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História do direto em televisão

Capítulo 2. Perspetivas teóricas do direto em televisão

2.3. História do direto em televisão

É a imagem de uma notícia em forma de memória informativa coletiva que, sem poder evitá-lo, permanece fixada na nossa retina. São os diretos do tempo de informação em televisão que fazem parte da nossa história (Barriga, 2014: 113).

Conhecer o direto no tempo é a melhor forma de compreender a importância que as transmissões em direto têm tido ao longo da história da televisão. Pretende-se assim, dar a conhecer a história do direto, percebendo quais os acontecimentos mais relevantes emitidos em direto na televisão. Marcos históricos que ao serem transmitidos em direto, pela televisão, permitem que milhões de pessoas, em todo o mundo, possam assistir e testemunhar àquilo que, de outra forma seria impossível – tendo em conta as distâncias geográficas, permissões de presença ou até mesmo questões sociais e económicas.

Começando pelo princípio da história da televisão, Jaime Barroso García conta em

Realización de los géneros televisivos que durante o ano de «1926, John Logie Baird obtém as primeiras imagens de televisão de 30 linhas de definição e em 1935 cria-se o primeiro serviço regular de televisão com imagem de 180 linhas, montado pela Oficina Postal Alemanha em Berlim» (García, 2002: 111). É em 1936, que os Jogos Olímpicos de Berlim dão lugar ao primeiro desenvolvimento de câmaras eletrónicas para imagem de 180 linhas. A 26 de agosto desse mesmo ano, «acontece a primeira emissão de televisão em direto, na Grã-Bretanha, desde o Alexander Palace» (García, 2002: 111). Em novembro é inaugurado o serviço regular de televisão com câmaras eletrónicas para imagem de 405 linhas. É no mês de maio de 1937 que «acontece a primeira emissão, em direto, a partir do exterior, na coroação de Jorge VI» (García, 2002: 111-112). García comenta ainda que os primeiros anos da televisão são, fundamentalmente, anos de espetáculos em direto, porque tecnologicamente não havia outra opção (García, 2002: 112). «O eixo fundamental da programação estava nas produções em direto desde o estúdio (dramáticos, variedades, infantis, noticiários, etc.) e com carácter mais excecional -todavia experimental- as transmissões de grandes acontecimentos» (García,

2002: 112). Tal como mostramos no capítulo 1, o mesmo ocorreu em Portugal

O noticiário nasceu como género televisivo nos Estados Unidos, conta Ramonet. «Foi em junho de 1941 quando se produziram as primeiras emissões regulares de televisão a partir do mítico edifício do Empire State Building em Manhattan» (Ramonet, 2001: 86). O primeiro noticiário foi emitido em 1943 em Shenectady e a partir de 1947 apareceram os programas diários de informação na grelha da programação habitual da

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televisão (Ramonet, 2001: 86). Em 1957, a empresa Ampex lança no mercado o primeiro magnetoscópio (vídeo), que permitia a gravação magnética de imagens e a sua difusão diferida (Ramonet, 2001: 87). Assim, segundo Ramonet (2001: 87), a televisão soube «tirar proveito do principal mito que encarava: o da emissão em direto». A partir daí, multiplicou o número de acontecimentos (principalmente desportivos e políticos) transmitidos em direto.

Nos Estados Unidos, uma rede de retransmissores hertzianos tornou possível, desde 1951, a transmissão direta de imagens desde uma ponta a outra do país, de Nova Iorque a São Francisco. Em 1952, a política incorporou-se na era da televisão (Ramonet, 2001: 87).

Dayan e Katz (1995: 34) afirmam que a coroação de Isabel -da família real britânica- em 1952 foi o primeiro grande acontecimento de televisão. No entender de Ramonet:

A maravilha da instantaneidade fascinou os primeiros telespetadores e concedeu aos acontecimentos mostrados no telejornal a força de uma evidência única nos meios de comunicação de massas. A transmissão em direto aumentava também a credibilidade das notícias e fazia da televisão (graças ao telejornal) o espelho da realidade, o fiel reflexo do mundo (Ramonet, 2001: 88).

Em Portugal, a história do direto em televisão começou com a visita da rainha Elizabeth II. Num momento histórico, conforme a investigação de Anabela Sousa Lopes no capítulo Domesticating Portuguese Television (2014), todos os passos da rainha foram rigorosamente documentados e gravados pelos repórteres, sobre o olhar de cerca de um milhão de telespetadores:

(..) a de 14 de fevereiro de 1957, Portugal teve o seu primeiro desafio antes do começo das emissões regulares a 7 de março. A rainha Elizabeth II dos Reino Unido visitou Portugal durante 4 dias, fornecendo à emissora portuguesa, a Radiotelevisão Portuguesa (RTP), o seu primeiro grande evento. A existência da infraestrutura técnica básica e o interesse popular e entusiasmo do público foram dois fatores que empurraram a RTP para esta aventura. Para os portugueses, não poderia haver melhor incentivo para começar a ver o novo meio. A visita real ofereceu uma espécie de conto de fadas que poderia ser fornecido a toda a nação através da televisão (Lopes, 2014: 145).

