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“C HEGAREI ASSIM AO CAMPO E AOS VASTOS PALÁCIOS DA MEMÓRIA ”

Desse modo, para feitura do trabalho, alguns arquivos (materiais e digitais) foram consultados, com o objetivo de inventariar as fontes da história da alfabetização em Goiás. Esses diferentes “lugares de memórias” (NORA, 1993) constituíram nosso objeto de estudo, ao mesmo tempo possibilitando a leitura e a escrita que fizemos acerca da temática da tese. Nesse ponto, tomando como referência a teoria enunciativa de Bakhtin (2010) e seus colaboradores, em especial Volóchinov (2017), e da Análise do Discurso, sobretudo ancorada em Orlandi (1995), entendemos que, dada a polifonia dos discursos e a instabilidade da linguagem pela sua própria essência híbrida, um texto (aqui, todos os documentos consultados, lidos e analisados), mesmo pelos indícios apresentados na sua materialidade, não possui especificamente uma única interpretação. Qualquer texto, de acordo com seu contexto de uso e com o confronto que dele se faz com outros textos, tem sentidos múltiplos (MORTATTI, 1999). Por essa razão, as leituras de um documento provocam diferentes formas de se pensar sobre um determinado fato, já que “um texto é uma peça de linguagem de um processo discursivo muito mais abrangente” (ORLANDI, 1995, p. 117). Orlandi (1995) também acrescenta que a própria bagagem cultural e os

objetivos de um analista determinam fortemente as unidades de análise de um texto, por isso o sentido de algo é socialmente construído.

No que tange à experiência de investigação dos documentos sobre a história da educação goiana, compartilhando da opinião de outros pesquisadores quanto à dificuldade de acesso a essas fontes em Goiás, em todas as etapas desta pesquisa enfrentamos variados empecilhos.

O principal deles é a dispersão dos documentos e as lacunas evidenciadas durante o percurso. Os documentos oficiais do estado estão depositados no Arquivo Histórico Estadual de Goiás (AHEG), localizado em Goiânia. Nesse local, há muitas fontes do século XVIII e XIX48, estando organizadas em seções e por ano (essa organização será melhor detalhada adiante). Dessa maneira, o primeiro grande desafio foi olhar caixa por caixa, livro a livro, ano a ano, catalogando aquilo que era imprescindível para o tema. Ao mesmo tempo, essa oportunidade de contato prolongado com as fontes no Arquivo fez com que descobríssemos documentos importantes, que dariam outras tantas pesquisas como esta de doutorado. Como Valdez e Barra (2012) apontaram sobre a história da educação goiana, há “um silêncio que paira em Goiás a respeito das produções na área” (VALDEZ; BARRA, 2012, p. 109). Nessa perspectiva, muito ainda precisa ser desvelado e escrito sobre a educação no estado.

Outra dificuldade refere-se à legislação goiana. Nem todas as leis expedidas pelos Presidentes de Goiás estão disponibilizadas online nos repositórios digitais do Site da Secretaria de Estado da Casa Civil49 ou da Assembleia Legislativa de Goiás50. As leis nesses sites estão organizadas de acordo com o ano de sua sanção, apresentando diversas lacunas, seja na ausência de alguns anos que simplesmente não apresentam nenhuma lei, seja na omissão de algumas leis que foram aprovadas, mas não estão digitalizadas nos sites. Isso nos obrigou a fazer uma minuciosa busca nos Diários Oficiais do Estado, nos Relatórios de Presidentes de Província e também nos livros com correspondências oficiais da presidência, garimpando as legislações do período compreendido nesta tese.

48 No Arquivo Histórico Estadual de Goiás, as fontes datadas do século XX, em sua grande

maioria, vão até o fim da Era Vargas, 1945. A partir da década de 50, os documentos são esparsos.

49 Disponível em: <http://www.casacivil.go.gov.br/>. Acesso em: 17 de junho de 2018. 50 Disponível em: <https://portal.al.go.leg.br/>. Acesso em: 17 de junho de 2018.

Sobre essa pesquisa nos Diários Oficiais do Estado, outro detalhe também dificultou o acesso. Na Hemeroteca Digital Brasileira da Biblioteca Nacional Digital do Brasil, encontramos digitalizados apenas os Diários Oficiais de Goiás51 de 1837 a 1839, 1852, 1853, 1866 a 188552. Por esse motivo, a consulta à legislação, em grande parte, se deu no contato direto com os Diários Oficiais impressos, conservados no AHEG.

As dificuldades, porém, só impulsionaram o desejo por esta pesquisa. Parafraseando Carlos Drummond de Andrade e Cora Coralina, diríamos que, se houve “pedras no meio do caminho”53, “ajuntei todas e levantei a pedra rude”54 deste estudo. Adiante, com a finalidade de também facilitar a pesquisa de muitos pesquisadores vindouros, relacionamos os arquivos e as fontes neles consultadas:

O Arquivo Histórico Estadual de Goiás foi, de fato, o local onde encontramos grande parte dos documentos analisados, que se localizavam nas seções de:

1) Documentação Avulsa: organizada em caixas, essa seção é composta por documentos que podem ser lidos independentes uns dos outros, já que não têm relação clara entre si. Estão dispostos por ano, geralmente, separados pelo órgão do governo a que se referem. Nessa seção de Documentos Avulsos encontramos grande parte das listas de expediente escolar, dos mapas de turmas, correspondências expedidas sobre a instrução pública, provas da Escola Normal etc.

