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A recente situação epidemiológica da coqueluche levou a comunidade acadêmica internacional a discutir as possíveis causas para esta reemergência e a melhor conduta preventiva a ser adotada. Em 2001, foi criada a Iniciativa Global de

21 Coqueluche (Global Pertussis Iniciative – GPI) para analisar a situação da doença em nível mundial e recomendar estratégias de controle. Dentre essas estratégias estão incluídas: indicar e avaliar as estratégias de imunização, avaliar os sistemas nacionais de vigilância, desenvolver metodologias de vigilância ideal, melhorias nos métodos diagnósticos da doença e padronização do tratamento (50).

Não há ainda um consenso estabelecido sobre quais os principais fatores que estariam levando à reemergência da doença nas últimas duas décadas, e têm sido consideradas diferentes hipóteses: melhora no diagnóstico da doença, na vigilância e notificação de casos, perda da imunidade ao longo do tempo após a vacinação, menor efetividade das vacinas acelulares e alterações genéticas na B. pertussis (6, 7, 51).

O recente aumento da incidência da coqueluche pode estar relacionado à melhora no seu diagnóstico (4, 6, 24, 28). A reação em cadeia de polimerase (PCR) foi introduzida na última década como método diagnóstico (5). Esse método tem especificidade próxima da cultura, porém a sua sensibilidade é maior. Além disso, o reconhecimento da doença enquanto problema de saúde pública faz com que os profissionais de saúde passem a pensar na doença, aumentando a chance de diagnóstico. Melhorias dos sistemas de vigilância epidemiológica e dos sistemas de informação aumentam a capacidade de detecção de casos (52).

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) publicados em 2014, entre 19 países com altas coberturas vacinais contra a coqueluche (vacinas de células inteiras ou acelulares) e dados de vigilância considerados de qualidade adequada (Alemanha, Austrália, Brasil, Canadá, Chile, Cuba, Dinamarca, Finlândia, França, Israel, Japão, México, Noruega, Portugal, Singapura, Suécia, Tailândia,

22 Reino Unido e EUA), cinco registraram reemergência da coqueluche. Entre estes cinco países, quatro usavam exclusivamente vacinas acelulares. O aumento do número de casos de coqueluche no único país que utilizava vacina de células inteiras foi considerado reflexo de mudanças no sistema de vigilância e no diagnóstico laboratorial, além de baixa cobertura vacinal (20). Embora as razões para a reemergência da doença sejam complexas, podendo variar de um país para outro, o Grupo Consultor Estratégico de Especialistas da OMS (Strategic Advisory Group of

Experts, SAGE) concluiu que a menor duração da proteção e o provável impacto

reduzido na proteção contra a infecção e a transmissão da B. pertussis conferida pelas vacinas acelulares desempenham papel crítico (20).

Considera-se que a perda da imunidade induzida pela vacina e a diminuição do reforço da imunidade pela exposição natural à B. pertussis devido à redução da circulação da bactéria tornaram as pessoas mais vulneráveis à doença nas últimas décadas (6, 16, 24). Por isso, a doença não foi completamente eliminada mesmo em países com altas coberturas vacinais. Além disso, alguns países que apresentavam alta cobertura vacinal registraram diminuição da mesma (6).

Estudo realizado em dois estados norte-americanos mostrou aumento na incidência de coqueluche entre adolescentes seis anos ou mais após a quinta dose de DTPa, sugerindo queda da imunidade conferida pela vacina (53). O mesmo foi observado durante surto de coqueluche na Califórnia, Estados Unidos, em 2010, quando crianças e pré-adolescentes previamente vacinados com cinco doses de DTPa tiveram coqueluche (54). Quanto maior o tempo desde a quinta dose de DTPa maior foi o risco de adquirir coqueluche, o que é consistente com a diminuição da efetividade da vacina com o tempo (55). O risco de adoecer aumentou 42% a cada

23 ano após a quinta dose de DTPa (56). A taxa de ataque da doença foi maior na faixa etária de 8 a 11 anos de idade, que recebeu exclusivamente vacinas acelulares, correspondendo à queda da proteção após o reforço vacinal pré-escolar (54, 56). A incidência da coqueluche foi menor entre adolescentes de 12 a 15 anos de idade, que ainda receberam pelo menos uma dose de vacina de células inteiras (DTP) durante a infância (56).

Outra possível explicação para o aumento na incidência da doença seriam alterações genéticas em cepas circulantes da B. pertussis, com mudanças antigênicas, que poderiam estar relacionadas a falhas vacinais (39). Um estudo holandês que acompanhou a população de B. pertussis entre 1949 e 2010 mostrou pequenas mutações nas subunidades da toxina pertussis e de antígenos de superfície da B.

pertussis: pertactina e fimbrias tipos 3, que sugerem uma adaptação do patógeno ao

nicho atual na vigência de vacinação (57). Outro estudo sugeriu que o ressurgimento da coqueluche estaria associado a um aumento de cepas com um novo alelo promotor para a toxina pertussis – ptxP3, no lugar da cepa ptxP1, que além de mais virulentas e promover uma supressão imunológica, com a sua expansão, vem carregando mutações (58).

A situação observada no Brasil a partir de 2011, assim como em outros países da América Latina (Argentina, Chile e Colômbia) foi de reemergência da coqueluche com uso universal da vacina de células inteiras (DTP) (25). Existem várias hipóteses para justificar essa reemergência.

O que ocorreu no Brasil pode ser reflexo da melhoria da assistência, com mais acesso a serviço, melhor conhecimento dos profissionais de saúde sobre a

24 doença e acesso a novas tecnologias diagnósticas. O PCR foi introduzido no estado de São Paulo em 2009, o que pode ter aumentado o diagnóstico da doença desde então (9).

O aumento da incidência também pode ser resultado da ciclicidade da doença, que passa por transformações desde a consolidação da vacinação de rotina no Brasil, com coberturas elevadas a partir dos anos 90 (48). A queda de imunidade das coortes vacinadas na infância pode estar alimentando a população com novos adolescentes e adultos suscetíveis, o que está mudando a dinâmica da doença.

Outro possível motivo da reemergência da coqueluche no Brasil poderia ser a dificuldade em manter adequada e uniforme cobertura vacinal, com áreas com baixas coberturas vacinais e suscetíveis à ocorrência de surtos (48).

Em 2005, novas vacinas de coqueluche para serem aplicadas em pessoas >7 anos de idade passaram a ser comercializadas no mundo, o que permitiu a introdução de novas estratégias para o controle da doença, como vacinação de adolescentes e adultos, gestantes e profissionais de saúde.

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