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História da tradução audiovisual

A fim de tentarmos compreender melhor a tradução audiovisual, abordaremos o seu desenvolvimento, desde os seus primórdios até à atualidade.

Antes de mais, devo indicar que a história da tradução audiovisual começa, na realidade, ainda na altura do cinema mudo (cf. Xavier, 2009: 16).

A primeira forma de legendagem, surgiu em 1903 (Ivarsson, 2004 apud Rietveld, 2008: 7), época em que já se transcreviam os diálogos, divergindo dos filmes de hoje em dia, na medida em que eram apresentados sob a forma de texto escrito inserido em fotogramas que surgiam como uma espécie de “corte” nos planos normais. Este texto era traduzido para a língua de chegada do país onde se exibia o filme. (cf. Xavier, 2009: 16)

No entanto, a legendagem, assim como a dobragem, só começou a expandir-se verdadeiramente, na década de 40, treze anos após a introdução do som no cinema, especificamente nos Estados Unidos, após a Segunda Guerra Mundial, sobretudo devido ao facto de, contrariamente à Europa, terem sido poupados à destruição da guerra, podendo, deste modo, focar-se no desenvolvimento cultural.

“Com o fim da Primeira Grande Guerra, a hegemonia norte-americana torna-se clara, e, nos anos que se seguem, a América assume-se mesmo como a grande potência mundial, ao mesmo tempo que a Europa lutava para se recompor de uma guerra nefasta com graves repercussões a nível humano e financeiro. Um dos sinais mais notórios da supremacia norte-americana foi, sem dúvida, a expansão da indústria cinematográfica: os filmes eram vendidos aos países europeus que, devido às vicissitudes da Guerra, apostavam mais na recuperação económico-financeira e menos no incremento cultural.” (Xavier, 2009: 16)

É durante este período, marcado por um ideal de patriotismo associado ao antinazismo, que a filmografia americana produz verdadeiros clássicos do cinema: Casablanca, 1943,

Citizen Kane (1946) e It´s a wonderful life (1946), para citar apenas alguns. Esta mesma

atitude protecionista também levou a que a utilização de certas vertentes de tradução audiovisual como o voice-over e, especialmente, a dobragem, adquirissem um cariz um tanto censório, na medida em que privavam o público do texto original e permitiam aos tradutores e, por extensão, a quem quer que os empregasse, tomar certas liberdades relativamente à informação transmitida pelos filmes. (cf. Xavier, 2009: 16-17)

Como refere Xavier (2009: 17), na década de 40, em Portugal, onde cerca de 70 % da população era analfabeta, até a legendagem podia ser vista como uma forma de censura e

33 repressão, pois a tradução de um filme, condicionada por fatores culturais e sociais da língua de chegada, privava esse significativo número de portugueses não só do texto de partida como do de chegada.

Elementos desta realidade perduraram ao longo dos anos, sendo também visível na estação de televisão pública, nomeadamente, a RTP, que se servia sempre de uma legendagem padrão (cf. Xavier, 2009: 18), ponto que será aprofundado mais à frente, contrariamente às estações privadas, que tentavam preservar o registo e as variedades do texto original.

Ainda assim, existiam outras razões para a preferência da legendagem relativamente à dobragem, nomeadamente, por ser uma forma de tradução até 20 vezes mais barata (Ivarsson & Carroll, 1998, apud Gomes, 2010: 55), o que é um ponto importante, uma vez que a produção cinematográfica portuguesa era bastante reduzida, levando a que a maioria dos filmes exibidos fossem importados (cf. Xavier, 2009: 18). Se a isto acrescentarmos o facto de países mais pequenos gerarem pouco lucro nas bilheteiras, a dobragem torna-se uma alternativa demasiado dispendiosa.

Estes fatores acabam por ter consequências determinantes no desenvolvimento da tradução audiovisual em Portugal. Bourdieu (1977, apud Xavier, 2009: 18) refere como o indivíduo pertencente a uma determinada sociedade desenvolve tendências consoante a realidade a que está exposto (que o autor designa por “habitus”), pelo que espetadores que estejam habituados à legendagem, como é o caso da população portuguesa, tendencialmente rejeitam a dobragem.

Em Portugal, foi este o caso durante várias décadas e, por isso, antes da década de 90, poucos programas eram dobrados, o que é notório no facto de a maioria dos filmes infantis anteriores e contemporâneos à década de oitenta, designadamente as produções da Disney, serem dobragens importadas do Brasil. Só mais recentemente é que a dobragem parece ter ganho terreno relativamente à legendagem, ainda que aquela predomine nos filmes e séries de televisão destinados a um público infantil. Excluindo estes programas específicos, nos filmes e séries prevalece a legendagem.

Contudo, isto representa uma realidade dos países de menor dimensão, como Portugal, Bélgica ou Suíça, pois em países como Espanha, França ou EUA, a dobragem aparenta ser a modalidade de tradução audiovisual dominante, o que é explicável por razões económicas:

34 um elevado número de espetadores gera uma maior receita, compensando assim o investimento feito, uma vez que a dobragem é um meio de tradução mais dispendioso do que a legendagem. Em alguns países, um particular sentido de nacionalismo leva igualmente à utilização da língua nacional para consumo mediático. (cf. Nikolić, 2011: 20; Rietveld, 2008: 8; Xavier, 2009: 18)

Importa referir que a tradução audiovisual, e por extensão o tradutor, não aparenta receber a devida importância social, passando, normalmente, despercebida no processo de produção mediática. Lembro a este respeito uma das primeiras advertências veiculadas durante o meu Mestrado em Tradução: quando um tradutor faz bem o seu trabalho, passa despercebido. Caso contrário, terá, provavelmente, cometido algum erro.

