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Na sua biografia sobre Heidegger, escreve Safranski:

Ele (Heidegger) foi realmente um “mestre” da escola do místico Meister Eckhart. Manteve aberto, mais do que ninguém, o horizonte para a experiência religiosa numa época não- religiosa. Encontrou um pensar que permanece próximo das coisas, mas preserva-o da queda da banalidade.107

Como é possível, logo na abertura da biografia, uma afirmação tão veemente? Um mestre da escola de Eckhart. No final do referido tomo, Safranski complementa afirmando que “os exercícios do pensar o ser começam pois com um esvaziamento. Assim também Meister Eckhart e Jakob Böhme quiseram vivenciar o Deus de Heidegger”108. Mas que trajetória encetou Heidegger para merecer esta alcunha de “mestre” de uma escola de base nitidamente mística? Essa mística aqui indicada – a

grosse Mystik – possui os traços já delineados no capítulo I. Interessa saber como

Heidegger se aproxima desta tradição e, até que ponto, esta tradição possui confluências com o seu pensamento.

No seu artigo Heidegger and theology – John Caputo109 quer nos fazer ver que o pensamento de Heidegger não está apenas alicerçado em sua base acadêmica e filosófica, mas também em seu percurso como pessoa, como um homem inicialmente de fé que vai, aos poucos, reestruturando as bases de seu pensar numa direção que inicialmente parece bem oposta ao seu início. Caputo, logo de saída, nos informa que “Heidegger nasceu nas fazendas católicas e conservadoras do sul, na Alemanha Central”110. Fincando Heidegger num determinado espaço geográfico e cultural, Caputo quer nos mostrar que é a partir desta influência inicial que nascerá o pensamento

107 SAFRANSKI, Rüdiger. Heidegger – um mestre da Alemanha entre o bem e o mal. São Paulo :

Geração Editorial, 2000. p. 18. Veremos mais à frente que Paul Hühnerfeld chama Heidegger de “o falso Eckhart”.

108 Op. Cit. p. 364.

109Michael Zimmerman, da Tulane University, chega mesmo a afirmar que “nunca houve um comentador

mais lúcido sobre o pensamento de Heidegger do que John D. Caputo e poucos foram tão perspicazes. Ele derramou uma bem-vinda luz até mesmo sobre as expressões heideggerianas mais obscuras e também gerou conversas brilhantes cujos interlocutores incluíam Heidegger, Derrida, Levinas, Kierkegaard e o próprio Caputo”. A Postmodern, Prophetic, Liberal American in Paris. Continental Philosophy Review, 31, 1998, p. 195. Trad. do Autor.

110 CAPUTO, John. Heidegger e a teologia. Revista Perspectiva Filosófica. Vol II, 26. 2007. p. 111.

Trad. do Autor. (Este artigo compõe a base do Capítulo 9 da obra Desmitificando Heidegger de Caputo. Op. Cit. pp. 237-58.)

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heideggeriano. Inicialmente, Heidegger pensava em fazer doutorado em Tomás de Aquino. “Hugo Ott descobriu que as primeiras publicações de Heidegger apareceram em 1910-12 no Der Akademiker, uma revista católica ultra-conservadora que seguia a linha do Papa Pio X”111.

Heidegger, na época com vinte anos, fala do perigo do “Modernismo” contra a sabedoria eterna da religião católica. “Heidegger cita com aprovação o dito do ‘grande (Josef Von) Görres’: ‘Cave profundamente e você vai se descobrir em solo católico’”112. Interrompendo seus estudos por motivos de saúde, ele volta-se para a matemática e para as ciências, para então depois se concentrar na Filosofia, “onde era abertamente identificado com a confissão católica”113. Heidegger buscava se apropriar da filosofia escolástica medieval a partir da refutação de Husserl ao psicologismo e das conquistas da lógica moderna, já que ele enxergava uma continuidade entre as investigações lógicas de Husserl “que colocavam a lógica e a matemática no fundamento da pura fenomenologia, e a tradição escotista da ‘gramática especulativa’ no final da Idade Média”.114

