• Nenhum resultado encontrado

INTRODUÇÃO 22 CAPÍTULO 1: GLOBALIZAÇÃO CONTEMPORÂNEA NEOLIBERAL: Processos de

1 A GLOBALIZAÇÃO CONTEMPORÂNEA NEOLIBERAL: Processos de Hegemonia e Contra-Hegemonia na Geopolítica Internacional

1.3 Hegemonia e Contra-Hegemonia na Globalização Neoliberal

A globalização neoliberal contemporânea como uma característica proeminente da política mundial atual, a partir da sustentação da hegemonia do capital global, sob a égide do neoliberalismo, tendo os EUA enquanto expoente da classe dirigente do capitalismo

transnacionalizado, tem se apresentado como projeto hegemônico no mundo Pós-Guerra Fria, no âmbito da geopolítica mundial. O sociólogo canadense William Carroll (2006) sintetiza esta nova dinâmica da ordem mundial ao analisar que,

[…] as meta-narrative, globalization finds its enabling conditions in the internationalization of capital and serves to inform and validate those conditions, including the creation of new arrangements such as the WTO. In the post-Bretton Woods financial regime, currency stability depends on speculators’ ongoing evaluation of national economic policies. This effectively subordinates state policies to market rationality. In this guise, globalization involves a structural (financial) imperative to conform to market relations, and to the political project of market rule (via the IMF, WTO). (CARROLL, 2006, p.16-17).

Sendo assim, verifica-se que o capital financeiro transnacional, através da globalização contemporânea, tem se constituído e se estabelecido enquanto um novo bloco histórico hegemônico, construindo sua base ideológica de dominação, coerção e consentimento entre as classes sociais aliadas e subalternas, através do neoliberalismo, estruturando o sistema internacional, no âmbito econômico, num movimento de liberalização dos mercados e imposição de uma racionalidade econômica, baseada na livre empresa e na busca do lucro, e no âmbito político-social, através de mecanismos e organismos internacionais, como o sistema das Organizações das Nações Unidas (ONU) e as agências econômicas como FMI e Banco Mundial, através de políticas e ações de tratamento especial e diferenciado frente aos países atrasados, pelo de reciprocidade, tratando como iguais as diferentes economias da geopolítica mundial, por mais desiguais que elas sejam. O internacionalista Leonardo Ramos (2005) explicita a nova configuração do bloco histórico do capital financeiro global na globalização contemporânea neoliberal, estabelecido pelo Pós-Guerra Fria ao afirmar que,

O bloco histórico emergente nos últimos anos consiste de várias forças econômicas e políticas lideradas pela fração transnacional da classe capitalista, cujas políticas são condicionadas pela nova estrutura global de acumulação e produção e pelo desejo dessa classe de coordenar as dimensões locais, nacionais, regionais e globais, tanto da acumulação quanto da legitimidade. Nesse sentido, esse novo bloco histórico liberal transnacional pode também ser chamado de bloco histórico globalista. Em seu centro, se encontra a fração transnacional da classe capitalista, que compreende os proprietários e gerenciadores das corporações transnacionais e demais capitalistas que gerenciam o capital transnacional. O bloco também inclui os técnicos e burocratas que administram as organizações internacionais – como FMI, OMC e Banco Mundial –, bem como governantes, burocratas e técnicos dos Estados do Norte e do Sul e de outros fóruns transnacionais. (RAMOS, 2005, p.156).