2) Documentação Manuscrita, Datilografada e Impressa: são livros ou documentos encadernados ou costurados nas laterais, organizados pela coerência que mantêm com as informações constantes na fonte. Nessa seção, encontramos diferentes livros com relatórios de Inspetores Escolares, livros de registro de ofícios expedidos pelas Secretarias de Instrução Pública etc.

51 O primeiro título do Diário Oficial de Goiás é Correio Official de Goyaz, que tem a sua

primeira publicação no dia 3 de junho de 1837. Para maiores informações acerca da história da imprensa goiana, cf. Borges e Lima (2008).

52 Acrescenta-se que na Hemeroteca Digital Brasileira da Biblioteca Nacional Digital do Brasil,

no período de escrita desta tese, havia também digitalizados os Diários Oficiais de Goiás de 1887, 1911 a 1913, 1915 a 1921. No site do Diário Oficial do Estado de Goiás, as publicações digitalizadas são de 2007 em diante.

53 Verso do poema “No meio do caminho”, de Carlos Drummond de Andrade (ANDRADE,

1978).

3) Caixas dos Municípios Goianos: no AHEG há caixas com documentos específicos referentes aos municípios de Goiás. Como é um acervo muito grande, consultamos, para este trabalho, apenas as Caixas dos municípios de Cidade de Goiás (antiga capital de Goiás), Pirenópolis (um dos municípios mais antigos do estado) e Itumbiara (município na fronteira com Minas Gerais).

4) Caixas de Atos, Decretos, Regimentos, Regulamentos, Leis, Mensagens, Constituições e Relatórios: são caixas que contém algumas leis, além de Relatórios e Mensagens de Presidentes de Goiás. Nessa seção conseguimos parte dos Regulamentos de Ensino de Goiás, já que nela não há organicidade nem mesmo sequencialidade entre os documentos ali guardados.

5) Jornais: nessa seção consultamos, especificamente, o Correio Oficial de Goiás, impresso mantido pelo governo, onde se publicavam as leis aprovadas no Brasil e em Goiás, além de textos sobre temas diversos. Fora do estado de Goiás, identificamos algumas cartilhas e livros de leitura utilizados nas escolas goianas, mencionados nas fontes inventariadas, em acervos de outros estados: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e Biblioteca do Arquivo Público do Estado de São Paulo.

No que tange às fontes encontradas em meio digital, os repositórios consultados foram:

1) Hemeroteca Digital Brasileira da Biblioteca Nacional Digital do Brasil55, na qual coletamos, sobretudo, jornais e parte dos Relatórios de Presidentes de Goiás.

2) Center For Research Libraries56, vinculado à Universidade de Chicago.

Como na Hemeroteca não encontramos todos os Relatórios de Presidentes desde a instalação das Assembleias Legislativas na província goiana, esse acervo digital também foi consultado. Nele pesquisamos, particularmente,

55 Na Hemeroteca Digital Brasileira, vinculada à Biblioteca Nacional Digital do Brasil,

encontramos o acervo digitalizado da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. A partir de buscas com palavras-chaves é possível consultar periódicos de todo o país. As consultas são organizadas por local, periódico ou período. O link de acesso à página da Hemeroteca é: <http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/>. Acesso em: 17 de junho de 2018.

os Relatórios de Goiás, embora haja Relatórios de vários estados brasileiros.

3) Biblioteca Nacional de Portugal57.

4) Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, da Universidade de São Paulo58. 5) Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados do Brasil59.

6) Biblioteca Pública Arthur Viana, do Governo do Estado do Pará60. 7) Biblioteca Digital do Senado Federal do Brasil61.

8) Repositório Institucional da Universidade Federal de Santa Catarina62. Dos repositórios 3 a 8, numerados acima, identificamos cópias digitalizadas de livros que circularam na província de Goiás.

Além desses repositórios digitais, também utilizamos um DVD com documentos digitalizados sobre Goiás, intitulado de Coleção de Documentos de História da

Educação de Goiás (vol. 1), sob a organização da professora Valdeniza Maria de

Lopes da Barra, da Universidade Federal de Goiás63. O DVD foi vinculado à Rede de Estudos de História da Educação de Goiás, reúne cerca de 3.200 páginas de documentos organizados em quatro séries oriundas de diferentes arquivos de Goiás, contemplando: legislação de Goiás (1830-1930); imprensa com foco em temas da educação; gabinete literário goiano; expediente escolar. Desse DVD utilizamos: as listas de expediente escolar; os mapas de turmas; a legislação educacional goiana.