A validade desta apropriação reside no fato de que esta tradição possui um lastro anti-relativista e anti-psicologista, já que as formas da gramática e da linguagem (modus

significandi) são entendidas como funções de um reflexo puro, ou seja, formas

universais de pensamento (modus intelligendi) que são reflexões do modus essendi, o ser mesmo. Todavia, esta apropriação possui uma base ainda mais profunda: Heidegger estava também preocupado com o aspecto da experiência de vida (Lebenserfahrung) medieval115. Fazia-se necessário, então, para adentrar as dificuldades que os medievalistas nos impunham, participar deste modo de vida, desta experiência concreta. “Para ganhar acesso àquela dimensão da tradição medieval, Heidegger diz que devemos escutar a teologia moral e o misticismo medieval, em particular a do Mestre Eckhart”116. Trata-se, com efeito, de uma noção mística: a alma pertence completamente a Deus – uma transcendência para Deus – e que se traduz numa correspondência entre a noção

111 Op. Cit.. 112 Op. Cit.. 113 Op. Cit.. 114 Op. Cit. p. 112.

115 Trata-se de uma apropriação que privilegia a vida religiosa em si mesma mais do que em seu aspecto

lógico e logocêntrico.

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metafísico-conceitual de que “o intelecto tem uma harmonia interna com e pertencente (convenientia) ao ser”117.

Segundo Caputo, reside aqui o primeiro passo de “desconstrução” da Metafísica levada a termo por Heidegger. No seu livro Heidegger and Aquinas118, Caputo nos mostra uma carta que o próprio Heidegger escreveu para Engelbert Krebs, o jovem padre que havia casado Martin e Elfride em 1917. Ali, num tom confessional, ele afirma que seus insights epistemológicos e o estudo da teoria do conhecimento histórico tornaram, para Heidegger, inaceitável o catolicismo, mas não a cristandade em si e a metafísica. Esta é, segundo Caputo, a primeira virada do pensamento de Heidegger. Caputo lança mais luz sobre esta primeira virada do pensamento heideggeriano quando nos diz, no referido artigo, que:

Da virada do catolicismo para o protestantismo, os interesses filosóficos do jovem pensador mudaram das questões de lógica para as de história, da pura fenomenologia (husserliana) para o que ele chamou de ‘hermenêutica da facticidade’ (i.e., a vida concreta) e da teologia dogmática para a teologia do Novo Testamento. Ele centrou sua atenção não para teólógos escolásticos como Aquino, Scotus e Suarez, mas para Pascal, Lutero e Kierkegaard que o levaram de volta a Agostinho e Paulo. Entre 1919 e 1922, Heidegger – que se identificou em 1912 para Karl Löwith como um teólogo cristão – empreendeu um intensivo estudo da ‘experiência factual de vida’ das comunidades do Novo Testamento (em particular a experiência deles de tempo) num esforço para restaurar a autêntica experiência cristã.119

Neste momento, o aspecto mais forte da Kampfsphilosophie heideggeriana – e que se aproxima da teologia da cruz de Lutero pelas reminiscências contidas na mesma – está na busca por uma neutralidade filosófica que aponte apenas para a concretude histórica da existência – quer grega ou cristã – através das estruturas universais da existência fáctica. Caputo afirma que Heidegger adotou como modelo para seu projeto a crítica de Lutero a Aristóteles e, por consequência, aos fundamentos da escolástica aristotélica medieval. Lutero usava até mesmo o termo “destruição” para descrever seu projeto de “restaurar uma autêntica cristandade escritural sobre o alicerce conceitual da

117 Op. Cit..

118 CAPUTO, J. Heidegger and Aquinas. An essay on overcoming Metaphysics. New York : Fordham

University Press, 1990.

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teologia medieval”120. Caputo informa que não deve ser encarado como um exagero o fato de entendermos que aquilo que Heidegger delimita como uma “hermenêutica da facticidade” – aquilo que em Ser e Tempo se traduz pela analítica existencial – tem seus alicerces fincados na crítica de “Lutero à teologia metafísica medieval e na crítica de Kierkegaard da cristandade especulativa hegeliana”121. Além do mais, sabe-se que as paletras-cursos de Heidegger em Freiburg – contidas na sua Gesamtausgabe, tomo 9 (Wegmarken, Phänomenologie und Theologie) - registram seus estudos sobre Agostinho e a tentativa de Heidegger de restaurar (no sentido de abrir à compreensão um modo mais radical dessa vivência) a experiência cristã originária de tempo que se desvela na medida em que se adentram as superestruturas da metafísica neoplatônica que são tão próprias do pensamento de Agostinho.

