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2 A FORMAÇÃO DO LITISCONSÓRCIO

2.5 Hipóteses de restrição da ampliação subjetiva do processo

Do exposto até aqui, possível afirmar que o litisconsórcio se trata de uma técnica processual a qual busca garantir a harmonia dos julgados entre sujeitos ligados por um mesmo fato jurídico e a economia processual através da concentração de atos em um só processo. Entretanto, a busca por tais objetivo não significa que o litisconsórcio seja uma técnica que apenas venha a contribuir positivamente para o processo. Ao contrário, a sua formação sempre estará atrelada a um inconveniente inerente desta ampliação. Com ingresso de mais sujeitos ao processo, a solução do litígio demandará invariavelmente um maior esforço e complexidade por parte da atividade jurisdicional.

Nesse sentido é a lição de Elie Eid88, para o qual a formação do litisconsórcio por si só já é fato capaz de gerar maior complexidade e dificuldade à rápida solução da lide. Utilizando-se de uma analogia entre o deslocamento de

87 SANTOS, Silvio Silas. Litisconsórcio eventual, alternativo e sucessivo no processo civil brasileiro. Dissertação (mestrado em direito processual). Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, 2012. p. 60

88 EID, Elie Pierre. Litisconsórcio unitário [livro eletrônico]: fundamentos, estrutura e regime. 1.

ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. Não paginado. Capítulo 1.4. Escopos que governam a cumulação subjetiva.

um automóvel e a tramitação do processo, o autor lembra que “o veículo que possui vários passageiros tende a andar mais lentamente, a consumir mais combustível e, portanto, a chegar ao seu destino em um espaço de tempo maior”.

A analogia é pertinente. Considerando que para cada litigante deverá haver espaço para o seu contraditório, ponderar suas situações autônomas, documentos a compulsar, prova oral a recolher89, não é difícil perceber que quanto maior o número de litigantes, maior será a complexidade para a solução do litígio.

Nesse cenário, possível identificar até mesmo certa contradição dentro da formação do litisconsórcio: a técnica que tem como um dos seus principais objetivos a economia processual, também ensejará óbices à regular tramitação da demanda, dificultando, assim, a rápida solução da lide. Ou seja, ainda que seja o fundamento da sua existência, o litisconsórcio gerará consequências que afetam justamente uma das facetas do princípio da economia processual.

Por isso, Ovídio Baptista da Silva90 afirma categoricamente que, “em geral, imagina-se que o princípio da economia processual seja uma arma contra a morosidade processual, quando, na verdade, ele contribui para que os processos se tornem ainda mais lentos”. Para Ovídio, “quem pretende fazer economia é o Estado, obrigando a que as partes controvertam logo, num único processo, tanto a causa principal quanto aquelas que lhe estariam ligadas por algum vínculo de conexão ou dependência”.

De fato, muito congruente são as críticas do autor. Apenas se ressalva que, em alguns casos, a formação de um litisconsórcio pode também contribuir para a resolução da lide de modo mais célere. Basta imaginar a situação de demanda que exige complexa produção de prova pericial ou mesmo no caso do chamamento ao processo, objeto de estudo deste trabalho, onde a economia processual se estende para além da demanda originária, ao evitar o ajuizamento de uma nova ação regressiva. Mas de fato, disto para afirmar que o litisconsórcio sempre gerará uma economia de tempo para efetivação da tutela jurídica é um longo caminho, o qual não se pode concordar. Assiste razão à Ovídio em

89 DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio. 6ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001. p.

344.

90 SILVA, Ovídio Baptista da. Processo e Ideologia. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 162-163.

observar que quem será sempre beneficiado pela economia processual será o próprio Estado.

Além disso, outro inconveniente que se aponta em relação ao litisconsórcio é quando a sua formação é imposta por forças alheias ao desejo do autor da ação, tal como ocorre nos casos de litisconsórcio necessário e chamamento ao processo91. Em tal contexto, ainda que a formação do litisconsórcio se justifique pela sua necessariedade ou pelo benefício maior gerado ao processo, é passivo o entendimento doutrinário de que há inequívoca restrição ao poder de agir em juízo do autor92.

