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No final do século XIX, o Brasil era um país rural, de baixa densidade populacional, com fortes traços de dependência tecnológica e econômica. A novidade cinematográfica chegou poucos meses após a primeira exibição dos Lumière; em 8 de julho de 1896, apenas sete meses depois da histórica exibição dos filmes dos irmãos Lumière, em Paris, realizou-se, no Rio de Janeiro, a primeira sessão de cinema no país. Para tanto, como país que importava todos os tipos de produtos manufaturados, passou também a importar, praticamente, todos os insumos necessários para o desenvolvimento e manutenção de um mercado de cinema, conforme aponta Gatti (2008).

Um ano depois da primeira exibição no Rio de Janeiro, Paschoal Segreto e José Roberto Cunha Salles inauguraram, na Rua do Ouvidor, uma sala permanente. Em 1898, Afonso Segreto rodou o primeiro filme brasileiro: algumas cenas da Baía de Guanabara, e, a partir daí, seguiram-se pequenos filmes sobre o cotidiano carioca e filmagens de pontos importantes da cidade, como o Largo do Machado e a Igreja da Candelária, no estilo dos documentários franceses do início do século.

Durante dez anos, o cinema brasileiro praticamente inexistiu, devido à precariedade no fornecimento de energia elétrica. No entanto, a partir de 1907, com a inauguração da usina de Ribeirão das Lages, mais de uma dezena de salas de exibição foi aberta no Rio de Janeiro e em São Paulo.

A comercialização de filmes estrangeiros foi seguida por uma promissora produção nacional, sendo que os documentários em curta-metragem abriram caminho para filmes de ficção cada vez mais longos. Os estranguladores (1908), de Antônio Leal, baseado em fato policial, com cerca de 40 minutos de projeção, é considerado o primeiro filme de ficção brasileiro, tendo sido exibido mais de 800 vezes. Aliás, esse filão foi exaustivamente explorado, de modo que outros crimes da época foram reconstituídos, em Noivado de sangue, Um drama

na Tijuca e A mala sinistra.

É conveniente lembrar que a cidade de São Paulo de 1890 contava com cerca de 65 mil habitantes e ainda era muito próxima de seu embrião rural. A “vida urbana” não ia muito longe do Triângulo Central (referido na crônica do início apenas como Triângulo), que era constituído pelos arredores das ruas Direita, São Bento e XV de Novembro. Além disso, o ideal cosmopolita ainda estava se construindo e não havia saído do papel, porém o centro da cidade já

se destacava pelos eventos elitistas e pelas feiras e festas populares, dualidade que começava a ganhar uma nova classe: a classe média, os operários das fábricas (SIMÕES, 1990).

As duas primeiras décadas de 1900 restringiram o cinema à elite, a quem pertencia o hábito de assistir a um filme, um espetáculo de teatro ou dança e, logo em seguida, participar do habitual baile. Esses eventos sociais do meio elitista, regados de discussões políticas, criaram o embrião dos luxuosos cafés que estariam por vir e que agregariam salas de cinema dali a algumas décadas. Entretanto, as feiras populares não ficavam pra trás e espetáculos circenses e parques também tinham suas exibições, embora de menor sucesso, fator que estudiosos entendem pelo fato de o cinema ainda ser uma novidade estranhada pelas massas, acostumadas com poucas diversões eletrônicas (ARAÚJO, 1981; SIMÕES, 1990).

Na década de 1920, a cidade passou a ter o visual que idealizava. As reformas nas ruas, que compreenderam o alargamento das calçadas e a verticalização dos edifícios, refletiram o crescimento vertiginoso da população na virada de século, que chegava a mais de 500 mil habitantes. É também nessa mesma época que se notará a relação entre o crescimento da metrópole e a localização dos cinemas, que deixam de ser itinerantes e passam a ter lugar próprio, mas ainda não há um lugar definido na sociedade. A iluminação noturna das ruas foi outro fator da melhoria urbana da época que observamos ter certa obediência à acessibilidade das salas de cinema, junto aos caminhos dos bondes que começavam a ser instalados.

