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A descoberta da hidantoína, também conhecida como imidazolidinona, foi descrita em 1861 por Baeyer.63 Desde então, sua estrutura (Figura 1.16) tem sido

estudada intensivamente quanto aos seus aspectos químicos e os seus potenciais biológicos. 64

FIGURA 1.16: Estrutura geral das hidantoínas.

Hidantoínas naturais são normalmente encontradas em espécies marinhas, como por exemplo, a (Z)-5-(4-hidroxibenzilidina)-hidantoína 65 isolada da

esponja Hemimycale arábica, e a classe das Parazoantinas A-E, extraídas da esponja Axinella damicornis66 (Figura 1.17).

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FIGURA 1.17: Hidantoínas naturais derivadas de espécies marinhas.

O sistema anelar hidantoínico é relacionado a uma gama de atividades biologicas, dentre as quais se destacam a anticonvulsivante, fungicida, herbicida, anti- inflamatória, anti-HIV, analgésica, antiarrítmica, anti-hipertensiva, antidiabetes, além da relação com doenças neurodegenerativas como o Alzheimer.22,25 Cabe ressaltar a

importância do núcleo hidantoína na indústria farmacêutica, visto a diversidade de medicamentos que contêm esse heterociclo em suas estruturas. Como exemplo, destacam-se os anticonvulsivos fenitoína (Dilantim® USA) e Cerebyx® e o antibiótico

Macrodantina® (Figura 1.18).64

FIGURA 1.18: Exemplos de fármacos derivados de hidantoínas.

Do ponto de vista estrutural, as hidantoínas são consideradas ácidos fracos, sendo a desprotonação do hidrogênio da posição 3 mais favorável que a retirada do hidrogênio do N1 (pka N3 = 9,0).64 Kleipeter et al. demonstraram a acidez

dos dois hidrogênios de hidantoínas 5,5-dissubstituidas através de experimentos com solventes deuterados. A partir dos experimentos realizados em água, os autores observaram que os dois hidrogênios ligados aos nitrogênios sofrem troca com o solvente instantaneamente. Entretanto, os espectros de RMN 1H em DMSO-d6

demonstraram que o hidrogênio ligado à imida sofre troca total, enquanto o ligado ao N1 (amida) permanece com aproximadamente 35% de intensidade, sugerindo maior acidez do hidrogênio N3.67 Isso é explicado pela maior estabilidade da base conjugada

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negativa entre as duas carbonilas. A estabilidade das formas tautoméricas das hidantoínas está diretamente relacionada à reatividade do anel hidantoínico. As reações de N-alquilação em solventes próticos ou apróticos, por exemplo, ocorrem naturalmente na posição 3 do anel de 5 membros, sendo a obtenção de derivados alquilados na posição N1 realizada apenas através de prévia proteção do nitrogênio da imida, ou do uso de condições de alquilação drásticas em substratos N(3)- substituídos.64

Outra propriedade intrínseca das hidantoínas e seus derivados é sua existência em diferentes formas tautoméricas, sendo algumas das formas sugeridas resultantes do tautomerismo amido-imido e o ceto-enólico.63 Embora haja a

possibilidade de interconversão desses tautômeros, Ösz et al. demostraram, através de experimentos de RMN de hidantoínas N1- e C5-substituídas, que tais compostos são caracterizados pela forma tautomérica bis-lactâmica a, mais estável (Figura 1.19).68a Estudos teóricos sobre a estabilidade das hidantoínas em fase gasosa e em

solventes como THF, metanol, DMSO e água também apontam para a estrutura a como sendo a mais estável, tanto em fase gasosa como em solução, devido à alta barreira energética relacionada à tautomerização prototrópica intramolecular. Neste estudo, dentre os tautômeros oxo-hidroxil (b-e) a estrutura b apresentou-se como a mais estável uma vez que a carboxila encontra-se entre N1 e N3, que doam densidade eletrônica para a ligação, deixando-a mais básica e consequentemente mais sucespitível à captura do próton de N1. Com relação aos isômeros dienois (f-h), a estrutura h, derivada da migração dos hidrogênios de N1 e N3, sendo a mais estável.68b