Destacamos também o acesso que tivemos a livros de leitura e cartilhas que circularam pelo Brasil no período imperial64 graças à cessão de três pesquisadoras da área da história da leitura, do livro e da alfabetização no Brasil: professora Diane Valdez, da Universidade Federal de Goiás; professora Francisca Izabel Pereira Maciel, da Universidade Federal de Minas Gerais e professora Giselle Baptista Teixeira, daPrefeitura Municipal de Duque de Caxias.

57 Disponível em: <http://www.bnportugal.gov.pt/>. Acesso em: 22 de junho de 2019.

58 Disponível em: <https://www.bbm.usp.br/node?page=5>. Acesso em: 22 de junho de 2019. 59 Disponível em: <http://bd.camara.gov.br/bd/>. Acesso em: 22 de junho de 2019.

60 Disponível em: <http://www.fcp.pa.gov.br/espacos-culturais/sede/biblioteca-arthur-vianna>.

Acesso em: 22 de junho de 2019.

61 Disponível em: <https://www2.senado.leg.br/bdsf/page/sobre>. Acesso em: 22 de junho de

2019.

62 Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/>. Acesso em: 22 de junho de 2019.

63 Agradecemos à Diane Valdez, professora da Universidade Federal de Goiás, que nos

disponibilizou esse DVD.

Ao final deste trabalho, listamos todas as referências completas das fontes mencionadas, identificando a localização de cada uma. Acreditamos que tal cuidado atesta, em alguns aspectos, a veracidade das fontes, ao mesmo tempo em que facilitará o trabalho dos pesquisadores que desejarem investigar a história da educação em Goiás.

A consulta a todas essas fontes permitiu, ao longo do trabalho, levantar outras problematizações, novos objetos, aguçando desdobramentos e continuidades desta pesquisa, aprofundando-a para além destas páginas. Concomitantemente, essa análise também colaborou para delimitarmos e ampliarmos os argumentos que sustentam nossa tese.

Esses são os principais “locais de memórias”65 em que pesquisamos; outros serão durante o texto destacados com a especificação das fontes lá catalogadas. É importante frisar que conservamos a grafia dos documentos consultados e citados.

“UM TAL DE CORTAR, MEXER, REESCREVER, AMPUTAR, TRANSFORMAR A MATÉRIA-PRIMA EM PRODUTO FINAL A MÓ DE QUE OS VACILOS, A SANGRIA DESATADA, NÃO TRANSPAREÇAM. NINGUÉM TEM NADA A VER COM ESSAS PLÁSTICAS EM SÉRIE O LEITOR QUER UM ROSTINHO BONITO, NADA MAIS”66

Em vista do exposto, organizamos este trabalho em duas partes com cinco seções, dispostas da seguinte forma:

A primeira parte, “‘Passeando pelos arredores’ do campo da alfabetização: os discursos produzidos sobre o objeto de pesquisa”67, contempla a seção um, “Goiás na história da alfabetização do Brasil”, em que compomos o estado da arte sobre as pesquisas no campo da alfabetização no Brasil, localizando as que tratam de seus aspectos históricos. A tentativa também foi de localizar o estado de Goiás nessas produções.

Já a segunda parte da tese, “Alfabetizando crianças na província de Goiás”, contém as seções de dois a cinco.

65 Expressão de Nora (1993).

66 Verso do poema “Poema é uma carnificina” de Chacal (2016), publicado na sua obra Tudo (e mais um pouco).

67 O título dessa parte da tese toma emprestada a expressão “Passeando pelos arredores”,

Na seção dois analisamos como se organizou a instrução primária em Goiás no período imperial, após o Ato Adicional de 1834 (BRASIL, 1834), pelo qual as Assembleias Provinciais ficaram responsáveis por legislar sobre a instrução nas províncias do país. A partir de um panorama educacional e social de Goiás em diálogo com as políticas nacionais do Império, esse capítulo evidenciou as principais bases de um projeto de sociedade goiana, que se arquitetava sob influência da Igreja e ao mesmo tempo se abria às propostas de modernidade do século XIX.

Inventariar os métodos e livros para alfabetização das crianças goianas no oitocentos foi o objetivo da seção três. A partir dos documentos do Arquivo Histório Estadual de Goiás, caracterizamos os tipos de impressos que circularam pelas escolas da província, apreendendo seus ideários tanto para ensinar ler e escrever, quanto para o ensino da leitura corrente68.

As seções quatro e cinco tratam de iniciativas do governo goiano para instaurar mudanças na instrução primária, especialmente para ensinar a ler e escrever em menos tempo e de maneira agradável, a partir de livros estrangeiros e brasileiros. Na seção quatro, o destaque é para os livros estrangeiros, tomando como referência as principais impressões e repercussões da viagem de Feliciano Primo Jardim na história da alfabetização em Goiás. Primo Jardim foi um professor goiano enviado pelo Presidente da Província ao Rio de Janeiro para fazer um curso sobre o método Castilho. Por fim, na seção cinco apresentamos a produção didática brasileira que circulou em Goiás no período imperial, investigando sobre os impressos escritos por educadores brasileiros que influenciaram a alfabetização de crianças goianas.