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2. INFLUÊNCIAS DO PASSADO

2.1. Heranças do teatro antigo

Antes de refletirmos e fazermos considerações sobre o Teatro Antigo, começando pela Grécia, é necessário considerarmos o conceito de «mimese», pois nele há grande importância para a compreensão do fenômeno teatral, inclusive durante o século XX. A mimese, do grego mimeistkai, imitar (no francês mimésis e no inglês mimesis), é definida por Patrice Pavis como “a imitação ou a representação de uma coisa. Na origem, mimese era a imitação de uma pessoa por meios físicos e lingüísticos, porém esta 'pessoa' podia ser uma coisa, uma ideia, um herói ou um deus”61

.

Na República, de Platão, livros 3 e 10, a mimese é colocada como uma simples cópia ou imitação, e por isso é banida da educação por limitar os homens. No teatro, estaria em posição muito diferente da diegese (do grego diegesis, relato), o relato “puro”, como narração épica. Por outro lado, na Poética de Aristóteles, a mimese, ainda de acordo com Pavis, é vista como modo fundamental para a arte, e em diversas formas, como poesia, tragédia ou relato épico. Para a autora, crítica teatral e professora portuguesa Eugénia Vasques (1948-), Aristóteles ocupa um “lugar tecnicamente mais pedagógico: o que ensina o poeta a escrever para uma cena da qual o filósofo tem uma noção retroactiva (recriando uma hipótese para a história e genealogia do género) e sobretudo uma visão prospectiva (que cria um teatro para o futuro)”62.

Consideremos O Teatro Antigo, assim como o autor Pierre Grimal, aquele que nasceu e se desenvolveu nas duas grandes civilizações antigas, Grécia e Roma. Trata-se de um complexo fenômeno literário e humano, com largo período de extensão, já que a primeira tragédia que se tem notícia, teria sido representada:

(...) sob a tirania de Pisístrato, em Atenas, cerca de 534 a.C. E, por outro lado, pode considerar-se que as últimas obras dramáticas por nós

61 PAVIS, Patrice, Dicionário de Teatro, trad. J. Guinsburg e Maria Lúcia Pereira, São Paulo: Perspectiva, 1996, p. 241.

conhecidas são as tragédias de Séneca, escritas, sem dúvida, entre 45 e 60 depois de Cristo, mais ano menos ano. Por conseguinte, uma vida de cerca de seis séculos e se tivermos em conta as obras que desconhecemos, algumas talvez anteriores a 534, outras posteriores a Séneca, podemos considerar que o teatro antigo perdura por setecentos ou oitocentos anos! 63

Não se pode dar uma explicação clara ou satisfatória para o termo tragédia. A palavra, que contém os elementos “bode” (tragos) e “canto” (ode), está suscetível a diversas interpretações.

As principais obras trágicas que temos até os dias de hoje, são essencialmente dos poetas: Ésquilo, Sófocles e Eurípedes. Existiram obras anteriormente a Ésquilo e posteriormente a Eurípedes, mas estão desaparecidas na sua quase totalidade, e ainda assim, considera-se que estes três autores tenham exercido influência mais considerável tanto em Roma como nos modernos, direta e indiretamente. A estrutura da tragédia grega é comum em todos os autores, contrastando entre a expressão falada e a expressão lírica.

“A tragédia grega apresentava frequentemente um aspecto político, mesmo quando o seu tema parece dizer respeito a outras cidades”64. E isso, de acordo com

Grimal, pode ser observado na Oresteia de Ésquilo, composta pelas peças Agamêmnon, As Coéforas e As Eumênides. Podemos compreender, também, que com Prometeu Acorrentado, Ésquilo punha o poema a serviço de valores religiosos e morais caros aos atenienses. A mesma apologia de Atenas encontra-se presente em determinadas peças de Sófocles, como em Édipo em Colono. De Grimal, também consideramos:

A tragédia, mais do que esclarecer o significado metafísico do mito traz à luz do dia a infeliz condição dos mortais, incapazes de compreenderem as consequências das suas acções, quando cedem ao irresistível poder do Amor, como às outras paixões que os deuses lhes enviam. 65

Eurípedes prossegue com essa “evolução”, levando a tragédia à análise das profundezas da alma humana, embora ele tenha sido mal compreendido pelos atenienses, ao ponto de preferir morrer exilado na corte do rei da Macedônia. Foi o

