• Nenhum resultado encontrado

HERMETISMO, PITAGORISMO E PLATONISMO NA RENASCENÇA E NOS PAIS DA CIÊNCIA MODERNA

No documento Ata Hermetismo, Pitagorismo e Platonismo (páginas 57-79)

José Manuel Anacleto92

Resumo:

Demonstração de que os esoterismo e quasi-esoterismos do Hermetismo e do Pitagorismo-Platonismo, como também da Cabala, não só encontraram espaço no ambiente demaior liberdade da Renascença, mas foram das suas grandes forças motrizes, tal comoimpulsionaram o advento e desenvolvimento da Ciência moderna.

92

Presidente do Centro Lusitano de Unificação Cultural. Editor da revista Biosofia. Autor de centenas de conferências, cursos, seminários e artigos. Autor de dezenas de livros, entre os quais: Esoterismo de A a Z; Alexandria e o Conhecimento Sagrado; Duas Grandes Pioneiras – Helena Blavatsky e Annie Besant; Espírito: Ciência ou Ilusão?; Transcendência e Imanência de Deus; Karma; A Mente Dual – da Escravidão à Liberdade. Licenciado em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa

Pretendemos demonstrar que, ao contrário da convicção dominante, que tende a ver o pensamento esotérico como uma cultura degradante, supersticiosa e oposta ao desenvolvimento da ciência e da cultura em geral, ele foi um motor fundamental de verdadeiro progresso e ampliação da Consciência. No caso particular, ilustra-se o modo como o Hermetismo, e também o Pitagorismo e o Platonismo, através dos quais se verteram muitas das noções misteriosóficas, representaram forças constituintes da Renascença e, bem assim, do surgimento e desenvolvimento da Ciência moderna.

Desde o Renascimento até aos modelos interpretativos da Ciência contemporânea, o fio da tradição Pitagórica e Platónica provou as suas extraordinárias potencialidades. Foi redescobrindo essa tradição, nomeadamente na sua ênfase matemática e geométrica, que a pintura e a arquitectura93 progrediram colossalmente nos sécs. XIV e XV; que a ciência moderna surgiu à luz do dia (Copérnico, Kepler, Galileu, Newton e Robert Boyle, por exemplo, inspiraram-se nesse legado); que os mais notáveis filósofos da Idade Moderna deixaram as suas obras grandiosas – veja-se o mártir Giordano Bruno, veja-se Spinoza, com a sua Ética... demonstrada à maneira dos geómetras, veja-se o respeito e o interesse de Leibniz, Descartes e Kant pela matemática. Na República, escreveu Platão: ‘A ciência do cálculo e a aritmética tratam acerca do número (…) portanto, resulta claro que ambas conduzem à verdade (…) são disciplinas essenciais (…) para o filósofo, a fim de que possam alcançar o ser, emergindo do devir. A Geometria é a ciência do que sempre é, e não do que num determinado momento se gera e em outro perece”. Por sua vez, os Pitagóricos, fonte de inspiração do Platonismo, haviam desenvolvido a Matemática. E esta é hoje o grande instrumento da Física nas suas investigações e formulações de leis. Recordemos que Platão se imbuiu de grande parte das ideias Pitagóricas e que estas têm as suas raízes no Egipto, na Babilónia e, possivelmente, na Índia. Há um fio dourado de Sabedoria que perpassa todos os tempos e latitudes, mesmo nas circunstâncias mais adversas.

I - Renascença

O grande ídolo da Renascença foi Platão, devido ao seu génio artístico e dialético, a ter sido teórico do amor e da beleza e iniciador da ciência matemática da natureza. O Concílio de Florença, em 1439, deu grande impulso aos estudos Platónicos na Itália.

93

Cfr. o excelente livro de Lucas Siorvanes, Proclus – Neo-platonic Philosophy and Science, Edinburg University Press, 1996

Convocado para obter a união da Igreja Grega com a Igreja Romana, chamou vários doutores orientais, conhecedores profundos de Platão. Outros vieram pouco depois, devido à queda de Constantinopla às mãos dos Turcos. No Concílio de Ferrara, que reuniu nominalmente as Igrejas ocidentais e orientais, os Bizantinos ali presentes afirmaram a superioridade de Platão sobre Aristóteles. Entretanto, Cósimo de Médicis contribuiu para a fundação – e Lourenço, o Magnífico, para a continuação – da Academia Florentina, pelo que na segunda metade do séc. XV firma-se um Platonismo Italiano. O seu principal representante foi Marsílio Ficino, animador daquela Academia em que confluíram literatos, artistas e pensadores, entre os quais Pico della Mirandola. O essencial do Renascimento, na Arte, na Filosofia e na Ciência, tem de facto uma força propulsora manifestamente Neoplatónica.

