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1. Introdução

1.3. Hipocampo e sua interação com o sistema auditivo

A formação hipocampal consiste de quatro regiões corticais: o giro denteado, três subregiões do hipocampo (CA3, CA2 e CA1), complexo subicular (subículo, pré-subículo e para-subículo) e córtex entorrinal (Amaral e Witter, 1989). As subregiões do hipocampo comunicam-se com o giro dentado, com o córtex entorrinal e subículo através de um circuito trisináptico. A principal via de entrada é conduzida por axônios da via perforante, que transmitem informações sensoriais polimodais de neurônios na camada II do córtex entorrinal para o giro dentado. Em seguida, axônios das células granulosas do giro denteado os quais compõem as fibras musgosas, projetam-se para a área CA3 onde fazem sinapses excitatórias com as células piramidais. Por sua vez, os axônios das células piramidais da região CA3 projetam-se para a região CA1 formando as fibras de Schaffer, que se conectam com dendritos dos neurônios piramidais da região CA1 (Vellano et al.; 2011) (Figura 3).

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O hipocampo recebe informações sensoriais indiretamente a partir de áreas de associação nos lobos frontal, temporal e parietal, bem como do córtex para-hipocampal e perirrinal para o córtex entorrinal. A informação sensorial auditiva por sua vez, chega indiretamente ao hipocampo partindo do córtex frontal medial, ínsula e amígdala (Kraus et

al.; 2012). Uma importante consequência da interação hipocampo/sistema auditivo é a

formação de memórias auditivas de longo prazo. Squire e colaboradores em 2001 relacionaram o hipocampo à memória auditiva em pacientes que foram submetidos a lesões bilaterais do hipocampo. Houve nestes pacientes piora no desenvolvimento de testes de reconhecimento auditivo, sugerindo o comprometimento da formação de memórias auditivas

Figura 3. Anatomia básica do hipocampo. O hipocampo é tradicionalmente apresentado

como um circuito trisináptico. Além do circuito trissináptico, existe uma rede associativa densa que interliga as células CA3 no mesmo lado. As células piramidais da CA3 são também inervadas por uma entrada direta das células da camada II do córtex entorrinal (não mostrado), enquanto os dendritos apicais distais dos neurônios piramidais da CA1 recebem uma entrada direta das células da camada III do córtex entorrinal. Há também substancial entrada modulatória para os neurônios do hipocampo. As três principais subregiões têm uma organização laminar elegante, na qual os corpos celulares são fortemente compactados em um arranjo interligado em forma de C, com fibras aferentes terminando em regiões seletivas da árvore dendrítica. (Neves et al.; 2012).

de longo prazo. Outros trabalhos relacionaram o som musical à ativação do hipocampo. Estudos utilizando imagem de ressonância magnética mostraram aumento na atividade do lado direito do hipocampo quando houve recuperação da memória musical e também ativação de áreas como amígdala e hipocampo quando voluntários ouviam músicas tristes (Watanabe

et al.; 2008 e Mitterschiffthaler et al.; 2007). O som musical está relacionado à formação de

memórias e consequentemente à plasticidade sináptica hipocampal. Por exemplo, Meng e colaboradores demonstraram em 2009 que camundongos expostos à música clássica apresentavam melhora no aprendizado espacial e alteração na transmissão sináptica hipocampal. Recentemente foi mostrado que animais espontaneamente hipertensos e com desordens comportamentais apresentaram aumento na expressão de FosB (marcador de plasticidade) no núcleo accumbens e córtex frontal dorsolateral em comparação aos animais controle que também foram expostos ao ruído branco de 75 dB por 5 dias consecutivos (Eckernäs et al., 2018).