Este novo bloco histórico ao expandir as reformas neoliberais a partir da década de 1990, através do desmantelamento do Welfare State, com políticas de diminuição da

capacidade de regulação e intervenção estatal na esfera econômica e social, bem como um relativo aumento da influência direta das elites econômicas nacionais no sul global, passou a ter seu projeto hegemônico posto em xeque e contestado pelas classes subalternas do sistema capitalista global, uma vez que o conjunto de reformas e ajustes estruturais aprofundou a crise orgânica deste bloco, pois a concepção de sociedade neoliberal em vigor, não se constituía mais como um projeto universal propagado pela globalização do capital neoliberal. Neste sentido, a pesquisadora internacionalista Adriane Camargo (2012) em sua pesquisa sobre a globalização nas Relações Internacionais, nos revela que

[...] a crise de legitimidade enfrentada pelo atual bloco histórico internacional e pela crescente dificuldade de reprodução do discurso hegemônico da globalização neoliberal, fundamentada nas trocas comerciais e de fluxos de investimentos, verifica-se a abertura de arenas propriamente transnacionais (espaços entre o doméstico/nacional e o internacional, entendido aqui como uma arena de ação dos Estados soberanos e de seus agentes, as Organizações Internacionais formais) para a atuação de movimentos sociais de resistência. (CAMARGO, 2012, p.19).

Diante do quadro de desvantagens socioeconômicas originárias pelo bloco histórico neoliberal vigente, especialmente nas economias periféricas e semiperiféricas do sistema internacional, um ciclo de conflitos e resistências sociais se expandiu no Sul global, protagonizado por movimentos sociais de diferentes características identitárias e demandas políticas, econômicas e sociais. A confrontação com o padrão neoliberal de reorganização das sociedades nacionais possibilitou a organização de movimentos contra-hegemônicos a postular caminhos e horizontes emancipatórios ao modelo neoliberal, empreendido pelos governos nacionais dos países em desenvolvimento, a partir da segunda metade da década de 1990, por demandas programáticas de resgate do Estado regulacionista, por transformações na economia e sociedade, na perseguição de um novo caminho de transição pós-neoliberal (SADER, 2009).

Assim, no âmbito da sociedade civil tem-se o surgimento de movimentos contra- hegemônicos (movimentos sociais) que emergem de dentro de diferentes estados, a fim de desafiar a hegemonia do capital global neoliberal. Carroll (2006) explicita o significado da contra-hegemonia ao projeto hegemônico do capital global ao revelar que,

Counter-hegemony may portend deep transformation, but it gets its start on, and draws much of its vitality from, the immediate field of the conjunctural, in resistance to the agenda of the dominant hegemony. A good deal of counter-hegemonic struggle occurs in direct opposition to the aspects of capitalist hegemony we reviewed earlier – in the rejection of social and semiotic fragmentation, of neoliberal insulation and dispossession, of globalization from above. It is precisely through these oppositional politics that a global justice movement has, since the mid-1990s,

taken shape and gained a sense of ethical purpose […] the need for counter- hegemonic movement to walk on both legs, taking up state-centred issues as well as issues resident in national and transnational civil societies. Indeed, reclaiming the state – democratizing state practices in the wake of neoliberal globalization – is elemental to counter-hegemony today. (CARROLL, 2006, p.20).

Nesta perspectiva, segundo diversos estudiosos da globalização (MARTINS, 1998; IANNI, 1999, BEDIN, 2001), o sistema político mundial necessita da sociedade mundial. A sociedade civil é condição para o desenvolvimento de uma função pública internacional democrática: só serão criadas as bases para superar as contradições entre a socialização global e a organização política em Estados nacionais, quando as instituições globais começarem a serem destinatárias das demandas de uma maioria pobre que se auto-organiza nos atuais países em desenvolvimento. Isto pressupõe que ao desenvolvimento da função pública a partir de cima (instituições e regimes internacionais controlados pela classe capitalista transnacional) se oponha, a partir de baixo, uma sociedade civil mundial cada vez mais forte (entre outras coisas, mediante a maior expansão e coordenação do trabalho das Organizações Não-Governamentais - ONGs internacionais), a qual se converta na base para o desenvolvimento da função pública democrática em escala mundial.