Marsílio Ficino (1433-99), foi protegido por Cosme de Médicis, que lhe facilitou a criação da Academia Platónica de Florência, e pôde assim dedicar toda a sua vida a estudos filosóficos. Traduziu para Latim escritos de Platão e, depois, de Plotino, além de outros Neoplatónicos, bem como o Corpus Hermeticum. Expôs o seu pensamento numa grande obra – Teologia Platónica da Imortalidade das Almas –, na qual tentou conciliar o Platonismo com o Cristianismo. Nela, considerava o homem como microcosmo, como síntese do universo, um conceito antigo, bem Neoplatónico, que readquiriu importância no humanismo do Renascimento. Também compreendia a noção de uma continuidade do desenvolvimento religioso, que vai desde os antigos sábios e filósofos, entre os quais nomeava Zoroastro, Orfeu, Pitágoras e Platão, até ao Cristianismo. Como alguém escreveu94, “O seu objectivo foi o de combinar o elemento Platónico e a tradição escolástica, com uma apreciação histórica e literária das suas origens no mundo antigo. Ele olhava a tradição Platónica pagã como divinamente inspirada em si mesma, e acreditava que a sua incorporação no ensino teológico era essencial, se a religião cristã queria ser adequada à nova intelligentsia humanística. Assim, ele igualava a caridade de que S. Paulo fala na Primeira Epístola aos Coríntios com o Eros do Fedro e identificava o Deus Cristão com a Ideia de Deus da República ”. Devemos talvez a Miguel Psellus que o Corpus Hermeticum se tenha preservado. Quando Harran, no norte da Mesopotâmia, foi conquistada pelos árabes, os habitantes, embora nominalmente ‘convertidos’ ao Islamismo, mantiveram práticas Pagãs e ideias Neoplatónicas, e reverenciavam Hermes Trimegisto. Um grupo de Harranitas mudou-se

94

Por falha de registo, não conseguimos enunciar qual a obra de que este excerto foi retirado, nem o seu autor, perante o qual nos penitenciamos.

para Bagdade, onde fundou uma comunidade distinta, sendo denominados “Sabinos”. Tinham grande conhecimento de Literatura, Filosofia, Lógica, Astronomia, Matemática, Medicina, além de Ciências Secretas. Os Sabinos conservaram a semi-independência até ao início do século XI, quando foram aniquilados pelas forças ortodoxas Islâmicas. Miguel Psellus conseguiu salvar grande quantidade de documentos pertencentes aos Sabinos, preservando desse modo uma parte da sua cultura.

Então, Psellus, historiador mas também estudioso de Filosofia, Ocultismo e Magia (a que chamava a “última parte da ciência sacerdotal”), juntou material num volume denominado Corpus Hermeticum e que é, pois, uma das fontes dos escritos Herméticos.

Note-se que o Hermetismo e o Platonismo se cruzam, porque, em primeiro lugar, é visível uma grande similitude de concepções entre os escritos Herméticos e os diálogos Platónicos, nomeadamente o Timeu; depois, ainda, porque Platão bebeu de Pitágoras grande dose de sabedoria, e Pitágoras, por seu turno, adquiriu boa parte do seu conhecimento no Egipto, nomeadamente em círculos onde o tipo de ensinamento Hermetista era transmitido.

Os textos Herméticos surgiram com grande força e tiveram larga influência e repercussão em Alexandria – tal como, em geral, em todo o mundo helenizado –, nos séculos que rodeiam, em ambos os sentidos, o início da Era Cristã e vieram a ressurgir, um milénio mais tarde, na Renascença italiana, nomeadamente na Academia Platónica, com as traduções de Marsílio Ficino.

Já na Alta Idade Média, Hermes surge representado entre os Cristãos quase como um profeta dos “seus”, inclusive na iconografia de Igrejas (por exemplo, na catedral de Siena).

Voltemos, entretanto, a Florença. Jorge Ghemistos, cognominado Plethon (1389- 1464) ministrou aí lições de filosofia Platónica, lançando os fundamentos para a criação da Academia, a qual se efectivaria em 1459 com Cosme de Médicis que, como assevera Marsílio Ficino no seu prefácio à tradução da obra de Plotino, fora aluno de Plethon. Plethon teve entre os seus mestres um Judeu, de nome Eliseu, que o informou sobre os oráculos Caldaicos atribuídos a Zoroastro, acerca dos quais, inclusive, escreveu comentários. Propôs uma religião universal racional, à luz do Platonismo. Profetizou

que viria o tempo em que uma só seria a religião da humanidade. Os seus alunos eram divididos em dois grupos: os exotéricos, agarrados à formação Cristã e incapazes de receber a totalidade do ensinamento, e os esotéricos, iniciados na doutrina das Emanações e com acesso a um conhecimento mais profundo e completo. Foi um elo importante na cadeia do processo de renascimento do Hermetismo.