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Do ponto de vista sintético, várias metodologias são descritas para obtenção das hidantoínas e seus derivados. Dentre elas, a reação entre compostos carbonílicos, cianeto de potássio e carbonato de amônio, em meio hidro-alcoólico, conhecida como reação de Bucherer-Bergs, é a mais utilizada para obtenção dos compostos 5- e 5,5-dissubstituidos (Esquema 1.11).69

ESQUEMA 1.11: Reação de Bucherer-Bergs para a síntese de hidantoínas 5- e 5,5- dissubstituidas.

Para a obtenção das hidantoínas N-substituídas, outras abordagens são descritas. Como exemplo, Olimpieri et al. descreveram a síntese de hidantoínas 1,3,5- e 1,3,5,5-substituídas a partir da reação entre carbodiimidas e ácidos carboxílicos contendo um halogênio na posição α.70 Os autores demonstraram a versatilidade do

método com o emprego de carbodiimidas simétricas e assimétricas e ácidos carboxílicos de diferentes reatividades, que resultaram na síntese regiosseletiva das hidantoínas de interesse. Além disso, a metodologia foi estendida para uma versão multicomponente, pela formação da carbodiimida in situ através da reação de azidas e iso(tio)cianatos, proporcionando maior diversidade estrutural dos heterociclos de interesse (Esquema 1.12).

ESQUEMA 1.12: Reação multicomponente a partir de azidas, isocianatos e α-halo ácidos carboxílicos para a síntese de hidantoínas polissubstituídas.

Outra metodologia para obtenção das hidantoínas N-substituídas foi descrita por Zhao et al., através da reação entre acrilatos de metila e diaziridinonas catalisadas por Cu (Esquema 1.13).71

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ESQUEMA 1.13: Síntese de hidantoínas 1,3,5-substituídas mediada por Cu. Geralmente as metodologias empregadas para a síntese das hidantoínas enantiomericamente enriquecidas são baseadas em reações com derivados de aminoácidos e peptídeos. Várias metodologias são descritas em fase sólida72 ou em solução73 para obtenção dos produtos enantiopuros. Neste contexto,

Konnert et al. reportaram a síntese de hidantoínas 5- e 5,5-dissubstituídas através da reação de vários amino-ésteres e isocianato de potássio em água, utilizando um reator de moinho de bolas como fonte de energia (Esquema 1.14).74

ESQUEMA 1.14: Síntese de hidantoínas 5-substituidas a partir da reação de amino- ésteres e isocianato de potássio utilizando moinho de bolas como fonte de energia. Nos últimos anos, a síntese de derivados bicíclicos de hidantoínas tem se destacado, visto à atenção voltada para esses compostos na descoberta de novos fármacos e às diversas atividades biológicas que os compostos com anel hidantoínico apresentam.75 Neste sentido, Pavlovic et al. descreveram a síntese de hidantoínas

bicíclicas, a partir da obtenção das hidantoínas precursoras pela reação de Bucherer- Bergs, seguida de reação ciclização intramolecular mediada por selênio (Esquema 1.15).76

ESQUEMA 1.15: Síntese de hidantoínas biciclicas através de ciclização intramolecular mediada por selênio.

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Neste contexto, os derivados reduzidos de hidantoínas, que apresentam um anel aziridina fundido ao ciclo planar da hidantoína e uma ligação de amida reduzida, são blocos construtores bastante interessantes, uma vez que através de funcionalizações posteriores diferentes classes de anéis heterocíclicos fundidos podem ser obtidos. Yudin et al. descreveram a síntese das hidantoínas reduzidas através de uma reação entre dímeros de amino aldeídos e isocianatos.77 No trabalho,

os autores exploraram o uso das duas espécies ambifílicas, favorecendo a formação de múltiplas ligações quimiosseletivas em uma única etapa (Esquema 1.16).

Esquema 1.16: Reação entre amino aldeídos e isocianatos para síntese de hidantoínas reduzidas.