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De fato, a Era dos Extremos e O Passado de uma Ilusão, como percebeu Hobsbawm, não são livros do mesmo gênero, mas, de uma maneira ou de outra, acabam oferecendo uma interpretação do/sobre o século XX. O primeiro intenta abordar o conjunto da história do século por meio de algumas estratégias interpretativas envolvendo aquelas que seriam as maiores expressões do período, ou seja, os sistemas políticos, econômicos e sociais engendrados pela crise do capitalismo liberal burguês inaugurada em 1914. Furet não se propôs uma investigação a respeito da totalidade do século XX, mas de uma das “idéias” que

68 Cf. Felice, R. de. La force de l´imprevu. Le Débat, n° 89, mars-avril 1996, p.120 69 Cf. Hobsbawm, E. Histoire et Illusion. Le Débat, ibid, p.137

70 Cf. Pomian, K. Quel XXe siècle? Le Débat, nº93, janv-fev 1997, p.42 71 Cf. Hobsbawm, E. Commentaires. Le Débat, ibid, p.86

o permearam ganhando força também a partir de 1914. No entanto, ambos os trabalhos desembocaram num sistema interpretativo abarcando determinados acontecimentos que marcaram o século, mas somente na medida em que foram estabelecendo diálogos com algumas das diversas feições adquiridas pelo capitalismo, pelo comunismo ou pelo fascismo.

Nesse sentido, nada mais justo do que alocar a análise desses trabalhos sob a égide de um tema geral, a política. Uma parte dessa história, senão a mais importante, advém não dos fatos, mas da relação mantida com eles. Dessa maneira, Hobsbawm quando chamado a escrever sobre o século XX, o pensou como um “díptico”, uma fase de colapso, até meados da década de quarenta, e outra de (re) florescimento do capitalismo liberal até fins do século. Assim o século aparecia à sua memória, mas a ocasião, fins da década de oitenta, forneceu novos elementos à sua reflexão; se o capitalismo já enfrentava uma crise a mais de uma década, o desmoronamento do sistema soviético fechou o processo como um todo. O século XX era agora um “tríptico ou um sanduíche, uma Era de Ouro relativamente curta separando dois períodos de crise importantes”.73 Esta abordagem fundamenta-se na combinação de processos históricos de guerra, revolução e crescimento/colapso econômico, permitindo ao historiador avaliar a relação capitalismo/comunismo como a dialética entre duas ideologias.

Seu ponto de vista, entretanto, é a sociedade capitalista e burguesa, é a partir dela que uma alternativa histórica teria se desenvolvido e se alastrado entre um terço da população do globo, provocando a reforma de seu oponente. Assim, já delineamos a tese central desenvolvida por Hobsbawm, a de que “uma das ironias deste estranho século é que o resultado mais duradouro da Revolução de Outubro, cujo objetivo era a derrubada global do capitalismo, foi salvar seu antagonista tanto na guerra quanto na paz, fornecendo-lhe o incentivo – o medo – para reformar-se após a Segunda Guerra Mundial e, ao estabelecer a popularidade do planejamento econômico, oferecendo-lhe alguns procedimentos para sua reforma”.74 Não é por acaso que a articulação central do século XX seria o breve encontro do

73 Cf. Hobsbawm, E. Sobre História. op. cit., p.250-251

74 Idem. Era dos Extremos. op. cit., p.17. Esta tese foi inicialmente desenvolvida no artigo Adeus a tudo aquilo:

“Tudo o que fez com que a democracia valesse a pena para seus povos – previdência social, o estado de bem- estar social, uma renda alta e crescente para os trabalhadores, e sua conseqüência natural, a diminuição da desigualdade social e a desigualdade de oportunidades – resultou do medo. (...) O que quer que Stalin tenha feito aos russos, ele foi bom para o povo comum do Ocidente”. Cf. Hobsbawm, E. Adeus a tudo aquilo. In. Blackburn, R. (org.) Depois da Queda: O fracasso do comunismo e o futuro do socialismo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1992, p.103

capitalismo liberal com o comunismo stalinista numa causa comum contra o perigo da Alemanha nazista nos anos 30 e 40.75