A seguir a Marsílio Ficino, o mais famoso Platónico do Renascimento talvez tenha sido Pico della Mirandolla (1463-94), autor das famosas 900 teses cabalísticas e Da Dignidade Humana, obra em que professa um verdadeiro ecletismo baseado no Orfismo, no Pitagorismo, no Platonismo, na Cabala (deve-se-lhe, aliás, importante compilação do Zohar) e no Hermetismo (o livro tem logo no primeiro parágrafo uma citação de Hermes Trimegisto: “Grande prodígio, ó Asclépio, é o homem”). Dotado de vasta e diversificada cultura, estabeleceu-se em Florença junto de Lourenço, o Magnífico. Aí entrou em contacto com Marsílio Ficino. O ecletismo religioso e o esoterismo de Picco della Mirandola podem ser constatados em frases como esta: “Quem não desejaria ser iniciado em tais mistérios? Quem é que não deseja, ainda peregrino na Terra, mas desprezando tudo o que é terreno e desprezando os bens da fortuna, esquecido do corpo, tornar-se comensal dos deuses e, dessedentado pelo néctar da eternidade, receber, animal mortal, o dom da imortalidade?”.

No campo filosófico, cumpre destacar, entre outros, Nicolau de Cusa (1401-64) e Giordano Bruno.

Na sua obra principal, De Docta Ignorancia, afirma, nomeadamente Nicolau de Cusa: “Deus utilizou na criação do mundo a Aritmética, a Geometria e a Música, tal como a Astronomia, artes que também nós usamos” e “expõe uma ‘teologia negativa’, na qual uma concepção Neoplatónica do Cosmo torna a sua natureza incognoscível. Também está associado à doutrina da ‘concordância dos contrários’, um ataque à lei aristotélica da não-contradição que foi historicamente influente. Ao nível da cosmologia, foi um dos primeiros pensadores a negarem a teoria geocêntrica do universo e a afirmarem a natureza ilimitada do espaço”95

. Face ao exposto, ressalta que Nicolau de Cusa foi um precursor de Nicolau Copérnico. Helena Blavatsky sugere que possam ter sido

95

encarnações do mesmo Ego, (anormalmente) consecutivas, com vista a que pudesse trabalhar em meio mais favorável96.

Giordano Bruno morreu em 1600, no Campo das Flores, em Roma, queimado vivo pela Inquisição.

Sustentou a concepção da pluralidade dos mundos habitados e da infinitude do Universo; afirmou o Todo Uno como fundamento e Lei de tudo quanto existe, e a presença divina em tudo e todos; defendeu, com base na autoridade de Pitágoras, que a Terra era “apenas” um entre os astros; também na esteira do Pitagorismo, identificou o Espírito Santo com a Mente Divina. Todas estas sustentações constam expressamente da sua defesa às acusações da Inquisição.

Nas homenagens que se lhe fazem, é muitas vezes apresentado como um Cientista ou um livre pensador. Mas, verdadeiramente, no cerne das suas concepções, está a Filosofia Esotérica, nas vertentes das tradições Herméticae Pitagórica.

Cabe, a propósito, referir Miguel Servet (1511-53), que apresentou muitas ideias de matriz Platónica e pendor Panteísta (v.g. “Cristo está em todas as coisas. O mundo está cheio com ele”). Perseguido pelos Católicos em Espanha e condenado pela Inquisição em França (de onde, entretanto, já tinha fugido), morreu na fogueira, por ordem de Calvino – triste demonstração de que as Igrejas Protestantes rivalizaram com a Romana em matéria de repressão ideológica.

Entre os notáveis Platónicos de Cambridge, os principais foram John Smith (1618-52), Ralph Cudworth (1617-88) e, sobretudo, Henry More (1614-87). Este último exerceu grande influência sobre o pensamento religioso-científico de Newton.

Igualmente gostaríamos de mencionar John Dee (1527-1608). Foi ocultista, cabalista, alquimista e astrólogo. Como matemático, obteve grande renome com as suas aulas sobre os Elementos de Euclides, enquanto, como astrónomo, se entusiasmou com as teorias de Copérnico. Conta-se que terá inventado instrumentos prodigiosos, incluindo

96

protótipos semelhantes a robots. Representou uma figura marcante do período elisabetiano e é geralmente considerado um expoente do Neoplatonismo científico do século XVI nas Ilhas Britânicas.