Como conta a autora, gradualmente, a televisão começou a fazer parte das casas dos

portugueses, enquanto certos programas – como a telenovela Gabriela – [e

acontecimentos] permaneciam na memória coletiva do país (Lopes, 2014: 145).

Em 1964, o satélite Syncom III assegurou a transmissão dos Jogos Olímpicos de Tóquio, «em direto para a costa oeste dos Estados Unidos e a posterior retransmissão para todo o Mundo»24. «Em 1965 põe-se em funcionamento o Early Bird, o primeiro

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satélite geoestacionário, com possibilidade de transmitir ininterruptamente» (Pastoriza, 2003: 116). Em 1967, estabelece-se a conexão entre vários satélites, o que permite uma maior cobertura, e consequentemente o intercâmbio de imagens, notícias e programas entre diferentes estações de televisão de vários países, as transmissões em direto de grandes acontecimentos, as conexões em direto a partir de zonas afastadas do ponto de emissão, entre outras (Pastoriza, 2003: 116-117).

Estes avanços tecnológicos permitiram também levar a política aos lares das famílias ocidentais. Assim, «os debates políticos entre candidatos à presidência dos Estados Unidos provocam enorme expetativa entre grandes audiências e chegam a influenciar os resultados eleitorais. O debate entre Richard Nixon e John Kennedy [1960] tornou-se o paradigma histórico de referência deste género» (Pastoriza, 2003: 117). Além disso, acontecimentos como a guerra do Vietname, a revolução de maio de 1968 em França e a invasão da Checoslováquia pela União Soviética, provocaram, segundo Pastoriza, um inédito interesse nos cidadãos por poderem contemplar em imagens animadas, como estes ocorriam na realidade. «Em 27 de julho de 1969, é transmitida em direto a chegada do homem à lua» (Pastoriza, 2003: 117).

Dayan e Katz (1995) acrescentam outros diretos que além de fazerem parte da história, também tiveram um papel importante na história do direto: funerais do presidente Kennedy e de Lord Louis Mountbatten, o casamento real do Príncipe Carlos e de Diana, as viagens do Papa João Paulo II e a de Anwar Al Sadat, as sessões do Watergate, as mudanças revolucionárias de 1989 na Europa de Leste.

Barriga refere outros acontecimentos históricos que foram transmitidos em direto, permitindo aos cidadãos do mundo assistir à história a acontecer, a partir dos seus lares. A jornalista designa como «imagem indelével», a da queda do Muro de Berlim, bem como «o que a sua eliminação supôs para a ampliação das liberdades e das fronteiras para os cidadãos da Alemanha de Leste» (Barriga, 2014: 113). «O adeus a um dos pontífices mais queridos, como foi João Paulo II, foi uma notícia da qual esteve pendente meio mundo, fosse crente ou não e a da eleição do novo responsável da Igreja católica», afirma Esther Barriga (2014: 113). Conflitos bélicos como a Guerra do Golfo, do Afeganistão e do Iraque foram também sequências em direto, impossíveis de esquecer, confessa a jornalista. Igualmente inesquecível é a forma como faleceu José Couso, operador da televisão espanhola Telecinco, no Iraque, enquanto transmitia a contenda em direto, depois de ter sido convertido no objetivo das tropas aliadas

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(Barriga, 2014: 113). A autora relembra também as «imagens sangrentas», transmitidas em direto durante os atentados do 11 de setembro de 2001. Depois deste, a «matança do 11 de março [2004]» resultando em imagens devastadoras dos «comboios da morte». A cobertura em direto das televisões foi intensa não só durante esse «fatídico dia», mas especialmente nos posteriores à tragédia (Barriga, 2014: 113). A autora destaca ainda, a surpresa que o anúncio do abandono da atividade armada por parte da ETA causou.

Relembra-se ainda o salto do austríaco Felix Baumbartner foi um evento que ficou para a história, pelo feito em si, e por ter a maioria das televisões a transmiti-lo em direto, com milhões de pessoas a assistir. Como recorda Barriga, a «proeza do primeiro homem a romper a barreira do som foi também pura adrenalina em direto para os informadores [jornalistas] amantes do tempo real. (…) Foram nove minutos de máxima tensão informativa, afortunadamente com um final feliz» (Barriga, 2004: 114).

Por último, a autora refere a tensão informativa e expetativa que a situação da Infanta Dona Cristina perante a justiça despertou na maioria das televisões, não só em

Espanha. Barriga destaca «a imagem da sua chegada e saída aos juizados de Palma da

Maiorca para prestar declaração como imputada pelo caso Noos» (Barriga, 2014: 114). No que diz respeito à história da televisão em Portugal, é ainda importante referir que com a chegada dos novos canais de televisão - primeiro a SIC em 1992 e depois a TVI em 1993-, «a dissolução do monopólio da RTP foi a mudança mais significativa para o sector da radiodifusão televisiva desde a introdução do meio» (Lopes, 2014: 146). Com a introdução da televisão por cabo em 1994, «as audiências portuguesas tornaram-se mais fragmentadas. Necessariamente, a variedade de canais temáticos na “televisão paga” mais a oferta de programas muito semelhantes pelos quatro canais generalistas de televisão (RTP1, RTP2, SIC e TVI) foi responsável por esta mudança» (Lopes, 2014: 146).