63 GRIMAL, Pierre, O Teatro Antigo, trad. António Gomes M. da Silva, Lisboa: Edições 70, 1986, p. 10. 64 Idem, pp. 45-46

poeta trágico mais imitado pelos romanos e sua influência também foi determinante para a criação da nova comédia. De acordo com Grimal, a dimensão da tragédia de Ésquilo, que foi bastante reduzida em Sófocles, em Erípedes torna-se apenas perceptível. A tragédia de Ésquilo era mais sensível aos grandes acontecimentos e às ideias que interessavam à pátria ateniense e Eurípedes já testemunhava uma época em que os sofistas procuravam soluções para os problemas da condição humana. Para o professor e autor Joaquim Solanas García (1968-), Eurípedes:

(...) pensou sempre no público e isso determinou certas atitudes literárias: multiplicação de personagens, ruptura da unidade de ação, aparição de efeitos espetaculares, truques artificiais, equívocos e tretas... A decadência o levou a desmitificar o mito, baixar os deuses de seu pedestal para aproximá-los ao humano e a usar o espaço cênico como tribuna de ideias.66

É interessante que como em toda a história, os fatos são cíclicos e se repetem, se reafirmam... Não foi diferente com a tragédia grega, e o mesmo acontece em diversas correntes literárias, que resgatam algo que foi deixado para trás. Independentemente de haver possibilidade, a qualquer momento, de uma retomada de valores de um teatro antigo, por uma corrente de artistas, ou por poucos artistas, não se pode negar que pelo menos 600 anos de história garantem muita influência em todo o teatro que vem existindo a seguir. Os objetivos e modos de execução ora se modificam, ora se reafirmam, mas o princípio antigo está em quase todas as obras teatrais posteriores. Antes da tragédia, já se apresentava no teatro grego o ditirambo, “declamação lírica apresentada a um público por um coro, com acompanhamento musical, evocando os feitos de Dionísio e de outros deuses e heróis e que , em certa medida, dava uma interpretação mimada”67

. O mimo, segundo Grimal, sobreviveu por muito tempo à decadência da tragédia e da comédia. Posteriormente às tragédias, desenvolveu-se em Roma um tipo de comédia popular, as atelanas (nome com origem na vila de Atella, na Campânia).

Os três grandes gêneros dramáticos, tanto na Grécia como em Roma, foram a tragédia, a comédia e o drama satírico, este último usado quase exclusivamente na Grécia. “Os três nasceram no mundo helénico e foi em Atenas que se

66 GARCÍA, Joaquín Solanas, Las representaciones em Grecia – sus trágicos y comediantes, Madrid: Editorial Julia García Verdugo, 1999, Coleção La Anvispa, Punto de Partida, vol. 5, p. 42, tradução livre do espanhol pelo autor da dissertação.

representaram as peças que levaram os três géneros ao mais alto grau de perfeição”68

.

De acordo com Grimal, os primeiros tempos da história são obscuros, e ficamos reduzidos a formular hipóteses sobre alguns fatos conhecidos. Para ele, não é certo dizer que a tragédia, a comédia e o drama satírico tenham a mesma origem. As próprias civilizações da época se contradiziam, reclamando a invenção da tragédia, por exemplo. A população de Mégara, e os Dórios do Peloponeso a chamavam para si. Por outro lado, para ele, “não é de modo nenhum obrigatório que a tragédia e a comédia tenham nascido no mesmo meio, que sejam, em certa media gémeas. Certos indícios permitem, pelo contrário, pensar que na sua origem tivessem funções diferentes, no seio de sociedades diversas”69

. E também atesta que ambas, juntamente com o drama satírico, “uma espécie de tragédia burlesca, em que o coro é formado por sátiros, companheiros de Dionísio”, são evoluções não somente procedentes do ritual dionisíaco.

