana; APOA1: apolipoproteína A-I; ABCA1: ATP binding cassete A1; LCAT: lecithin cholesterol acyltransferase; LPL: lipoproteína lipase; CETP:

cholesteryl ester transfer protein; LIPC: lipase hepática; LDL-C: colesterol da lipoproteína de baixa densidade; apo:

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Em paralelo as causas primárias e monogênicas, atualmente mais de 40 genes são associados às modificações nas concentrações de HDL-C. Existem evidências de que tanto alelos raros quanto comuns com importantes efeitos fenotípicos contribuem significativamente para baixas ou altas concentrações de HDL-C nas diferentes populações (192-194). Além disso, as variantes podem ter diferentes impactos sobre o metabolismo de lipoproteínas; neste sentido, este estudo aborda alterações em genes envolvidos tanto no metabolismo da HDL quanto na homeostase corpórea de colesterol, detalhados nos capítulos a seguir.