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Histórico da adoção

No documento Adoção por pares homoafetivos (páginas 35-40)

Segundo Fernando Freire, a adoção

[...] representa uma resposta às necessidades não satisfeitas pela ordem natural dos acontecimentos, uma resposta que oferece à criança órfã e abandonada, uma possibilidade de ter pais e ambiente familiar indispensáveis para seu desenvolvimento. A adoção não é mais um instrumento exclusivamente jurídico, mas um recurso de profundas manifestações éticas e sociais. De todos os sistemas

alternativos de proteção às crianças e adolescentes abandonados, a adoção é o único que cumpre com todas as funções da relação filial. É o único sistema que colabora amplamente na internalização do sentimento de auto-estima, chave para o processo de desenvolvimento de uma personalidade sadia e construtiva.42

O instituto jurídico da adoção apresenta-se para o direito como uma ficção legal que permite a constituição de vínculos entre pais e filhos, independentemente do fato natural da procriação. É, portanto, um ato ou negócio jurídico que cria relações de paternidade e filiação entre duas pessoas, independentemente do vínculo biológico.

Constitui um dos institutos mais antigos do Direito, pois o acolhimento de menores, como se fossem filhos biológicos, é detectado, praticamente, em todas as sociedades, desde as mais pregressas.

Na Antiguidade, a filiação cumpria e desempenhava função relevante na continuidade religiosa, moral e patrimonial da família. Esse sentido de perpetuidade da família ligava-se, sobretudo, ao culto da religião familiar, pois a maior desgraça que poderia ocorrer a uma família seria a interrupção de sua linhagem e, conseqüentemente, o esquecimento dos seus ancestrais. Essa imposição religiosa determinava o dever da procriação, pois a filiação não estava ligada aos desejos pessoais dos membros da família, mas, sim, à função da perpetuidade do culto e da religião doméstica.43

Ainda na fase pré-romana, a adoção encontra, no Código de Hamurabi, um referencial jurídico importante. Esse sistema, entre os babilônios, foi bastante peculiar, pois, se após a adoção, o adotante tivesse filhos naturais, esta poderia ser revogada, surgindo, para o adotado, o direito à indenização.44

Entre os gregos, destaca-se a adoção entre os atenienses. Era muito formal, somente podendo os cidadãos adotarem e serem adotados, com a participação de uma assembléia popular e com um forte traço religioso. Entretanto, com a reforma proposta por Sólon, a adoção em Atenas se simplificou e se popularizou.45 O adotado assumia o nome e a posição

do adotante e herdava seus bens como conseqüência da assunção do culto. O direito sucessório, permitido exclusivamente pela linha masculina, também era corolário da continuidade do culto familiar.

Em relação ao Direito Romano, a adoção revestiu-se de poder, como meio para as famílias fugirem de sua extinção. Três eram as modalidades de adoção no Direito Romano: a

adrogatio, a adoptio e a testamentária. A adrogatio, modalidade mais antiga, pertencente ao 42 FREIRE, Fernando. Abandono e adoção II. Curitiba: Terre dos Hommes, 1991. p. 07 apud SAPKO, Vera

Lúcia da Silva. Op. cit. p. 112.

43 GIRARDI, Viviane. Op. cit. p. 113 e 114. 44 SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. Op. cit. p. 91. 45 Loc. cit.

Direito Público, exigia formas solenes que se modificaram e se simplificaram no curso da história. Abrangia não só o próprio adotando, mas também sua família, filhos e mulher, não sendo permitida ao estrangeiro. Havia interesse do Estado na adoção porque a ausência de continuador do culto doméstico poderia redundar na extinção de uma família. A adoptio era instituto mais recente de direito privado destinado ao alieni iuris, quais sejam, os que estavam sob o pátrio poder46 – era a adoção propriamente dita. A última espécie, testamentária,

submetia-se à confirmação da cúria, constituindo-se ato complexo e solene, raro.

Assim, os que não podiam ter filhos adotavam para que mantivessem a religião familiar. Nesta época, só os homens eram capazes para a adoção, mas com o enfraquecimento do fundamento religioso, foi permitido às mulheres que tivessem perdido filhos, o direito de adotar.47

Com as invasões bárbaras, a prática da adoção não se extinguiu, mas seu objetivo, porém, modificou-se, devido à necessidade de perpetuação das campanhas armadas empreendidas pelo pai adotivo. Sua finalidade era suprir a falta de testamento. A partir da Idade Média, tal costume foi deixando de ser utilizado até desaparecer por completo, pois se incompatibilizou com os interesses dos senhores feudais, como a transmissão iure sanguinis dos títulos nobiliárquicos.48

A adoção permaneceu inadaptada até a Idade Moderna, quando surgiram três legislações que a regularam: o Código Dinamarquês de 1683, o Código Prussiano de 1751 e o

Codex Maximilianus da Bavária de 1756. O segundo influenciou a matéria no Código

Napoleônico (arts. 343 a 360), e esse, por seu turno, contribuiu para que a adoção fosse inserida em ordenamentos posteriores, de locais diversos.

Durante o século XIX, conforme a maioria dos doutrinadores, a adoção foi pouco praticada. Essa preocupação jurídica e social reavivou-se após a Primeira Guerra Mundial, visando a oferecer amparo familiar aos órfãos do conflito.49

Quanto à realidade pátria especificamente, o cunho protetor da adoção apresenta correlação com o processo histórico de concentração de renda e de exclusão social, apesar de, no princípio, o instituto ter se contextualizado no ordenamento nacional, como um reflexo do direito português.

