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Sobre a aproximação com o Hipercentro de Belo Horizonte, busquei, desde o início, evitar uma análise externa à teoria arquitetônica e urbana, opção que certamente reduziu as possibilidades de compreensão do espaço e, em alguns momentos, pode ter levado à precipitação de parte das conexões e conclusões apresentadas. Por outro lado, o contato com a literatura para formulação do histórico apresenta parte da teoria social, econômica e política, que, ainda que trabalhada através de fonte secundária, foi considerada suficiente para suprir parte dessa lacuna.

Possibilitou esse enfoque, também, a opção de lidar com o Hipercentro não como objeto a ser estudado, mas como campo de discussão para a aplicação e adequação de hipóteses conceituais elaboradas a partir do contato com a teoria urbana e arquitetônica. Ainda assim, julgo importante desenvolver alguns aspectos observados ao longo da pesquisa que revelaram além da elucidação das hipóteses, informações relevantes para a compreensão da região e seu planejamento, sobretudo no atual processo de requalificação e críticas que motivou.

Sobre a evolução da área de estudo, o histórico formulado demonstrou que a idealização de modelos urbanos pode ser considerada um dos mecanismos utilizados por urbanistas e

arquitetos para dominar a complexidade dos fenômenos e configurações urbanas da região, erguendo estruturas em muitos casos indiferentes ao processo de ocupação, necessidades funcionais e apropriação dos espaços. Nessas estruturas, a figura da utopia, tal como identificada nos primórdios da ciência urbana, se relacionou com a transposição fragmentada e descontextualizada de paradigmas espaciais acompanhados ou não da teoria que os originou.

O histórico do Hipercentro a partir da abordagem construída entre arquitetura e urbanismo revelou também uma tendência à utilização de reduzido vocabulário formal, na maioria dos casos reprodutor da forma do lote urbano, alinhamento das edificações e, sobretudo, utilização de coeficientes máximos permitidos pela legislação de cada período. Esse comportamento é acompanhado ainda da conversão das poucas inovações, sobretudos no que se refere a propostas abertas ou de galeria, na solução tradicional. Duas exceções devem ser mencionadas: a solução do conjunto JK e o edifício Sulacap-Sudameris. Na primeira a adoção de coeficiente inferior ao permitido protegeu a volumetria adotada do adensamento do entorno enquanto que a abrangência do pilotis inviabiliza seu fechamento. Na segunda, a construção do anexo empobrece a proposta original, restando a esperança de reversão da situação.

Sobre o diálogo com o entorno foi percebido que intervenções indiferentes – transposição literal de modelos espaciais “estrangeiros” – possuem considerável redução na capacidade de modificar o meio urbano em que são inseridas, uma vez que tem seus valores mais facilmente desviados ao longo da ocupação, e mais evidenciada a distância entre estes, idealizados para outro contexto, e o local de inserção. Já o diálogo contextualista com o entorno – adotado com maior intensidade no projeto original e a partir da década de 80 – demonstrou ser capaz de cumprir seu objetivo primeiro, ou seja, preservar características consideradas como fundamentais para a identidade do local. A principal crítica do trabalho ao contextualismo seria a transferência do caráter propositor da arquitetura para o urbanismo ou para outros edifícios, limitação que raras vezes gerou uma boa relação entre as disciplinas. A terceira forma, ou o diálogo interventor em relação ao entorno, foi a que maior influência exerceu nas alterações urbanas do Hipercentro de Belo Horizonte, mas também o que causou maiores impactos ou sofreu maiores desvios nas propostas de intervenção.

O motivo desses desvios poderia ser explicado pela observação de que os três níveis de diálogo, além de se referir ao entorno, também se referem ao contexto, ou seja ao modelo urbano que no momento de idealização da proposta era hegemônico. Essa segunda instancia crítica do diálogo, quando combinada com a anterior oferece maiores informações

para as interfaces apresentadas no próximo item. Dessa forma, no Hipercentro, quando temos um diálogo indiferente ao contexto, ou seja, uma proposta que não dialoga com o modelo em curso, temos duas situações: ou a intervenção não propõe modelo algum para a cidade, ou propõe um modelo sem relação com o anterior. Nos dois casos tivemos quase sempre a anulação da capacidade de modificação urbana da arquitetura ou conversão de seus valores iniciais em outros, sendo o anexo ao Ed. Sulacap um exemplo do primeiro caso e o Conjunto JK do segundo.

Por outro lado, o diálogo contextualista com o contexto demonstrou ser uma forma eficaz de fortalecer modelos urbanos implantados o que, em alguns casos, pode ser um importante instrumento de planejamento da cidade. Já o diálogo interventor, ou seja, o que propõe a conversão do modelo em outro, foi novamente o que demonstrou maior capacidade de atuação no tecido urbano. No Hipercentro, essa forma de diálogo inclui as propostas que se apropriaram de elementos do modelo urbano hegemônico para delinear uma nova configuração da cidade, sendo o Ed. Sulacap-Sudameris e o edifício da antiga feira de amostras os principais exemplos. No entanto, é prudente evitar a conclusão de que a escola art-decó e os edifícios da década de 40 e 50 representem o momento de maior aproximação entre as disciplinas, argumento que poderia ser desenvolvido em futuras pesquisas. O que trabalho conclui nesse aspecto é que a arquitetura e o urbanismo do Hipercentro, devido à convergência de diversas situações, tiveram no art decó seu momento de maior aproximação.