Deixemos em seguida algumas notas sobre o impacto das noções Pitagóricas e Platónicas na Arte e na Literatura.

No Dicionário dos Símbolos, de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant97, afirma-se: “Os Pitagóricos consideravam a música como uma harmonia dos números e do cosmos, ele próprio redutível a números sonoros. (…) É à sua escola que se liga a concepção duma música das esferas. O recurso à música, com os seus timbres, as suas tonalidades, os seus ritmos, os seus instrumentos diversos, é um dos meios de se associar à plenitude da vida cósmica. (...) já Boécio garantia que o conhecimento supremo passava pelos números, e Nicolau de Cusa que eles eram o melhor meio para nos aproximarmos das Verdades divinas. Tudo é disposto de acordo com os números (discurso sagrado de Pitágoras, citado por Jâmblico)”.

Também justifica atenta ponderação o que escreveu Manly Hall: “Permanece para os Pitagóricos [o mérito] de elevar a arte à sua verdadeira dignidade, demonstrando a sua fundamentação matemática. Embora seja dito que não era um músico, Pitágoras é geralmente creditado como o descobridor da escala diatónica. Tendo primeiramente aprendido a divina teoria da música dos sacerdotes dos vários Mistérios nos quais ele havia sido iniciado, ocupou-se, no decurso de vários anos, das leis que governam a consonância e a dissonância.

(...)

Para Pitágoras a Música era uma das dependências da divina ciência das matemáticas, e as suas harmonias eram incontornavelmente controladas por proporções matemáticas. Os Pitagóricos asseveravam que a matemática demonstrava o método exacto pelo qual o Bem estabeleceu e mantinha o seu universo. Deste modo, os números precediam a harmonia, porquanto era a lei imutável que governava todas as proporções harmónicas.

97

Depois de descobrir estas relações harmónicas, Pitágoras gradualmente foi iniciando os seus discípulos sobre essas matérias – o supremo arcano dos seus Mistérios.

(…)

Uma vez estabelecida a música como ciência exacta, Pitágoras estendeu a sua nova lei dos intervalos harmónicos a todos os fenómenos da Natureza, indo inclusivamente tão longe como a demonstração da relação harmónica entre os planetas, entre as constelações, entre os elementos. Um exemplo notável da moderna corroboração (confirmação) dos ensinamentos filosóficos antigos é o da progressão dos elementos de acordo com relações harmónicas. Enquanto elaborava uma lista dos elementos em função da ordem ascendente dos seus pesos atómicos, John A. Newlands descobriu, a cada oito elementos, uma distinta repetição de propriedades. Na Química moderna, esta descoberta ficou conhecida como a lei das oitavas”98.

Leonardo da Vinci, um dos grandes génios da nossa cultura, foi muito influenciado pelo humanista Lorenço de Médicis. Na sua juventude, a estada em Florença permitiu- lhe o contacto com a Academia (de pendor Platónico).

Arquétipo elevadíssimo do homem do Renascimento, com a sua curiosidade múltipla, distinguiu-se também pelos estudos científicos, pelos inventos, bem como pelo interesse em relação à Geometria e à arte das harmonias e proporções.

Neste âmbito, partilhou interesses e trabalho com Luca Paccioli e ocupou, assim, o seu lugar na grande tradição Pitagórico-Platónica. Tal é atestado por fontes insuspeitas. Por exemplo, do livro Vida e Obra de Leonardo da Vinci, de Martin Kemp99, reproduzimos as seguintes passagens: “A permissa superabrangente mediante a qual Leonardo actuava é a de que todas as diversidades aparentes da natureza constituem sintomas de uma unidade interna, unidade essa que depende de qualquer coisa como uma ‘teoria de campo unificadora’, que tenta explicar o funcionamento de tudo quanto existe no mundo passível de ser observado. Para Leonardo, esta teoria unificadora assentava na acção proporcional (geométrica) de todas as forças do mundo, explicando a concepção de tudo. Isto explica a razão pela qual terá escrito o seguinte, a propósito dos seus desenhos de anatomia: ‘Não permitam que ninguém que não seja matemática leia os meus princípios’ (na verdade, estava a parafrasear Platão)”; “Tal como Leonardo

98

The Secret Teaching of All Ages, Philosophical Research Society, Los Angeles, 1928; pp. 250-2.