Isto é tanto mais verdade na legendagem, quando o espetador tem acesso, não só ao texto de chegada mas, também, ao texto de partida, podendo por isso comparar os dois, sendo que Rietveld (2008: 8-9) refere:

“At the same time subtitling is the most unforgiving form of audiovisual translation. The work of a subtitler is never perfect, and the viewer notices that as well. Many people are not satisfied with the quality of subtitles, for they claim that subtitlers do not translate what the speaker says or that the subtitler forgot to translate something.”

Esta questão representa uma falta de conhecimento por parte dos espetadores, mas que, poderá igualmente representar uma certa falta de conhecimento por parte do tradutor.

5.1. História da legendagem enquanto área de estudo

Mesmo a nível académico, a legendagem tem sido muito ignorada ao longo das décadas. Para tal, contribuiu o facto de muitos profissionais desta área possuírem apenas formação técnica, verificando-se a ausência de uma certa preparação académica. Só muito recentemente tem vindo a ser considerada uma disciplina no âmbito do ensino universitário, apesar da falta de reconhecimento que ainda subsiste, pois foi estudada quase exclusivamente a nível europeu (cf. Xavier, 2009: 32). Certos académicos continuam a ponderar a validade da tradução audiovisual enquanto área de estudo. “in view of the synchronization requirement some have even questioned whether it should be considered a type of translation at all”. (Fawcett, 1996, p.69, apud Liu, 2014: 1103)

35 Xavier (2009: 32), refere por meio de Gambier, que um aspeto pouco favorável à legendagem consiste no facto de esta possuir uma área de aplicação técnica relativamente restrita e o de estar desconectada de outras disciplinas do mesmo meio, como por exemplo a comunicação mediática, pelo que apresenta problemas de expansão. O que é peculiar, tendo em conta a utilização massiva da mesma, na área referida. Como Zabalbeascoa (1993: 11) aponta:

“Television, likewise, is all around us, which is not news for anyone living in this day and age. The influence it has on the lives of individuals and social communities is undeniable and inescapable. Translation has found its way into the television companies and programs of many countries, and in many different ways: simultaneous interpretation or subtitling of famous people being interviewed, or giving a speech; subtitles and dubbed versions of films and other programs; even the translation of a number of advertisements, just to name the most obvious instances.”

Porém, a tendência para ignorar a TAV tem vindo a mudar nas últimas décadas. “it has only been since the mid-1990s that audiovisual translation (AVT) has started to be systematically discussed from a translational point of view” (Díaz Cintas 2005a: 5, apud Nikolić, 2011: 28). 1995 é o ano de viragem para os estudos da tradução audiovisual, pois marcou o centenário da existência do cinema e, como forma de celebração, foi realizado um fórum sobre a comunicação audiovisual (cf. Xavier, 2009: 32), o que seguidamente propiciou a elaboração de conferências e estudos, chamando muito a atenção para o tema da tradução audiovisual como área de estudo, como podemos verificar na citação.

“Only Recently have some Scholars started to direct their attention towards translation, as evidenced by the introduction of modules in dubbing and subtitling, not only in translation degrees but also in other degrees such as Film and Television Studies, Journalism and Media Studies. Conferences centered on Film Studies are opening up to allow the inclusion of papers on film translation. Some scholars are actively seeking to bridge the gap between Film and Translation Studies.” (Chaume 2000, 2003 and Remael 2000, apud Díaz Cintas, Jorge, 2004: 21)

Embora esta mudança consubstancie um grande passo para a tradução audiovisual, o facto é que continuam a existir vários obstáculos no âmbito do estudo desta área, entre eles, a dificuldade de acesso a materiais de estudo, isto porque raramente o filme, guião e texto traduzido são facultados aos académicos, desencorajando-os de prosseguir o estudo em favor de áreas menos restritas, pelo que ainda hoje escasseiam as publicações que tratem exclusivamente de tradução para legendagem (cf. Xavier, 2009: 34).

É, portanto, imperativo consciencializar o mundo académico para a relevância deste estudo e para a necessidade de apostar no mesmo, pois, em Portugal, 20% dos programas de

36 televisão, 91% dos filmes projetados nas salas de cinema e 100% dos DVDs e BlueRays são legendados (cf. Xavier, 2009: 37), o que constitui uma quantidade esmagadora do nosso consumo mediático e uma influência sociocultural incomensurável no espetador português, tornando-se mesmo numa possível explicação para a aparente aptidão multilinguística da população portuguesa.

É ainda de levar em conta que, como refere Xavier (2009: 28), algumas formas de tradução se ligam inevitavelmente aos média que as aplica, pelo que, com a criação de novas tecnologias e de novas formas mediáticas, poderemos eventualmente assistir ao surgimento de novas formas de tradução audiovisual e ao desvanecer de algumas outras.

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