É preciso assinalar que Heidegger não leva a termo a análise das influências neoplatônicas presentes no pensamento de Agostinho. De fato, mesmo quando se debruça de modo en passant sobre Mestre Eckhart, não há indícios de reconhecimento explícito destas influências. E nem tampouco assim o faz o próprio Caputo122. Segundo ele, o caráter a-histórico dos existenciais de Ser e Tempo é devedor de uma realização tanto dos husserlianos quanto dos neo-kantianos, ainda mais quando se pode perceber que se trata de formalizar as estruturas aqui entendidas como factuais através de uma conceitualização capaz de lhes dar um acabamento formal-ontológico – o que nos leva a pensar numa certa “neutralidade” para sua concretude histórica.

Podemos mesmo concluir que, seguindo este raciocínio de Caputo, “o objetivo de Heidegger foi colocar as estruturas a priori da vida existencial, da existência do Dasein, sem ver se tais estruturas eram de fato atuais – isto é, como uma matéria existenciária – grega ou cristã”123. Em Ser e Tempo temos a realização de um ideal existenciário que não pode ser delimitado por um momento histórico da vida, seja ela grega ou cristã. De fato, este modo factual de ser é a base a priori destes mesmos modos de vida124. Esta tarefa, que pode apontar para diversas nuances, surge para os teólógos cristãos como um modo novo de encarar a si mesmos. Para alguns destes teólógos

120 Op. Cit.. 121 Op. Cit.

122 Caputo cita The Heidegger affair de Hühnerfeld, citando a relação que este estabelece entre Heidegger

e Plotino, mas não vai além de uma simples citação. Cf. CAPUTO, J. The Mystical Element in Heidegger´s Thought. Op. Cit. pp. 31 e segs.

123 CAPUTO, J. Heidegger e a teologia. Op. Cit.. p. 115

124 Bultman – teólogo cristão – como informa Caputo, havia saudado Ser e Tempo com grande

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tratava-se muito mais, através de um discurso enfaticamente filosófico, de desmitologizar a cristandade.

Contudo, o caráter desta a-historicidade possui elementos forjados dentro de uma tradição muito específica. Os existenciais heideggerianos surgem num tempo histórico que, devedores das conquistas ou esquecimentos anteriores, só podem ser realizados a partir dos mesmos. Parece plausível pensar, assim como o faz Derrida125, que o próprio Heidegger opera sua “desconstrução”, e, portanto o início de sua ontologia fundamental, tendo como ponto de partida um esquecimento e uma memória. “Esquecimento” da dívida hebraica que dormita como influência subterrânea na

tradição neoplatônica via Filon de Alexandria e a compreensão da via negativa e “memória” enquanto retorno ao pensamento originário dos primeiros gregos.

Este esquecimento se opera em diversas frentes. Numa carta que Heidegger escreveu para Karl Löwith em agosto de 1921, em que afirma que “trabalho de forma concreta e fáctica a partir do meu ‘eu sou’ – a partir de minha herança espiritual inteiramente fáctica”126 e que, de modo ainda mais radical, ao menos para este período de sua vida, que “vivo os deveres interiores de minha facticidade tão radicalmente como os compreendo. A esta, a minha facticidade, pertence o que designo brevemente assim: sou um ‘teólogo cristão’”127. Mas, após este período, Heidegger retorna a Freiburg como sucessor de Husserl em 1928 e aí se dá uma mudança radical em seus interesses: primeiro temos o seu “infernal endossamento ao Nacional Socialismo e seus ardorosos esforços para nazificar a universidade alemã”128 e seus interesses passando de Kierkegaard, Lutero e Aristóteles para Nietzsche.129

125 Estamos centrados na questão das convergências entre Heidegger e a tradição do pensamento da negatividade, enquanto Derrida, na referida conferência, centra-se na questão do esquecimento da questão do Espírito dentro da tradição. Escreve Derrida: “Por que esta lacuna com relação à tradição e esta discriminação? Por que na rejeição mesma deste legado, o Geist não ocupa o lugar que lhe é legítimo nos grandes temas e nas grandes palavras – o ser, o Dasein, o tempo, o mundo, a história, a diferença ontológica, o Ereignis, etcς”. DERRIDA, Jacques. De l´Esprit. Heidegger et la question. Paris: Galilée, 1987. p. 10.. Além do mais, vale salientar que Derrida afirma – ao ler Nietzsche “liberto” de Heidegger em Esperons: Les Styles de Nietzsche e De La Grammatologie – que Heidegger não possuiu a habilidade de transcender a época metafísica. Embora Heidegger buscasse evitar atingir uma realidade metafísica última, Derrida pensa que Heidegger ao falar da presença do ser e de sua apropriação já está envolvido numa metáfora metafísica e que a base desta ambigüidade está na teoria da linguagem heideggeriana. Cf. HOY, David Couzens. Forggeting the text: Derrida´s critique of Heidegger. boundary 2, Vol. 8, No. 1, The Problems of Reading in Contemporary American Criticism: A Symposium. Outono, 1979.