Carroll (2007) contribui para o entendimento da importância da sociedade civil global, enquanto arena de construção de ações contra-hegemônicas à globalização econômica neoliberal vigente ao sinalizar que,

Global Civil Society is, in short, profoundly tilted to the right by the dominance of capital in national politics, in international relations, in global governance and in mass communications. In these circumstances, movements for global justice face an ongoing challenge to find openings that do not lead into co-optative capture while building constituencies at the grassroots. […] Finally, it is helpful to understand global civil society as a multiorganizational field wherein diverse groups championing (or challenging) globalization, from above or below, take up specific niches in an organizational ecology that is itself substantially networked. Global civil society comprises not only a terrain of struggle, not only a discursive space, but also a rich variety of organizations, with distinctive structures, projects and interrelationships, addressing transnational publics – whether privileged or subaltern. (CARROL, 2007, p.39).

Neste sentido, a ação da chamada sociedade civil (cunhada pelos construtivistas cosmopolitas como sociedade civil global, ou sociedade civil transnacional) tem contribuído bastante para difundir informações, ampliar o debate em torno de questões globais importantes, para pressionar governos e organismos internacionais, de modo que a análise de diversos processos políticos atuais quase nunca pode prescindir da apreciação da atuação desses novos atores. O cientista político argentino Andrés Serbin (2002) contribui também

com a idéia da sociedade civil global se configurar enquanto uma arena de disputa política contra-hegemônica ao projeto hegemônico da globalização neoliberal, ao verificar que,

No âmbito do atual debate sobre a globalização, a emergência de uma sociedade civil transnacional, através do desenvolvimento de redes, organizações não governamentais e movimentos sociais transnacionais, é um fenômeno relevante para a compreensão da dinâmica global, desde uma perspectiva multidimensional, tanto que transcende os limites da dinâmica tradicional das sociedades civis nacionais. Mas além do redimensionamento do Estado-Nação e do surgimento de uma multiplicidade de atores transnacionais, basicamente vinculados ao mercado global, a efetiva possibilidade de regular e limitar a ação deste, como a de um Estado com maior orientação social, passa pelo desenvolvimento e consolidação das redes de atores da sociedade civil transnacional, no marco de um processo de transnacionalização que faz irromper com significativo impacto a incidência de fatores extranacionais. Nesta perspectiva, o conceito de redes é crucial para a compreensão do desenvolvimento da sociedade civil transnacional. (SERBIN, 2002, p. 14, tradução nossa).

O debate teórico aqui proposto sobre hegemonia, no âmbito das Relações Internacionais, nos permite compreender como se configura a globalização neoliberal contemporânea na geopolítica mundial, e suas implicações políticas, econômicas e sociais nas economias nacionais no Sul global.

A abordagem neogramsciana das Relações Internacionais nos fornece uma compreensão crítica da ordem atual, a partir da compreensão dialética da história. Esta abordagem é vista como crucial para compreender a globalização, pela razão de que as relações sociais de produção, inter-relacionadas com as formas de Estado e ordens globais, estão na base da hegemonia neoliberal global. Assim, as formulações teóricas apresentadas por esta corrente marxista, no âmbito da disciplina, sobre a relação entre as relações de produção sociais e de poder, oferece um quadro teórico alternativo para a análise da globalização, permitindo, então, compreender as origens e as bases sociais do neoliberalismo. Ao contrário das teorias de resolução de problemas, a abordagem neogramsciana revela a globalização contemporânea, como a ordem mundial vigente, enquanto domínio do neoliberalismo, a qual pode ser contestada por diferentes formas das forças sociais no seio da sociedade civil.

Neste sentido, o próximo capítulo tem como proposta compreender a noção sobre sociedade civil (global ou transnacional) e movimentos sociais (e seu processo de transnacionalização), a partir dos debates contemporâneos das Relações Internacionais, no âmbito dos estudos sobre a globalização, e o surgimento da contestação contra-hegemônica da sociedade civil brasileira à globalização neoliberal, através da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (REBRIP).

2 DEBATES CONTEMPORÂNEOS SOBRE CONTRA-HEGEMONIA E A