Reconhecemos, desde esta época, uma das características essenciais da tragédia grega, a de ser a evolução de um ou (mais tarde) vários heróis lendários, que parecem sair do mundo subterrâneo para reaparecerem entre os vivos, durante a festa. Vemos também que a tragédia nascente compreende uma «mimésis» - uma parte mimada por um actor, que representa o herói em causa – e uma parte coral, cantada segundo a tradição do ditirambo. (…) A tragédia nunca teria podido nascer, de qualquer modo espontaneamente, dum ritual religioso: uma tragédia é uma obra literária, que não se destina a adorar um herói, mas a apresentar uma situação humana, aumentada pela perspectiva heroica. Os elementos poéticos que a compõem foram-lhe oferecidos pela tradição; a síntese que opera com eles é original e fecunda. 70

Os teatros gregos possuíam originalmente apenas a «orchestra» e o local onde se agrupavam os espectadores (chamado de cavea pelos romanos). Não havia plataforma, tribuna ou palco elevado para os atores. Estes se misturavam com os membros do coro na orchestra. Podiam distinguir-se pelos trajes e, de acordo com o autor, por “sapatos de sola espessa, o coturno, parecendo assim mais altos que os coreutas”71. O conceito de «skéne», unidade de apoio ou “barraca”, construída atrás

68 GRIMAL, Pierre, O Teatro Antigo, trad. António Gomes M. da Silva, Lisboa: Edições 70, 1986, p. 27. 69 Idem, p. 28

70 Idem, pp. 28-29 71 Idem, p. 17

da orchestra e que servia de pano de fundo ao espetáculo, surgiria posteriormente. Os atores e coreutas, portanto, preparavam-se em outro local, e entravam na orchestra em longa procissão, como que um prólogo ao espetáculo.

Da mesma forma em que evolutivamente a skéne sofistica-se, ganhando «paraskénia», pavilhões entre os quais se desenrolava a ação, surge a «thymele», designando, nos teatros, uma espécie de altar onde se oferecia o sacrifício ritual a Dionísio. O local do espetáculo onde antes se executavam danças e onde se representava uma história de tempos passados, passa a ser o próprio local da história, um “lugar encantado", reforçando a imaginação do espectador. E, por conseguinte, surge o palco, um estrado para os atores. O teatro mais antigo que se tem notícia, onde aparece esta inovação, são os restos encontrados na cidade de Priene, Ásia Menor; este teatro data de 340 a.C.72, escavado numa colina. Nele:

(...) a orchestra já não é um círculo perfeito, mas tem agora a forma de uma ferradura. Primitivamente, a skéne era ainda um edifício provisório, mas no princípio do século III (isto é, aproximadamente cinquenta anos após a construção do teatro, na sua forma originária), construiu-se uma skéne de pedra (sem paraskénia), com dois pisos e apresentado face à cávea um avançado de um só piso, sobre todo o comprimento. Assim, o telhado (em terraço) deste avançamento, bastante sobrelevado em relação à orchestra, forma um longo estrado: é o proskénion, equivalente do «palco» nos nossos actuais teatros tradicionais. O segundo piso da skéne constitui um pano de fundo e serve de apoio ao cenário. Actores, sobre o terraço do proskénion, e coreutas na orchestra, encontravam-se separados por uma diferença de nível que atinge mais ou menos 2,80 m. Esta inovação teve um agrande consequência: consagra, antes de mais, a evolução produzida na tragédia e na comédia, como o testemunham o teatro de Eurípedes e o de Menandro.73

Se a encenação das tragédias nos parece bem pouco realista e sujeita a um grande número de convenções, a nova comédia, ao contrário, presta-se mais facilmente a cenários e a efeitos cénicos próximos da realidade. Pelo menos, quando a ação se desenrola numa praça pública para a qual bastavam duas ou três casas. Era mais fácil preparar ou os paraskénia, quando os havia na skénia, ou a parede do andar superior às skéne quando havia um proskénion, e dar-lhes o aspecto de uma rua.

72 Cf. GRIMAL, Pierre, O Teatro Antigo, trad. António Gomes M. da Silva, Lisboa: Edições 70, 1986, p. 19. 73 GRIMAL, op. cit., 1986, pp. 19-20.

Em Atenas, as representações dramáticas aconteciam essencialmente três vezes por ano, na ocasião dos festivais dionisíacos. Estas festas eram conhecidas como Dionisíacas Urbanas ou Grandes Dionisíacas, Leneanas (também chamadas de Leneias ou Lêneas) e Dionisíacas Rurais, sendo as Grandes Dionisíacas as mais célebres, que ocorriam durante a primavera. Um sistema de concursos, introduzido por Psístrato em 534 a.C. sugere-nos um aprimoramento do gênero dramático motivado pela concorrência entre os poetas.