Dessa maneira, o confronto entre “capitalismo” e “comunismo” acaba ocupando a maior parte do livro, pois “para os que viveram um pedaço qualquer do Breve Século XX, é natural que capitalismo e socialismo pareçam enormes, e assim são neste livro, escrito por um escritor do século XX”.76 Esse paralelo com sua própria existência foi claramente assumido pelo historiador, não só ao longo do texto, mas também em sua mais recente obra, uma autobiografia, a qual define como sendo, de certa forma, “o avesso de Era dos Extremos: não a história do mundo ilustrada pelas experiências de um indivíduo, mas a história do mundo dando forma a essa experiência”.77 Enfim, o Breve Século XX (termo cunhado por Ivan Berend) de Hobsbawm é caracterizado por guerras de religião secular, um ciclo aberto em 1914, com a falência da sociedade liberal burguesa do século XIX (do longo século XIX – 1789-1914), e fechado em 1991, com “uma crise geral de todos os sistemas, e não só pelo desmoronamento do comunismo”.78

Contudo, segundo o autor, essas datas exatas são questões de conveniência histórica, didática ou jornalística, isso se aplicaria ao 1991, visto ainda ser cedo (1999) para precisar se efetivamente já saímos do “breve” século XX.79 Isso fica mais claro se nos voltarmos para o objeto central que permeia todas as investigações de Hobsbawm desde seus primeiros trabalhos, isto é, a evolução da sociedade capitalista a partir do processo revolucionário iniciado em fins do século XVIII. Por conseguinte, apesar de todas as transformações sofridas, o capitalismo sobrevive e, quiçá, ainda faça parte do mesmo período longo de transformação revolucionária da humanidade (e da natureza) que Hobsbawm começou a investigar em A Era das Revoluções. Por outro lado, se o capitalismo do século XX sobreviveu a partir de sua relação conflituosa com um sistema que se acreditava alternativo, decerto atingiu seu termo em 1989-91, dando origem a uma nova fase que, no entanto, mantém continuidades que ligam, por exemplo, “os Estados Unidos globais da era da Guerra Fria à tentativa de consolidar a supremacia mundial a partir de 2001”.80

75 Cf. Idem. Sobre História. op.cit., p.253 76 Idem. Era dos Extremos. op. cit., p.18 77 Idem. Tempos Interessantes. op. cit., p.11

78 Idem. “L’Age des extremes” échappe à ses censeurs. op. cit., p.29 79 Cf. Idem. O Novo Século. op. cit., p. 9-11

De qualquer maneira, o livro foi estruturado de acordo com o sistema interpretativo que estamos tentando elucidar. Concretamente o texto está dividido em três partes: a primeira se estende de 1914 ao final da Segunda Guerra Mundial – A Era das Catástrofes -; a segunda vai de 1947 à crise de 1973 – A Era de Ouro -, e, por fim, o período de crise que se alonga até 1991 – O Desmoronamento. Grosso modo, à uma era de “Guerra Total” (31 anos de 1914 à 1945), segue-se um período de “Revolução Mundial”, a partir de 1917 (um processo único que abarca os diversos tipos de revolução que se seguiram às guerras mundiais). A Guerra Fria representa um momento de relativa estabilidade social e prosperidade econômica, mas a crise da década de setenta provoca uma nova onda de revoluções pelo mundo, seguida pela crise dos sistemas comunistas ocidentais e pelo seu colapso em 1989.

A interpretação é, evidentemente, de inspiração marxista, assim como a metodologia adotada privilegia as tendências de longo e médio prazo ao partir da dinâmica dos sistemas econômicos e sociais, mas, sob alguns aspectos, a chamada l´histoire événementielle ganha maior destaque, como no período entre as duas guerras. Ademais, como veremos, o texto está permeado por uma certa complacência, não tanto em relação ao sistema soviético, mas com a causa revolucionária. Mesmo algumas conclusões favorecem esse parti pris, um exemplo são as considerações a respeito dos países beligerantes do período de Guerra Fria: “como a URSS, os EUA eram uma potência representando uma ideologia, que a maioria dos americanos sinceramente acreditava ser o modelo para o mundo. Ao contrário da URSS, os EUA eram uma democracia. É triste, mas deve-se dizer que estes eram provavelmente mais perigosos”.81 Enfim, militância política e histórica se confundem, por vezes, nesse trabalho, mas não por acaso, pois, como observou Josep Fontana, por mais ampla e variada que seja a bibliografia de Hobsbawm, vista em seu conjunto e da perspectiva de hoje, ela toda conduzia até esta valoração do século XX.82