126 BARASH, Jeffrey Andrew. Heidegger e seu século. Lisboa: Piaget, 1997. p. 103. 127 Op. Cit..

128 . CAPUTO, John. Heidegger e a teologia. Op. Cit. p. 117.

129 Sobre dois pontos de vistas tão interessantes quanto antagônicos relativamente ao nazismo de

Heidegger, ver as obras FARIAS, Victor. Heidegger e o Nazismo. São Paulo : Paz e Terra, 1998 e LOPARIC, Zeljo. Heidegger réu. São Paulo: Papirus, 1990.

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É neste momento que Heidegger começa a se antagonizar com o catolicismo ultra-conservador de seu início e com a teologia histórico-liberal protestante, dando claros indícios de que estava se tornando ateu. Neste período Heidegger começa mesmo a hostilizar o pensamento cristão e sua própria conduta pessoal em Freiburg “passou a ser de hostilidade para com a cristandade”130. Entretanto, esta hostilidade corre em paralelo com os estudos que os teólógos faziam do pensamento heideggeriano, chegando mesmo a se apropriar de suas ideias em termos teológicos, como o faz, por exemplo, Rahner em sua obra The Theology of Death quando se apropria do ser-para-a-morte da analítica existencial. Este paralelismo aponta para um fato inegável. Explica Caputo:

Mas é muito claro, até mesmo para o mais fanático discípulo de Heidegger, que ele está claramente helenizando e secularizando a fundamental concepção bíblica da história da salvação. Ele estava construindo – de modo literal – uma Heilsgeschichte rival para a história da salvação bíblica que ele havia descoberto em seus estudos do Novo Testamento.131

Rigorosamente falando, não é possível estabelecer essa guinada pessoal de Heidegger em direção ao Nazismo como uma das fontes de seu esquecimento da dívida hebraica que possibilitará a leitura negativa da divindade e que, deste modo, possibilitará uma visão metafísica voltada para a própria diferença a partir de si mesma e não da identidade. Também, não se pode negar a influência gigantesca que os gregos exercerão na tradição Ocidental de suas apropriações tanto do Velho quanto do Novo Testamento. O que incomoda neste esquecimento e memória é o fato de que Heidegger parece manter, de modo subterrâneo, uma ligação ao grupo hebraico, numa relação que parece “secreta e disfarçada”132 e privilegiando apenas o retorno às fontes gregas. A questão da regra de leitura que guia Heidegger diante da tradição – e que o força a estabelecer a “desconstrução” – é sempre guiada a partir, exclusivamente, do segundo ponto.

A história da metafísica, para Heidegger, em certo sentido, ocultava a história do pensamento originário. Mas Heidegger irá saltar dessa manhã grega inaugural do

130 Op. Cit. 131 Op. Cit.. p. 120.

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pensamento originário para a compreensão de que a essência original da verdade, portanto do sentido do ser, não está devidamente “configurada” entre os pré-socráticos. A verdade do ser não foi objeto de experiência. Desde a sua célebre “carta” a Jean Beaufret – onde Heidegger levantava “os limites ‘humanísticos’ do existencialismo e da exigência real de ‘pensar o ser’”133 – percebemos um Heidegger menos voluntarioso, deixando de lado suas especulações acerca da vontade e se centrando mais numa perspectiva de “deixar ser”, ou seja, a Gelassenheit, que fora uma das palavras mais usadas pelos místicos do Reno, em especial por Mestre Eckhart. O ser não é a partir de agora mais entendido como algo que possa ser concebido ou que podemos nos apoderar; ao contrário, o ser, em relação ao pensamento, pode ser apenas garantido. Os pensamentos vêm até nós! “Pensar é um dom ou uma graça, um evento que nos toma, uma direção visitada por nós”134.