Finalmente, finalizando as considerações sobre a transposição de modelos na evolução do Hipercentro, temos os valores associados à intervenção, com predomínio da monumentalidade nas propostas. Esse predomínio pode ser explicado por abordagens externas às intervenções – que incluem desde o papel referencial dos centros urbanos até o destaque que a questão recebeu no período de idealização do projeto original – ou pelos modelos de arquitetura e urbanismo adotados ao longo da evolução a região, explicação mais próxima à pesquisa realizada. A opção considera que, embora o contexto econômico, social e político tenha tido papel importante na configuração urbana, a intensidade dessa influência pode variar em função de cada período. Nesse aspecto, o predomínio de valores monumentais associados às intervenções parece combinar a presença da utopia com a importação de cultura estrangeira, aspecto destacado no início do segundo capítulo, através da adoção de soluções funcionalmente e socialmente inadequadas ao nosso contexto. A situação gera, através da fragilidade desses valores, uma predisposição à adaptação dos valores aos mais diversos interesses, aspecto que, conforme demonstra Choay (2001), ocorre de maneira mais intensa no campo dos valores de monumentalidade. Acredito que nas recentes intervenções realizadas na região o peso dessa situação ultrapassa o papel do

contexto na configuração do espaço urbano, motivo pelo qual, o conflito de modelos poderia ser tomado como enfoque para problematizar e abrir novos campos de discussão.

Nessas intervenções, sobre a relação da arquitetura com o urbanismo, após um passado de grande influência na configuração espacial, o edifício perde força enquanto a capacidade de modificar a cidade se concentra em intervenções pontuais no tecido urbano. A primeira razão para tal é o pouco espaço físico para novas edificações, com grande parte do tecido urbano já ocupado por arranha-céus, cuja viabilidade econômica da demolição ainda não é realidade, embora o número de edifícios abandonados seja expressivo. A segunda razão, o pouco espaço para diálogo, fruto da combinação de legislação com herança ordenadora e mercado imobiliário especulativo, sendo os edifícios da última década na região uma tipologia baseada em gabarito e utilização máxima do terreno. A terceira, a padronização de um tipo de comportamento para as edificações que fogem à regra dos dois primeiros casos, mas optam por um tipo de diálogo essencialmente contextualista, que omite a função propositora da arquitetura e fortalece modelos já consolidados, conforme já discutido.

Por outro lado, o acréscimo na atuação das intervenções pontuais, sobretudo aquelas ligadas ao desenho urbano, bem como a adaptação e restauração de edificações notáveis, demonstrou grande capacidade de conversão da cidade em determinado modelo idealizado. Essa capacidade advém de um aspecto já destacado anteriormente, a transposição de um modelo urbano que combina o diálogo interventor com a conversão de elementos pertencentes a modelos anteriores em elementos mais próximos ao modelo idealizado. No caso, há uma bem sucedida manipulação de valores onde o principal aspecto a ser destacado são os valores de monumentalidade das propostas, característica fundamental das novas intervenções.

No entanto, essa manipulação abriga a seguinte contradição: a intenção de combinar a conversão de símbolos do passado em diferencial para competição entre cidades, por um lado, com a adoção de vocabulário formal comum a essas mesmas cidades, por outro. A estratégia utilizada para lidar com essa contradição é a idealização de um passado e sua conversão em modelo de espaço urbano essencialmente monumental, sobre o qual são atribuídos diversos valores de funcionalidade (atração de capital, fomento ao turismo, aquecimento do comércio, aproveitamento de infra-estrutura e edificações) e socioespacialidade (privilégio ao pedestre, espaço ao ambulante, amplos locais públicos, segurança e conforto). A maior parte dos desvios e recentes críticas a esse tipo de postura é a conversão de intenções sociais ou mesmo funcionais em cenografia ou simulações, incapazes de modificar a realidade ou propor novas configurações espaciais.

Como alternativa a esse modelo, atualmente hegemônico no Hipercentro, temos a tentativa de viabilização de intervenções que privilegiam valores de socioespacialidade, na tentativa de reverter a reprodução de geometria de poder no espaço urbano. A principal linha de atuação são as tentativas de implementar políticas de habitação social e promoção da diversidade social na região. Uma primeira vulnerabilidade do modelo seria a concentração da intervenção em edifícios, quase sempre ignorando o papel das intervenções no tecido urbano, principal arena de conflito nas recentes intenções de modificar cidade e ponto forte de afirmação do modelo anterior, como já mencionado. O segundo ponto vulnerável seria a ausência de valores de monumentalidade nas propostas, o que pode levar a desvios no modelo idealizado, sobretudo nos valores associados ao vocabulário espacial utilizado. Sobre os desdobramentos desse conflito, o pouco tempo de implementação das propostas não permite ainda uma avaliação além da identificação dos riscos e possibilidades de intervenção, sendo necessário maior distanciamento histórico para tal.

No entanto, o que o conflito demonstra são tentativas de superação da hegemonia de valores funcionalistas e diálogo indiferente ao entorno que marcou o modelo anterior de intervenção no Hipercentro, e ainda possui grande capacidade de atuação, sobretudo diante dos problemas de tráfego e infra-estrutura na região. A principal crítica ao modelo funcionalista seria a simplificação do urbanismo ao conjunto de respostas aos problemas urbanos, formulados a partir de diagnóstico supostamente científico, aspecto que aproxima a disciplina da gestão de problemas urbanos ao mesmo tempo em que a distancia da figura do planejamento. Do lado da arquitetura, o funcionalismo esteve presente nas tentativas de isolamento funcional do edifício, na falsa busca por neutralidade ideológica, na valorização da escala, da técnica e do pioneirismo como valores em si, na submissão ao mercado imobiliário e na busca de eficiência construtiva esvaziada de ideário social. São essas características do planejamento urbano e da arquitetura que pretendo reverter ou mesmo utilizar como antítese para o caminho de aproximação construído no item seguinte.