As mesmas razões regem, provavelmente, o livro de Furet. Pois, como vimos, se observarmos sua interpretação histórica, desde os primeiros trabalhos, seguramente encontraremos traços de sua trajetória intelectual como elemento conscientemente pressuposto. Assim também, suas indagações do presente propiciaram, sob os acontecimentos de 1989, um novo alento às suas reflexões, e a queda do sistema soviético informou o “fim” de uma história e de sua representação. Era o acontecimento, a ruptura prática, que a teoria

81 Idem. Era dos Extremos. op. cit., p.232

82 Cf. Fontana, F. Eric Hobsbawm: el historiador como intérprete del presente. In. Para qué sirve la historia em

furetiana do “fim” da Revolução Francesa necessitava,83 pois até então nada indicava objetivamente a transformação histórica que permitia ao historiador atestar o fim de um período, ou melhor, de uma de suas representações. E, nesse sentido, o subtítulo de O

Passado de uma Ilusão, Ensaios sobre a idéia comunista no século XX, propõe claramente o

tipo de abordagem que orientou o trabalho.

Não se trata somente de uma obra de história, porém não diríamos, como Denis Berger e Henri Maler, que seria “antes de tudo” um ensaio político. O Passado de uma Ilusão é uma interpretação histórica a partir de um objeto específico, a idéia comunista, que, no entanto, assumiu quase as dimensões de um século. Nessa medida, a prática do historiador é que teria promovido um tema aparentemente restrito a uma apreciação geral do século XX. Por outro lado, isso não impede que, por trás da abordagem histórica de uma questão evidentemente política, o historiador alimente seus próprios projetos e intenções políticas. Assim como Hobsbawm jamais escondeu suas preferências pela “causa revolucionária”, também Furet sempre expôs seu comprometimento com a consolidação da democracia liberal. Contudo, sua abordagem não foi amplamente reconhecida no meio historiográfico, pois a combinação de paixões, circunstâncias e personalidades para a composição de um sistema interpretativo, era incomum, senão mesmo destoante dos métodos da historiografia contemporânea.

Em primeiro lugar, é a idéia de ilusão que provocou estranheza ao adquirir centralidade numa interpretação histórica ao longo de quase seiscentas páginas. Furet tomou emprestado de Sigmund Freud o conceito e a inspiração, pois se de fato o século XX se caracterizou por guerras de religião secular, ou seja, pela paixão e, até mesmo, crença ideológica, nada mais natural do que espelhar essa ideologia, nascida da paixão revolucionária, com sua antecessora, a religião. Ambas, ideologia e religião, cumpriram função semelhante na sociedade, pois a Revolução Francesa teria postergado a religião e a Igreja Católica, como expressões maiores do Antigo Regime, e no lugar ofereceu uma visão finalista da história. Essa visão atingiu seu termo em fins do século XX, quando os acontecimentos, finalmente, falaram mais alto, pois, Freud já havia explicado, para os homens “os argumentos não tem valia alguma contra as suas paixões”.

Freud investigou a idéia religiosa e nela encontrou uma ilusão, ou seja, a ilusão de que aos deuses caberia nivelar os defeitos e os males da civilização e fazer cumprir os seus preceitos, estes próprios creditados à uma origem divina, elevados além da sociedade. As

83 Cf. Heller, A. Fehér, F. El péndulo de la modernidad: una lectura de la era moderna después de la caída del

religiões estavam, em geral, baseadas na idéia de que “ao final, todo o bem é recompensado e todo o mal, punido, se não na realidade, sob esta forma de vida, pelo menos em existências posteriores que se iniciam após a morte. Assim, todos os terrores, sofrimentos e asperezas da vida estão destinados a se desfazer”.84 Sendo proclamadas como ensinamentos, essas idéias religiosas, “não constituem precipitados de experiência ou resultados finais de pensamento: são ilusões, realizações dos mais antigos, fortes e prementes desejos da humanidade. O

segredo de sua força reside na força desses desejos”.85 Assim, a característica primordial de uma ilusão seria o fato de derivar de desejos humanos e, justamente a “idéia comunista” estaria partindo de um desejo de transformação da sociedade.