O advento do ser se dá na cooperação e no comportamento do homem em estar no aberto deste advento. Evidente que tal postura filosófica pode ser tachada, neste nível, de quietismo e ascetismo e se impõe, então, uma pergunta pelo lugar da ética no pensamento de Heidegger. Esta é, de fato, a antiga disputa medieval entre a vita activa e a vita contemplativa. Parece que na sua última virada, Heidegger retorna ao seu início teológico. Mas, devemos dizer, este retorno ganha um viés muito mais místico. No último Heidegger ainda é muito debatida a questão de Deus e dos deuses – mesmo sabendo-se que, do ponto de vista judaico-cristão – este mesmo Deus está atrelado à História e à sua relação com a própria história do ser e seu destinamento. Sobre este momento, escreve Caputo:

Heidegger demonstra nestes escritos uma decidida preferência pelos primeiros gregos, pela experiência grega de ser como physis e alétheia e pela experiência dos ‘deuses’ como parte do ‘Quádruplo’, O Quádruplo – terra e céu, mortais e deuses – é uma profunda concepção de Hölderlin que Heidegger deriva de suas leituras desse poeta sobre o mundo grego. Então o deus que emerge nos últimos escritos de Heidegger é um deus poético, uma experiência poética do mundo como algo sagrado ou merecedor de reverência.135

133 CAPUTO, J. Heidegger e a teologia. Op. Cit.. p. 121. 134 Op. Cit. p. 122.

120

Diversas aproximações foram levadas a termo a partir desta constatação136. Mas a questão norteadora aqui é: como é possível pensar as convergências entre o pensamento heideggeriano e a tradição do pensamento da negatividade a partir de seu envolvimento com a teologia? Isso não significa, contudo, afirmar que há algo de místico ou teológico no pensamento heideggeriano. O que há, de fato, é um elemento místico em seu pensamento e que é devedor de uma tradição que o precede. Hühnerfeld acusa Heidegger, a partir desta influência, de arrogância, nacionalismo e irracionalismo. Interessa-nos apenas o último ponto.

Para Hühnerfeld, os temas da analítica como angústia, morte e nada estavam já presentes entre os poetas expressionistas alemães: Heidegger surge como um filósofo da melancolia niilista, já que, segundo Hühnerfeld, Heidegger se nega a encontrar um sentido racional nas coisas: isso se evidencia quando ele salta do princípio do fundamento para o sem-fundamento de Silesius, por exemplo. Hühnerfeld acusa Ser e

Tempo de soar místico sem sê-lo. Entretanto, a afirmação mais contundente de

Hühnerfeld é que Heidegger gravita sobre duas fontes principais: Plotino e Eckhart137. Em relação a Plotino, Hühnerfeld afirma que Heidegger toma emprestada uma distinção própria do neoplatonismo das Enéadas: a distinção entre aquilo que é visto pelo poder de iluminação do sol (a esfera ôntica em que as coisas, os fenômenos podem ser pensados) e a luz do sol em si mesma (a esfera ontológica em que o ser e o fundamento se confundem para trazer à luz algo como o ente). A verdade ôntica só é possível de ser pensada quando o sol em si mesmo traz a verdade ontológica, o ser. O que separa Heidegger de Plotino, indica Hühnerfeld, é que em Plotino o sol é a representação de Deus no sentido ontológico do termo, ou seja, a negatividade daquilo

136 Não é nosso intuito aqui traçar os envolvimentos de Heidegger com a Escola de Kyoto ou com a

tradição mística medieval, por exemplo. Este envolvimento daria para elaborar uma obra à parte devido à extensão de suas conseqüências. Muitas obras poderiam ser citadas que tratam deste envolvimento de Heidegger com a tradição mística medieval e budista. Eis algumas especialmente interessantes: HIRSCH, Elisabeth Feist. Martin Heidegger and the East. Philosophy East and West. Vol. 20, nº 3. Julho, 1970. GUMBRECHT, Hans Ulrich. Martin Heidegger and his Japanese interlocutors: about a Limit of Western Philosophy. Diacritics, Vol. 30, nº4. Inverno, 2000. MACQUARRIE, John. An Existentialist Theology: A Comparision of Heidegger and Bultmann. New York : Harper, 1965. MARX, Werner. Heidegger and the Tradition. Evaston : Nortwestern University, 1971. PEROTTI, James. Heidegger on the Divine. Athens : Ohio University Press, 1974. VYCINAS, Vicent. Earth and Gods: An introduction to the philosophy of Martin Heidegger. The Hague : Martinus Nijhoff, 1961. DALLMAYR, Fred. Nothing and Sunyata: a comparision of Heidegger and Nishitani. Philosophy East and West. Vol. 42, nº 1. Janeiro, 1992. ZIMMERMAN, Michael. Heidegger, Budhism, and deep ecology. In: Cambridge Companion to Heidegger. Cambridge: Cambridge University Press, 1993.

137 Caputo traça em seu The Mystical Element of Heidegger´sThought as principais concepções de