Considera-se Thespis, ou Téspis, como o primeiro poeta trágico, que havia ganhado o prêmio para a melhor tragédia, nas Grandes Dionisíacas. Aparentemente, Téspis havia retomado a inovação de seu compatriota Aríon, levando a cena um poema representado em diálogo entre um ator (hypocrites: aquele que responde) e um coro. Atribui-se comumente a Téspis a introdução do uso de máscaras na representação. Diz-se também que Téspis, posteriormente, andava de cidade em cidade com uma “carroça” repleta de acessórios, portanto uma suposta skéne, que estaria instalada temporariamente, ao lado, por exemplo, do theatron de Dionísio, em Atenas. E se Téspis era o primeiro ator (até então o próprio poeta era o ator) das tragédias, considera-se Ésquilo (525-436 a.C.), de acordo com a autora Eugénia Vasques74, o segundo ator ocidental, que introduz a policromia nas máscaras, diferenciando a tragédia da comédia por volta de 470, e seguido posteriormente nesse estilo por Roscius (104-90 a.C.), que teria sido o mais famoso ator de Roma.

Outros facilitadores também surgiram na relação direta entre as personagens, em cena aberta:

No começo, Téspis era o único actor da tragédia que representava. Ésquilo introduziu um segundo actor, que lhe dava réplica. O diálogo estabelecia-se então não só entre o coro e o único actor, mas também entre os dois actores. A partir de 449, houve três actores. Isto não implicava que não houvesse mais de três papéis, no máximo numa tragédia; mas um mesmo actor interpretava vários, o que não levantava qualquer dificuldade , visto os rostos estarem escondidos por máscaras. Mas era necessário também que os actores, entre duas cenas, em que apareciam com papéis diferentes, tivessem tempo de executar a transformação (o que faziam na skéne). Esta necessidade impunha ao poeta a submissão a determinadas regras para a elaboração da sua peça, assim como a introdução de lances de teatro

regrando convenientemente as entradas e as saídas das personagens.75

A Ésquilo também se atribui a introdução do coturno já citado, e segundo Joaquim Solanas García, também uma nova dimensão ao coro, permitindo, com o diálogo, o desenvolvimento das personagens. Porém, as observações de Jorge Angel Livraga, em A Tragédia Grega, reafirmam uma interpretação mais estática, focada definitivamente no trabalho vocal:

A aplicação dos coturnos consegue alturas sobre-humanas e as máscaras mistéricas, utilizadas num anfiteatro acústico, multiplicam o poder das vozes extraindo as suas sonoridades do quadro familiar das humanas que ouvimos todos os dias.76

Para Pavis, o diálogo (do grego diálogos) dramático basicamente é uma troca verbal entre as personagens, mas considera que “o critério essencial do diálogo é o da troca e da reversibilidade da comunicação”77

. Na medida em que se inseriam outros atores em cena, atribui-se a Ésquilo o surgimento do terceiro ator. De sua única trilogia efetivamente conservada, a Orestéia, a peça As Eumênides, 458 a.C. (que compunha a trilogia junto com Agamémnon e As Coéforas) permitiu que Ésquilo vencesse o primeiro prêmio, ao concorrer com Sófocles. Esta concorrência provavelmente teria impulsionado Ésquilo “a sair de seus próprios esquemas. Há um tritagonista, há uma maior caracterização de personagens com uma humanidade mais rica e complexa. Adquire em realismo o que perde em alusão misteriosa”78.

Entre os séculos V e IV a.C., considera-se uma certa especialização entre os atores. Aristóteles confirma-nos, na Poética, que os primeiros atores também eram dramatugos e poetas. Somente com Sófocles (495-405 a.C.) a figura do ator passa a ser dissociada da figura do autor, ainda assim porque este autor apresentava problemas vocais79, estabelecendo-se pela primeira vez um autor não ator. E Frínico teria sido o primeiro ator que não escrevia, apenas representava, além de dividir o

75 GRIMAL, Pierre, O Teatro Antigo, trad. António Gomes M. da Silva, Lisboa: Edições 70, 1986, p. 32 76 LIVRAGA, Jorge Angel, A Tragédia Grega, Lisboa: Edições Nova Acrópole, 1998, p. 36.