Deve-se acrescentar que uma crença só se torna ilusão quando na base de sua motivação está a realização de um desejo, por conseguinte, nem toda crença seria uma ilusão. Ademais, a ilusão se alimentaria tanto de desejos quanto de reminiscências históricas, como a “paixão revolucionária” nascida da Revolução Francesa e localizada, segundo Furet, na raiz da “ilusão comunista”. Tal como a ilusão freudiana, esta se mostrou imune aos desmentidos da realidade, constituindo um grande mistério a ser investigado. Essa ilusão só se desfez com o desmoronamento do sistema soviético, permitindo a Furet escrever sobre “o passado de uma ilusão”, pois seu argumento poderia, então, encontrar uma brecha entre as paixões. No entanto, segundo os críticos, esse argumento não explora o momento em que a “idéia” se torna “ilusão”, a força da idéia advém da paixão na qual se enraíza, coincidindo automaticamente com a ilusão.86 De fato, logo no primeiro capítulo a “idéia” é transmutada em sua genealogia com a “paixão revolucionária”.

Apesar disso, uma ausência teria acompanhado a idéia de ilusão desenvolvida por Furet, seria a metade da história, a da contra-ilusão, como apontou Hobsbawm, ou então, a do passado das ilusões liberais, sem o qual as ilusões comunistas da URSS seriam incompreensíveis.87 Por outro lado, além de ilusão, outras palavras-chave como mistério,

enigma, segredo ou mito, compõem esse sistema interpretativo. A obscuridade que envolve

essas idéias vai, de certa forma, de encontro à tentativa efetiva de elucidação de um problema, de um “fato” histórico. Por essa razão, diversos críticos indagaram a respeito da pertinência desse método de análise. Michel Vovelle, por exemplo, ensaiou contar quantas vezes Furet

84 Freud, S. O Futuro de uma Ilusão. Rio de Janeiro, Imago Editora, 1997, p. 32 85 Id., ibid., p. 48. Grifo nosso.

86 Cf. Berger, D. Maler, H. Une Certaine Idée du Communisme: Répliques à François Furet. Paris, Editions du

Félin, 1996, p. 26

recorreu a estes termos, cerca de vinte oito vezes: mistério da Primeira Guerra Mundial, mistério do sucesso inicial da recepção favorável à Revolução de Outubro, da adesão das massas ao novo regime, da submissão absoluta ao poder do Estado, do enraizamento na França da herança da cultura democrática...”.88

A esse respeito, Giuliano Procacci forneceu uma explicação razoável, Furet ao negar a idéia de necessidade histórica, bem como qualquer concepção teleológica e linear de história, se lançou não só à margem oposta, a de acidente, mas também foi mais além, até à categoria de mistério. A utilização freqüente deste termo causaria perplexidade na medida em que ele parece trair uma nostalgia por uma explicação definitiva, uma vez que a clareza absoluta seria um dos objetivos da pesquisa histórica.89 Todavia, a questão é mais complexa, envolvendo outros elementos que estariam vinculados à uma concepção finalista da história, porque esta teria sido moldada, para o século XX, pelo voluntarismo político que nasceu sob a Revolução Francesa e ganhou formulações teóricas ao longo do século XIX. A convicção de que os homens podem transformar a realidade social de acordo com uma teoria da história que favoreceria a instauração de uma sociedade mais justa, estaria na base de toda a ilusão do comunismo. A história seria, então, sustentada pela vontade, assim atestavam as tradicionais interpretações das revoluções e guerras, alimentando uma interminável ilusão, mas eis que o “fim” do comunismo obedeceu, nada mais nada menos, às circunstâncias.