No Brasil, a exibição de filmes acompanhou, com certa defasagem, a transformação das salas conforme se deu nos Estados Unidos. Em sua origem como divertimento popular, o cinema era exibido em cafés-concerto ou circos, como parte de espetáculos de variedades (SCHVARZMAN, 2005). Com a sua popularização e a constante evolução urbana, a nascente classe média ganhou seu espaço nesse entretenimento, em velhos galpões perto de centros industriais, como, por exemplo, no Brás e na Mooca.

Na década seguinte, com o fim da Segunda Guerra Mundial, a produção cinematográfica americana teve mais um estouro de produção e os investimentos na abertura de novas salas na capital não ficaram pra trás. Desde a chegada ao país, foi na mudança entre as décadas de 1940 e 1950 que houve um estouro nas inaugurações de novas salas, que chegaram a triplicar. Além disso, a aparência das salas já era bem mais próxima às atuais e alguns cinemas, como o Marabá e o Gemini, passaram por reformas e ainda estão em funcionamento atualmente (GATTI, 2008; CONRADO; PRADO, 2010).

Esse crescimento espantoso não foi somente no número de salas; a década também celebrou avanços tecnológicos, como a chegada das maiores telas do mundo e da tecnologia de terceira dimensão (conhecida como cinema 3D). Também, existiam salas que exibiam o

filme como uma pré-estreia, com estruturas arquitetônicas dignas de palácios. Todas essas inovações tornaram conhecido o nome Cinelândia Paulistana, quando não temos mais divisões tão gritantes entres as salas de bairro e as de centro. Assim, depois de 20 anos, o cinema paulista encontrou o seu ápice; nunca antes as salas tinham recebido público tão numeroso, reformas tornaram as entradas cada vez mais imponentes, tomando a calçada, e o cinema, finalmente, passou a ser um programa familiar. O crescimento do cinema, obviamente, acompanhou o crescimento constante da cidade, em ritmos diferentes e eventualmente; no entanto, o cinema não pode mais alcançar a grandeza de São Paulo.

Já nas décadas de 1960 e 1970, entraram em ação os planos de definição do Centro Novo e reformas ainda mais modernizadoras, e, junto a uma mudança de hábitos, e outras variáveis sociais, dos moradores paulistas, as salas de bairro foram perdendo lugar na gigante metrópole paulistana.

Entre 1970 e 1985, as grandes salas de rua passaram por uma grande especulação imobiliária, que assolou o país, e a exibição de filmes – o cinema – na cidade passou por uma transformação definitiva. As grandes e tradicionais salas que não fecharam, ironicamente, viraram cinemas eróticos, igrejas evangélicas, estacionamentos etc.; o Centro Velho viu os tradicionais Dom José e Central virarem exibidores de filmes adultos de baixa renda e as salas de bairro, como a Tóquio (marca registrada de filmes japoneses para imigrantes), na Liberdade, virou igreja evangélica (GATTI, 2008; CONRADO; PRADO, 2010).

Enquanto isso, expandiu-se pela cidade a supremacia multiplex, que substituiu a maioria das salas de rua por salas em shopping centers, motivo de revolta para o público mais tradicional, que viu suas próprias salas cults rendidas aos grandes nomes do ramo. Mesmo a tentativa de sobrevivência de salas, como o Belas Artes, na Consolação, e o Espaço de Cinema, na Augusta, devido ao vínculo com projetos culturais dos bancos HSBC e Unibanco, respectivamente, não foi totalmente desprovida de riscos, de modo que o Cine Belas Artes teve, depois de muita luta, seu fim decretado em 2011.

Logo, restou aos shopping centers abrigar cinemas com várias salas, perdendo, no entanto, todo o ar clássico de hábito cinéfilo e voltando a ser, assim como em sua origem, apenas parte da atração da população paulista, que, em sua maioria, não conhece clubes de cinema e filmes alternativos (GATTI, 2008; CONRADO; PRADO, 2010).