46 VENOSA, Sílvio Salvo. Op. cit. p. 255 e 256. 47 SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. Op. cit. p. 92. 48 Loc. cit.

Em letras realmente nacionais, a primeira referência à adoção surgiu na Consolidação das Leis Civis, com Teixeira de Freitas, determinando aos juízes “conceder cartas de legitimação aos filhos sacrilégios, adulterinos e incestuosos, e confirmar as adoções”.50

Após alguns anos, a adoção foi inserida no Código Civil de 1916, estabelecendo claras diferenças entre filhos naturais e adotivos, principalmente em relação ao direito de herança. O legislador brasileiro visava com este instituto jurídico a dar filhos a quem, biologicamente, não os podia ter. A adoção nessa fase só era permitida a quem, não tendo filhos, também contasse com idade superior a 50 (cinqüenta) anos, pois este requisito legal era entendido pelo legislador como prova da impossibilidade da geração da prole natural, como garantia de que não adviriam filhos naturais supervenientes á adoção. Seu vértice, portanto, eram os interesses dos adotantes, suprindo uma falta que a natureza havia criado.

A primeira grande modificação jurídica do instituto ocorreu com a promulgação da Lei nº. 3133 de 1957, que alterou tanto os requisitos exigidos para a habilitação dos adotantes, quanto à própria finalidade e natureza do instituto da adoção. O legislador nesse momento abandona a intenção de dar filhos a quem a natureza os negou para instituir o viés assistencialista do instituto, ou seja, de se constituir a adoção, num modo de melhorar as condições morais e materiais do adotado. Tanto assim que a adoção regulada por essa nova lei permitia que tal adoção fosse concedida aos adotantes com idade de 30 (trinta) anos e não mais 50 (cinqüenta) anos, e os adotantes podiam, também, já ter filhos consangüíneos ou vir a tê-los mesmo após a adoção. Entretanto, manteve a face patrimonialista do direito liberal burguês da época ao proibir o filho adotivo, na presença de prole biológica, anterior ou posterior à adoção, a igualdade de direitos no campo de sucessão. Essa adoção prescrita, mais tarde, passou a ser tratada pela doutrina como sendo a adoção simples, pois limitava o vínculo do parentesco entre o adotado e o adotante, para os efeitos da lei civil, a não ser quanto aos impedimentos matrimoniais.51

Um segundo grande momento para o instituto da adoção para o direito brasileiro deu- se com o advento da Lei nº. 4655 de 1965, que instituiu uma nova perspectiva para essa figura jurídica ao criar a legitimação adotiva. Essa nova modalidade de adoção estabelecia o vínculo de parentesco entre adotante e adotado com os mesmos efeitos e características conferidos ao parentesco consangüíneo entre pai e filho, o que significava que o adotando rompia com todos os vínculos legais com sua família de origem, com exceção dos impedimentos matrimoniais, e passava a ser considerado filho, para todos os efeitos, dos adotantes. Essa nova forma de

50 Ibidem. p. 93.

adoção só era permitida a quem fosse legalmente casado e era irrevogável, ao contrário da denominada adoção simples que podia ser desfeita mediante algumas exigências legais.

Essa chamada legitimação adotiva de 1965 com a promulgação da Lei nº. 6697/79, o conhecido Código de Menores, passou a ser denominada de adoção plena, pois abrangia uma maior gama de direitos, marcando a diferença com o tipo de adoção até então em vigor.52

A dicotomia do instituto da adoção introduzida pela Lei de 1965 e difundida pelo Código de Menores vigorou pacificamente no direito brasileiro até o advento da Constituição Federal de 1988, que ao introduzir o princípio da igualdade no instituto da filiação, fez desaparecer as diversas classes de filhos, bem como vedou qualquer prática que discriminasse o filho por conta da origem de sua filiação.

Seguindo a trilha aberta pelo constituinte de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8069/90, provocou a grande mudança no instituto da adoção, pois, além, de revogar a legislação pátria que a essa era pertinente, eliminou todas as diferenças entre filhos adotivos e biológicos, definindo, claramente, que a medida definitiva de colocação de menores em famílias substitutas deve priorizar as reais necessidades, interesses e direitos da criança e do adolescente (ECA, art. 43).

Com a promulgação da Lei nº. 8069/90, parte da doutrina passou a considerar a existência de dois tipos de adoção: a simples, regida pelo Código Civil de 1916 e suas posteriores modificações; e a plena, disciplinada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Com a revogação do Código Civil de 1916 pela Lei nº. 10.406 de 2002, há os que ainda admitem a classificação distintiva da adoção, em simples e plena, isto é, em civil e estatutária.

Na realidade, o Código Civil em vigor é lei geral e não revogou as disposições do ECA sobre a adoção de menores, pois esse diploma é lei especial. Assim, continuam os procedimentos relativos a menores processados pelos Juízos da Infância e da Juventude e os referentes à adoção de maiores de 18 anos, pelas Varas de Família. Destarte, toda a base principiológica, material e procedimental do Estatuto foi mantida, e na ausência de norma regulamentadora, também deve ser aplicado o ECA analogicamente, no que for compatível, com relação à adoção por maiores. Portanto, o instituto é regulado pelos dois diplomas legais: o Código Civil de 2002 regulamenta a adoção de maiores e menores; o ECA, a dos adotandos de até 18 anos. Mas, devido ao critério de especialidade, prepondera o Estatuto no que tange à adoção de menores.53

52 Ibidem. p. 119 e 120.

No documento Adoção por pares homoafetivos (páginas 35-40)