Um exemplo, nas palavras de Furet: “revolução e contra-revolução evocam aventuras da vontade, ao passo que o encadeamento das circunstâncias preside ao fim do comunismo”.90 Dessa maneira, a realidade histórica sugeria o ponto de partida para uma investigação diferenciada do século XX, o acidental representa a ruptura com a ilusão, daí o historiador lançar mão dessa categoria como opção para demonstrar não só o fracasso da história do comunismo, mas, sobretudo, de suas representações, que ignorando o papel da eventualidade chegaram a conclusões enganosas. Aliás, há muito tempo Furet já havia relegado os aspectos socioeconômicos da história à um segundo plano ao privilegiar a história política e das idéias,

88 Cf. Vovelle, M. Michel Vovelle répond à le livre de François Furet, « Le Passé d´une Ilusion ». L´Humanité, 7

février 1995.

89 Cf. Procacci, G. De plus loin et de plus près. Le Débat, n° 89, mars-avril 1996, p.154 90 Furet, F. O Passado de uma Ilusão. op. cit., p.10

e a particularidade dessa estratégia gerou muitas críticas, pois não se trata de uma história política tradicional, nem de uma história intelectual baseada em textos ou discursos.91

O livro está composto por doze capítulos, tratando da idéia/ilusão comunista em suas origens na “paixão revolucionária”, nas guerras mundiais, Revolução, stalinismo, Guerra Fria e em suas relações com o fascismo, antifascismo e democracia liberal. No Prefácio, entretanto, o historiador já define seu tema ou problema. Curiosamente o universo comunista teria se desfeito a si mesmo, não deixando nem uma idéia, exceto a sua própria negação, o “repertório familiar da democracia liberal”. Este fato, aos olhos de Furet, é ponto pacífico, o sentido do comunismo teria mudado até mesmo para aqueles que foram seus partidários: “em vez de ser uma exploração do futuro, a experiência soviética constitui uma das grandes reações antiliberais e antidemocráticas da história européia no século XX, sendo a outra, evidentemente, a do fascismo, sob suas diferentes formas”.92

No entanto, uma ilusão fundamental impediu, ao longo do século, que se percebesse esse traço distintivo do comunismo, pois revestido por um caráter científico outorgado por uma Razão histórica, ele ofereceu “ao homem perdido na História, além do sentido de sua vida, os benefícios da certeza”, revelando-se portador de um “investimento psicológico que pode ser comparado ao de uma fé religiosa, embora seu objeto fosse histórico”. Assim, a ilusão é constitutiva da história comunista.93 Furet se propõe à estudá-la na Europa, observando sua sobrevivência mais prolongada nas mentes do que nos fatos, e por mais tempo no Oeste do que no Leste da Europa. O fato é que nesse empreendimento, como observou Procacci, a confrontação entre a representação da realidade e esta realidade mesma exigiu que se passasse do domínio da história das idéias ao da história tout court. Assim, Furet consagrou capítulos inteiros, por exemplo, às guerras mundiais, e numerosas páginas à análise de acontecimentos isolados, fornecendo, no conjunto, o desenho em filigrana, de uma “idéia do século”.94

***

91 Veja-se, por exemplo, a avaliação crítica de Anderson: “as idéias são, antes, tratadas como forças estilizadas,

cada uma se encarnando em indivíduos ao redor dos quais é tecida a narrativa de conflitos políticos maiores”. Cf. Anderson, P. La Pensée tiède. op. cit., p.42

92 Furet, F. O Passado de uma Ilusão. op. cit., p.11 93 Id., ibid., p.11-12

A primeira parte da Era dos Extremos, embora tratando de um período de “catástrofes”, revela-se como o núcleo da maioria dos desenvolvimentos posteriores ao longo do texto. A era da Guerra Mundial é vista como um processo que envolve as duas grandes guerras, sem as quais “não há como compreender o Breve Século XX”. Hobsbawm parte do 1914, não aprofundando a questão das origens da Primeira Guerra Mundial, visto já ter esboçado seus elementos em A Era dos Impérios. Aliás, tendo em vista essa referência, é interessante nos voltarmos para a interpretação aí desenvolvida, pois nesse livro encontramos o último capítulo inteiro dedicado à investigação da situação que desembocou na guerra, que embora não tivesse sido esperada, foi percebida como “uma tempestade se aproximando”.

Segundo Hobsbawm, “descobrir as origens da Primeira Guerra Mundial não equivale a descobrir ‘o agressor’. Ele repousa na natureza de uma situação internacional em processo de

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