Entretanto, a estimulação sonora de alta intensidade como a deprivação audititiva podem ter consequências danosas ao hipocampo. Por exemplo, Kraus e colaboradores (2010) observaram que a exposição a 2 horas de som de alta intensidade (126 dB) inibe a neurogênese hipocampal, o que pode ter consequências deletérias nos processos de memória e aprendizado. Ainda neste sentido, foi mostrado que no hipocampo de ratos submetidos a 100 dB por 12 horas ocorrem alterações na estrutura do DNA, diminuição nos níveis de dopamina e noradrenalina, diminuição na marcação para tirosina hidroxilase e aumento da expressão de GFAP (Wang et al.; 2017). Por outro lado, ratos neonatos que tiveram surdez temporária por perfuração timpânica apresentaram comprometimento de memória, inibição da LTP hipocampal e diminuição nas espinhas dendríticas na CA1 do hipocampo (Zhao et

34 A estimulação sonora traumática também afeta a função hipocampal como demonstrado por Goble e colaboradores ao submeterem ratos a um som de 104 dB por 30 minutos. Neste estudo observaram alteração na atividade de campo local das place cells hipocampais (Goble et al., 2009). Além disso, a estimulação sonora repetitiva de alta intensidade pode desencadear crises convulsivas generalizadas audiogênicas em ratos e camundongos suscetíveis, as quais refletem a hipersincronização e hiperativação de áreas mesencefálicas relacionadas ao processamento auditivo. A repetição destes estímulos sonoros pode levar ao recrutamento de áreas límbicas, como a amígdala e o hipocampo, fenômeno observado por registro eletroencefalográfico e comportamental (Marescaux et al, 1987; Naritoku et al., 1992; Garcia-Cairasco et al, 1996). Nosso grupo mostrou que fatias de hipocampo de ratos Wistar submetidos a um protocolo de estimulação sonora de alta intensidade (120 dB por 1 minuto, 2 vezes ao dia por 10 dias) apresentavam a LTP na via

Schaffer-CA1 fortemente inibida (Cunha et al., 2015). Isso não foi observado em fatias de

hipocampo de ratos que desenvolviam crises epilépticas audiogênicas (Cunha et al., 2015). Interessantemente, os animais com déficit de LTP desempenharam normalmente em um teste de aprendizado e memorização espacial o labirinto aquático de Morris, mostrando que esse déficit não comprometeu a memória e aprendizado espacial básicos.

As diferentes aferências sensoriais que chegam ao hipocampo permitem que esta estrutura do sistema nervoso central seja responsável por processos de memória, aprendizado e navegação espacial. O som é um dos estímulos sensoriais que pode modular o comportamento eletrofisiológico das células piramidais do hipocampo. Neste sentido, nosso grupo mostrou recentemente que neurônios piramidais são responsivos ao som apresentando: menor potencial de repouso de membrana, aumento na resistência de entrada e constante de tempo da membrana e diminuição do limiar do potencial de ação, devido a uma menor expressão da corrente h (mediada pelos canais HCN) nesses neurônios (Cunha et al., 2018).

Além disso, os neurônios piramidais da região CA1 de animais expostos ao som dispararam mais potenciais de ação do que os neurônios de animais não expostos ao som (Cunha et al., 2018). Outro estudo mostrou elegantemente que place cells, que normalmente disparam potenciais de ação em tarefas de memória espacial podem ser ativadas também por um padrão sonoro, mostrando que pode haver um “mapa” hipocampal de padrões sonoros, como existe com a localização espacial (Aronov et al., 2017; Rueckemann e Buffalo., 2017).

Os neurônios hipocampais respondem diretamente ao som? Abe e colaboradores em 2014 já haviam demostrado que neurônios piramidais registrados in vivo no modo wholle cell

patch clamp apresentaram hiperpolarização concomitante a estimulação com tons puros com

110 dB durante 300 ms em intervalos de 6-8 segundos. Além disso, registros in vivo em animais acordados mostraram que a estimulação sonora produz correntes sináptica inibitórias e excitatórias em neurônios piramidais da região CA3 do hipocampo (Wang et al., 2017) demostrando a responsividade direta do hipocampo a estimulação auditiva.

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