Frente a tais empecilhos, Cândido Dinamarco93 aponta para a tendência política moderna do processo civil em elaborar técnicas processuais capazes de reduzir ou restringir as hipóteses de ampliação subjetiva do processo. Conforme o autor, essa tendência se baseia no alargamento da garantia constitucional da ação, buscando através de dispositivos da lei ampliar a legitimidade ad causam do indivíduo. Desta forma, tem-se a redução de hipóteses que obrigam a formação do litisconsórcio.

Nesse sentido, exemplos dados pelo próprio Dinamarco94 seriam os da legitimidade ativa conferida pelo Código Civil ao condômino para reivindicar o bem comum (art. 623, II) e do regime da solidariedade da dívida, tanto para demandar quanto ser demandado individualmente (art. 892 e 904). Em outras situações, a legitimidade individual advém não diretamente de permissivo legal expresso, mas através de técnica prévia que qualifica a representação daquele não está em juízo. É o caso, por exemplo, da outorga conjugal, a qual permite que apenas um dos cônjuges proponha ação que verse sobre direito imobiliário (art. 73, caput, do CPC).

Além disso, há também a técnica da extensão subjetiva da coisa julgada.

Relembra Dinamarco95 que há casos em que são dois ou vários sujeitos, ligados

91 Especificamente quanto ao chamamento ao processo, as razões pelas quais se justificam a formação do litisconsórcio mesmo diante de tal restrição serão abordadas no item 3.3.

92 DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio. 6ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001. p.

210.

93 DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio. 6ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001. p.

64.

94 DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio. 6ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001. p.

64.

95 DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio. 6ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001. p.

217-218.

por uma relação jurídica-substancial indivisível, que podem propor ações individualmente e, sendo o julgamento favorável, seus efeitos se estendem aos demais legitimados. Exemplificando, o autor menciona a ação de anulação de deliberação de assembleia societária, onde a procedência do pedido acarreta a perda do interesse de agir dos demais legitimados.

Por fim, pode-se destacar ainda a técnica processual de concessão de legitimidade extraordinária a determinados agentes, visando especialmente a tutela de direitos coletivos e difusos96. É o que ocorre, por exemplo, no caso das Ações Coletivas (art. 82 da Lei 8.078/90). Ao conferir legitimidade extraordinária para que determinadas entidades atuem em juízo em nome de uma coletividade, o legislador permite que se tutele o direito de múltiplos indivíduos sem que seja necessário a formação de um litisconsórcio ativo. Ademais, no que tange a técnica das ações coletivas, relembra Dinamarco sobre a tendência do direito moderno em ampliar a tutela jurisdicional, englobando também os interesses difusos e coletivos, “tudo em vista a diminuir os resíduos de direito substancial abandonados sem o instrumento do processo destinado à sua atuação (a universalização da tutela jurisdicional)”97.

Logo, possível aferir que o próprio ordenamento jurídico possui técnicas para restringir as hipóteses de formação do litisconsórcio, seja pela ampliação de legitimidade ad causam para propositura de ações, seja por permitir que os efeitos da coisa julgada também beneficiem terceiros que não participaram da tramitação do processo. Tais técnicas são elaboradas porque, ainda que a formação do litisconsórcio se fundamente nos sólidos propósitos da harmonia dos julgados e economia processual, é inerente a sua estrutura o ônus de tornar a tramitação do processo mais complexa e, com isso, muitas vezes retardar a rápida resolução do litígio. Assim, ao tornar desnecessária a formação do litisconsórcio, restringe o legislador as hipóteses de ampliação subjetiva da demanda, preservando também eventuais restrições à garantia constitucional do direito de ação.

96 DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio. 6ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001. p.

218-220.

97 DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio. 6ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001. p.

64.