77 PAVIS, Patrice, Dicionário de Teatro, trad. J. Guinsburg e Maria Lúcia Pereira, São Paulo: Perspectiva, 1996, p. 93.

78 GARCÍA, Joaquín Solanas, Las representaciones em Grecia – sus trágicos y comediantes, Madrid: Editorial Julia García Verdugo, 1999, Coleção La Anvispa, Punto de Partida, vol. 5, p. 29, tradução livre do espanhol pelo autor da dissertação.

coro em dois grupos, e de igualmente inovar com a introdução das personagens femininas na cena grega.

J.S. García chama-nos a atenção para o fato de que em Sófocles, as personagens tornam-se a figura central da obra, de forma mais intensa:

Assim como Ésquilo, reconhece o poder soberano do destino, mas também consegue afirmar que as vicissitudes humanas não são pré-estabelecidas e impostas por um desígnio misterioso, mas sim, de vez em quando, determinadas pelas inclinações, pelas paixões e pelos sentimentos dos indivíduos. Com esta nova forma de entender e explicar as relações entre os homens e a divindade, se demonstra a substancial importância de Sófocles, o poeta já não pode recorrer a causas externas para justificar as razões de uma ação ou de outra, mas bem se vê obrigado a buscar estas razões na íntima natureza das personagens que assim se transformam nos principais motores. Se com Ésquilo, elas podiam ser os agentes, com Sóflocles são os agentes. São os responsáveis de seu próprio destino.80

De acordo com este mesmo autor, as personagens apresentam, a partir de Sófocles, uma maior riqueza psicológica, ou uma complexidade mais explícita, como em Antígona, peça que quase certamente seria de 442 a.C., e que está em sua maior parte baseada na personagem título. Considera-a possuída por uma paixão devoradora com diferentes tonalidades, e uma das personagens mais completas de todos os tempos, capaz de ir de um extremo a outro, justificada por razões psicológicas bem definidas. Um retrato real da mulher, em sua força e fragilidade.

Em Ésquilo, os temas ainda estavam muito centrados nas épocas heroicas, sobretudo com uma visão panteísta e mistérica. “Mas uma de suas grandes habilidades consiste em imbricá-los no ensinamento mistérico e adaptá-los à sua própria concepção trágica (...)”81. A ação neste caso pode ser simples, pois uma de

suas características gerais é a contemplação permanente de uma situação que pouco se altera ao decorrer da obra. De acordo com Jorge Livraga, seu esforço era em prol do ensino de princípios morais.

O drama satírico estaria mais ligado ao culto e à lenda de Dionísio, até porque

80 GARCÍA, Joaquín Solanas, Las representaciones em Grecia – sus trágicos y comediantes, Madrid: Editorial Julia García Verdugo, 1999, Coleção La Anvispa, Punto de Partida, vol. 5, pp. 31-32, tradução livre do espanhol pelo autor da dissertação.

contava com a presença de sátiros, assim como o séquito da divindade. Porém é imprudente dizermos que por isso eles sejam necessariamente precedentes a tragédia. O coro satírico está ainda muito perto da comédia antiga, onde os coreutas (como em Aristófanes) são vespas, rãs e aves. Enquanto a tragédia é um gênero sério, o drama satírico apresenta um carácter licencioso e paródico. Usam-se das mesmas lendas que a tragédia, mas de outra forma, posto que os heróis são ridicularizados. Entre os fragmentos que nos restaram deste gênero, figura um único completo, O Ciclope, de Eurípedes: uma lenda odisseica, a história de Polifemo e de Ulisses, acrescentada de vários pormenores divertidos. O drama satírico era representado, sobretudo, nas Dionisíacas Urbanas, como quarta peça de cada tetralogia. Cada tetralogia compunha-se de três tragédias e um drama satírico.

Já a comédia passou a integrar as festividades oficiais em Atenas posteriormente, a partir de 486 a.C., com o poeta cómico Quiônides, quando este teve uma peça de sua autoria representada. Antes dessa data existiram “comédias”, ou festivais cômicos nas aldeias da Ática e em Esparta.

Etimologicamente, a comédia é «o canto de Komos», o cortejo barulhento que, sobretudo na estação das vindimas, percorria as aldeias cantando e dirigindo àqueles com quem se cruzavam gracejos licenciosos. Aristóteles testemunha que alguns autores faziam derivar esta palavra do termo grego designando aldeia (kóme), etimologia certamente errada, mas reveladora, contudo: no pensamento grego, a comédia aparecia integrada no folclore das aldeias, um fenómeno essencialmente rustico.82

Segundo Grimal, este não é o único elemento que originou a comédia antiga.

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