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Hermenêutica diatópica e multiculturalismo – Boaventura de Sousa Santos

2 L IBERDADE , ÉTICA E DIREITOS HUMANOS

3. U NIVERSALISMO DOS DIREITOS HUMANOS

3.3. Diretrizes hermenêuticas para os direitos humanos

3.3.4. Hermenêutica diatópica e multiculturalismo – Boaventura de Sousa Santos

Em seu texto Por uma concepção multicultural de direitos humanos261, Boaventura

de Sousa Santos discute as condições de elaboração de uma concepção dos direitos humanos que reconheça e integre a diversidade cultural, de modo a permitir a reinvenção dos direitos humanos como uma linguagem de emancipação.

258

idem, ibidem, p. 26-27. 259 idem, ibidem, p. 27. 260 idem, ibidem, p. 29.

261 SANTOS, Boaventura de Sousa. Por uma concepção multicultural dos direitos humanos. In: ______ (org.). Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização, 2003. p. 429-461.

Contra um falso universalismo baseado na definição dos direitos humanos como eles são concebidos no ocidente, como se essa fosse a única definição possível desses direitos, o autor propõe o diálogo intercultural entre diferentes concepções da dignidade humana que reconheça a incompletude de todas as culturas e a articulação, em tensão, entre as exigências do reconhecimento da diferença e da afirmação da igualdade, entre direitos individuais e direitos coletivos. A hermenêutica diatópica é proposta como o meio para realizar o diálogo entre essas diferentes concepções.

O objetivo de Boaventura de Sousa Santos é especificar as condições para que os direitos humanos constituam uma forma de globalização que não se limite à influência local sobre o global – uma globalização plural. A tese do professor português é que, enquanto forem concebidos como direitos humanos universais, os direitos humanos

constituirão um tipo de localismo globalizado262 e, portanto, como uma forma de

globalização hegemônica263. Para poderem operar como forma de cosmopolitismo264, há

uma exigência de que os direitos humanos sejam repensados como multiculturais.

Concebidos como direitos universais, como tem acontecido, Santos afirma que os direitos humanos se resumem em uma forme de pressão e opressão do ocidente contra o resto do mundo. Com tais premissas, a proposta de Boaventura de Sousa Santos é que o diálogo entre as diferentes culturas ocorra sobre temas de interesse comum, ainda que com falas provenientes de universos culturais diversos. A forma como tal diálogo deve acontecer é o que ele chama de hermenêutica diatópica, conjunto de referências baseadas

na incompletude de cada cultura265. Como o próprio autor explica:

A hermenêutica diatópica baseia-se na idéia de que os topoi de uma dada cultura, por mais fortes que sejam, são tão incompletos quanto a própria cultura a que pertencem. Tal incompletude não é

262 “Consiste no processo pelo qual determinado fenômeno local é globalizado com sucesso, seja a atividade mundial das multinacionais, a transformação da língua inglesa em língua franca, a globalização do fast food americano ou da sua música popular, ou a adoção mundial das leis de propriedade intelectual ou de telecomunicações dos EUA.” idem, ibidem, p. 435.

263 idem, ibidem, p. 438. 264

“Trata-se de um conjunto muito vasto e heterogêneo de iniciativas, movimentos e organizações que partilham a luta contra a exclusão e a discriminação sociais e a destruição ambiental produzidas pelos localismos globalizados e pelos globalismos localizados, recorrendo a articulações transnacionais tornadas possíveis pela revolução das tecnologias de informação e de comunicação.” idem, ibidem, p. 436.

265

“O reconhecimento de incompletudes mútuas é condição sine qua non de um diálogo intercultural.” idem,

visível a partir do interior dessa cultura, uma vez que a aspiração à totalidade induz a que se tome a parte pelo todo. O objetivo da hermenêutica diatópica não é, porém, atingir a completude – um objetivo inatingível – mas, pelo contrário, ampliar ao máximo a consciência de incompletude mútua por intermédio de um diálogo que se desenrola, por assim dizer, com um pé em uma cultura e outro em outra. Nisto reside o seu caráter diatópico. 266

Um dos imperativos que Santos acredita que deva ser aceitos por todos os grupos sociais e culturais interessados no diálogo intercultural é o da passagem da idéia “igualdade ou diferença” para a idéia “igualdade e diferença”. Nesse sentido, é muito interessante a passagem em que ele ressalta a importância da diversidade entre as pessoas: “A hermenêutica diatópica pressupõe a aceitação do seguinte imperativo transcultural: temos o direito a ser iguais quando a diferença nos inferioriza; temos o direito a ser

diferentes quando a igualdade nos descaracteriza.” 267

Aqui é necessário apontar que não é possível ‘igualdade ou diferença’. Só é possível se pensar uma com a outra. Ou seja, pensar na igualdade dos seres humanos com a diferença de cada ser humano não é idéia que exclui o universalismo dos direitos humanos – pelo contrário. Para se pensar igualdade entre todos os seres humanos, é preciso pensar- se universalmente.

O que se pode observar na proposta de Boaventura de Sousa Santos é que o autor parte de uma premissa que não deve prevalecer para o diálogo intercultural pelos direitos humanos: o de que o universalismo coincide com a tentativa de imposição da cultura ocidental e de um modelo capitalista que tem como referência primordial os Estados Unidos da América.

Difere o presente trabalho no sentido de que pensar os direitos humanos não deve se pautar pela polarização das correntes de pensamento a seu respeito. Identificar o universalismo com a complacência com os países ditos desenvolvidos e com um projeto de nova colonização dos países não desenvolvidos impede qualquer diálogo. O pluralismo defendido por Santos não pode prosperar tendo como ponto de partida tal premissa.

266

idem, ibidem, p. 444. 267 idem, ibidem, p. 458.

A sua proposta de que os direitos humanos reconheçam e integrem a diversidade cultural é também a proposta de um universalismo plural e tolerante. Para tanto, não se faz necessário o afastamento do universalismo dos direitos humanos, mas sim, concebê-lo como proposta ampla, de diálogo, mas de proteção universal do ser humano.