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Parte II Atividades de Estágio em Reabilitação Psicomotora na Casa de Saúde da

4. Estudo de Caso Individual

4.1. História de vida

Através da consulta do processo clínico do utente e da observação feita aquando do seu internamento e ao longo do mesmo, foi possível obter a história de vida do utente.

O utente Manuel (nome fictício) é um indivíduo de 52 anos, do género masculino, divorciado, sendo que foi casado quatro vezes e tem quatro filhos. É natural do Porto mas encontrava-se a viver no Barreiro. Antes de dar entrada na Casa de Saúde de Idanha esteve com a sua última companheira a viver durante 3 meses numa cabana sem energia elétrica nem água canalizada. Exercia medicina mas atualmente está reformado por invalidez devido ao seu diagnóstico.

O utente foi observado pela psiquiatria pela primeira vez em fevereiro de 2012 devido a queixas depressivas e alterações de linguagem nos 6 meses anteriores a essa mesma consulta. Além disso, por esta altura já existiam limitações nas AIVD’s. Assim, após a realização de vários exames, o utente foi diagnosticado com

32 degenerescência lobar frontotemporal com mutação do gene c9orf72 (a qual será descrita mais à frente), com um lento agravamento clínico.

Como antecedentes pessoais o utente apresenta síndrome depressivo, hipertensão arterial, diabetes mellitus, síndrome vertiginoso, hepatite A, realizou cirurgias por hérnias lombares e também uma cirurgia em que colocou uma banda gástrica. Tentou por duas vezes o suicídio (ambas as tentativas foram medicamentosas) tendo a última ocorrido acerca de um ano (a contar da data da sua entrada na unidade). No que respeita aos antecedentes familiares temos a mãe do utente que também foi diagnosticada com degenerescência lobar frontotemporal mutação do gene c9orf72, tendo esta demência, neste caso em particular, um cariz hereditário.

De entre os exames realizados para poder ser traçado o diagnóstico do utente temos o exame neurológico que revelou sinais compatíveis com compromisso radicular nos membros inferiores, afetando a marcha; a avaliação neuropsicológica que revelou defeitos sobretudo em provas de funções executivas e visuo-percetivas, com compromisso da linguagem; o Mini-Mental State Examination (MMSE) com uma pontuação de 28; e a Tomografia Axial Computorizada (TAC) que evidenciou atrofia frontal discreta.

Aquando da sua entrada na Unidade 14, o utente apresentava-se desorientado no espaço e no tempo mas orientado na pessoa (sabia o seu nome). Estava consciente, com humor estável, memória recente e remota alteradas e apresentava verborreia e alguns períodos de descontrolo e ansiedade. Não apresentava problemas auditivos, usa óculos. Além disso, apresentava graves problemas económicos (dívidas por falta de pagamento de contas), derivados do seu diagnóstico. Foi internado para estabilização clínica e terapêutica do quadro depressivo e para reabilitação cognitiva. Ainda de acordo com o processo do utente, este apresentava inicialmente um Índice de Barthel (escala que avalia a funcionalidade nas ABVD’s) de 95 (ligeiramente dependente) e de 100 passado um mês (Independente).

Durante o primeiro contacto com o utente este apresentava bom humor, desorientação no tempo e no espaço, comunicativo (com alguns períodos de verborreia), com linguagem coerente e boa expressão facial (estabelecendo contacto visual). Além disso, estabeleceu com facilidade uma boa relação com a psicomotricista. Com o decorrer do internamento, observou-se que o utente se apresentava, ocasionalmente, mais ansioso, instável ou impaciente.

4.1.1. Breve enquadramento teórico do diagnóstico do utente Manuel: Degenerescência Lobal Frontotemporal

A Degenerescência Lobar Frontotemporal (DLFT) é caraterizada pelo declínio progressivo no comportamento e na linguagem com degeneração do lobo frontal e da parte anterior do lobo temporal (Rabinovici & Miller, 2010), sendo que de acordo com Neary et al. (1998) é a terceira forma de demência mais comum e tem três variantes clínicas que são distinguidas entre si pelos sintomas iniciais predominantes: a demência frontotemporal (DFT) – variante comportamental; a demência semântica (DS); e a afasia não-fluente progressiva (ANFP) – variantes da linguagem (Neary et al., 1998; Rabinovici & Miller, 2010).

De entre as três manifestações clínicas da DLFT, a mais comummente observada é a DFT, com início dissimulado antes dos 65 anos, a qual é caraterizada por grandes alterações na personalidade e conduta social, nomeadamente a perda de poder de escolha, desinibição social, distração, défice de pensamento abstrato, indiferença relativamente aos assuntos pessoais e às responsabilidades e, à medida que a doença avança, o descuido com a higiene pessoal e perda do controlo dos esfíncteres; há uma relativa preservação da memória, sendo que a memória de trabalho e a atenção podem ser afetadas e a episódica é variavelmente mantida; a

33 função visuo-espacial é preservada na fase inicial (Marques et al., 2006; Neary et al., 1998; Rabinovici & Miller, 2010).

A DS é caraterizada por um défice na memória semântica com anomia grave e défice compreensão de palavras simples, sendo que inicialmente estes indivíduos, por exemplo, podem perder a capacidade de diferenciar tipos de cães e, com o avanço da doença, não serem capazes de distinguir os cães dos outros animais e, numa fase mais avançada apenas os designam como “coisas”; ocorre a diminuição da fluência e agnosia associativa, havendo preservação das funções visuo-espaciais e executivas; a memória remota é afetada e quanto mais antiga for a memória menos conservada está; há preservação relativa da repetição e da capacidade de ler em voz alta e de escrever palavras comuns sem erros ortográficos; além disso, verifica-se um contraste entre a perda dos conceitos verbais e não-verbais e a manutenção das funções visuo- espaciais e da memória recente (Marques et al., 2006; Neary et al., 1998; Rabinovici & Miller, 2010).

Quanto à ANFP, esta é caraterizada por distúrbios progressivos na linguagem expressiva, onde o indivíduo necessita de um grande esforço para a produção da fala, ocorrendo erros fonológicos e gramaticais, bem como dificuldades na recuperação de palavras, podendo levar ao mutismo; além disso, podem também ocorrer dificuldades de leitura e escrita e a capacidade de compreensão do significado das palavras, após uma fase inicial sem alteração, começa a ser afetada, ocorrendo o mesmo com a capacidade de repetição e a memória auditiva imediata (Cycyk & Wright, 2008; Marques et al., 2006; Neary et al., 1998).