99

referiu, a concepção proporcional do corpo humano era análoga à harmónica da música, assente nas proporções cósmicas descritas pelo matemático grego Pitágoras.”; “Leonardo passou a estar directamente envolvido com a divertida matemática e com as belezas formais dos corpos regulares e semi-regulares quando colaborou com o matemático Luca Paccioli (...) “[Leonardo] tinha dito especificamente que ‘os Antigos classificavam o homem como um mundo menor’ (...). O conceito básico era de que o ser humano era um microcosmo, espelhando-se no seu conjunto e em partes do macrocosmo, ou mundo maior. Não se tratava tanto do facto de os mundos menores e maiores parecerem literalmente iguais, mas de os princípios que presidiam à sua organização – da adequação da forma à função no contexto do fluxo universal – serem partilhados ao nível mais profundo. As normas mantinham a sua validade, independentemente da dimensão do fenómeno” (isto corresponde claramente ao Princípio da Analogia do Hermetismo).

O referido Luca Paccioli viveu entre c. 1445 e 1517. Mais além de qualquer dúvida, a sua tónica na Matemática, na Geometria, nas proporções e na harmonia é manifestamente Pitagórico-Platónica. Retomou, aliás, as concepções presentes no Livro de Ábaco, Leonardo Pisano (1175-1250), também conhecido como Fibonacci,

Entre as obras de temas pagãos de Sandro Boticelli (c. 1445-1510), a mais notável é O Nascimento de Vénus. É uma Vénus carregada de simbolismo, pois, no ambiente Neoplatónico dos Médicis, ao qual Botticelli pertence, Vénus representa o humanismo, O seu famoso quadro A Primavera, segundo assinalam vários estudiosos, está cheio de elementos Pitagóricos. De resto, a arte de Botticelli foi, também ela, influenciada por Marsílio Ficino; e o grande pintor, em Florença, trabalhou principalmente para a família Médici e participou do círculo Neoplatónico impulsionado por Lourenço, o Magnífico100.

Cabe também uma alusão a Miguel Ângelo (1475-1564). Passou a sua juventude em Florença, onde se envolveu no ambiente artístico-cultural da cidade, que, repetimos, fervilhava de Neoplatonismo.

Dizia ele: “Nascida dos céus, a alma deve lançar-se pelos caminhos dos céus; mais além, do mundo visível, ela atira-se à procura da Forma Ideal [expressão tipicamente Platónica], do tipo universal. Asseguro-vos que o homem sábio não pode encontrar

100

Recomendamos a leitura de “Botticelli's Mythologies: A Study in the Neo-Platonic Symbolism of his Circle”, de E. H. Gombrich, Journal of the Warburg and Courtauld Institutes, 8, 1945.

repouso naquilo que é perecível, e não entregará o seu coração a qualquer coisa que dependa do tempo”. Na sua obra Studies in Iconology, Erwin Panofsky afirma expressamente: “Miguel Ângelo adoptou o Neoplatonismo não em certos aspectos mas na sua inteireza”101

.

Albrecht Dürer, Foi influenciado pelas noções Pitagóricas da “divina proporção” e, nomedamente, por Paccioli. Nas tábuas da obra Os Quatro Santos incluiu diversos elementos alquímicos.

Escreveu, por exemplo: “Uma vez que a Geometria é o verdadeiro fundamento de toda a Pintura... decidi ensinar os seus rudimentos e princípios a todos os iniciados na arte...”.

Sobre Francesco Petrarca (1304-74), de certa forma um dos pais do Humanismo, escreve António Prieto: “Aliando-se com o Neoplatonismo, a ‘humanitas’ de Petrarca reaparece, por exemplo, em Marsílio Ficino, com uma projecção que toca, pictoricamente, a criação da Primavera de Botticelli”102.

Luís de Camões é outro caso a mencionar. As Redondilhas de Babel e Sião que glosam o tema do Salmo 136 (ou 137, na contagem protestante) e simbolicamente contrastam Sião – como pátria celeste – e Babilónia – o mundo terrestre de exílio encarnativo –, estão repletas de conceitos Platónicos: “Mas ó tu, terra de Glória, / Se eu nunca vi tua essência, / Como me lembras na ausência? / Não me lembras na memória, / senão na reminiscência”; “E aquela humana figura, / Que cá me pode alterar, / Não é quem se há- de buscar: / É raio da Fermosura / Que só se deve de amar”; “E faz que este natural / Amor, que tanto se preza, / Suba da sombra ao real, / Da particular beleza / Pera a

No documento Ata Hermetismo, Pitagorismo e Platonismo (páginas 57-79)

Documentos relacionados