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1 DIREITOS TERRITORIAIS INDÍGENAS

3.1 Histórico da demarcação

O caso prático eleito para a apreciação da interface jurídica e antropológica na conceituação de terras indígenas apresenta um alto grau de complexidade, envolvendo aspectos cuja abordagem encontra limites do recorte adotado nesta pesquisa e nas fontes acessadas.

A terra indígena "Morro dos Cavalos" envolve uma série de paradigmáticas situações que passam desde sua sobreposição53 à área de proteção ambiental54, bem como aquelas relacionadas aos projetos de desenvolvimento regional e nacional: a duplicação da rodovia BR-10155 e a construção do gasoduto Brasil-Bolívia56 no litoral catarinense.

O histórico que se apresenta é um breve roteiro da demarcação da terra "Morro dos Cavalos" a partir da pesquisa57 nos autos do Procedimento Administrativo n.º 464/95 em curso no Ministério Público Federal, Procuradoria

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A questão da sobreposição é um tema polêmico que alcança diversos posicionamentos, para o assunto ver “Os recortes na terra dos ‘filhos do guaraná’: implicações jurídicas das sobreposições de unidades de conservação na terra indígena Andirá-Maraú”, de Luly Rodrigues da Cunha Fisher. In: Anais do XV Congresso Nacional do Conpedi. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2007.

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Do mesmo modo que outras áreas Guarani se encontram em áreas de preservação ambiental, a terra indígena "Morro dos Cavalos" está inserida em parte do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, segundo o Relatório de Identificação e Delimitação (LADEIRA et al, 2002, p.32 ).

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Darella e Mello (2005, p.161-163) entendem que os Estudos de Impacto Socioambiental realizados em função do projeto de duplicação da BR-101, em seu trecho norte (Garuva a Palhoça/SC) e trecho sul (Palhoça/ SC a Osório/RS) deram visibilidade à presença Guarani, ensejando a demanda pela demarcação de áreas em Santa Catarina. Segundo informam, as medidas mitigadoras apresentadas pelos estudos foram no sentido da regularização fundiária das terras Guarani.

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Neste projeto, o empreendedor fixou, previamente, o valor de R$ 120.000 (cento e vinte) mil reais como medida compensatória para ser repartido entre as aldeias Mbiguaçu, Morro dos Cavalos e Massiambu. Darella (2004, p.236) informa que, apesar da FUNAI ter se manifestado pela necessidade de considerar a existência de aldeias no litoral norte, essas comunidades não foram consideradas pelo empreendedor nas medidas compensatórias. Maiores informações na tese de Darella, conforme referências.

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A análise do histórico processual foi feita com a valiosa colaboração da antropóloga do Museu Universitário da UFSC, Dra. Maria Dorothea Post Darella, que por algumas vezes acompanhou-me na pesquisa junto ao Ministério Público Federal, explicando-me as diversas nuances que envolvem a territorialidade Guarani e a questão específica do "Morro dos Cavalos". A Procuradora Analúcia Hartmann também se colocou à disposição, ajudando-me, efetivamente, com esclarecimentos sobre o caso.

Regional de Santa Catarina, que tem o título: "Comunidades Indígenas. Guaranis. Aldeia Morro dos Cavalos. Demarcação. Palhoça/SC".

Também denominado “Dossiê Morro dos Cavalos", o procedimento estabeleceu-se com objetivo de acompanhar todos os atos referentes à demarcação, em razão das competências constitucionais atribuídas ao Ministério Público Federal.

Para melhor compreensão do caso também foram utilizadas importantes fontes complementares: a tese de Maria Dorothea Post Darella (2004), que trata da territorialização Guarani no litoral de Santa Catarina, bem como o Procedimento Administrativo n.º 1052/98 do Ministério Público Federal, pelo qual foi acompanhado o projeto de duplicação da BR-101 em território tradicional Guarani.

O “Dossiê Morro dos Cavalos” iniciou com a carta da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), de 1º dezembro de 1993, encaminhada ao Ministério Público Federal, assinada por seu presidente58, cujo objetivo era apresentar "documentação recente sobre a questão das terras indígenas em Santa Catarina" (fls.2 do P.A. n.º 464/95).

A entidade demonstrava preocupação com relação ao pedido que o então governador Vilson Pedro Kleinübing dirigia ao Ministro da Justiça, em 8 de novembro de 1993 solicitando: "a suspensão imediata da execução da Portaria do Presidente Interino da FUNAI, PP-0973/93”, alegando que sua manutenção traria tensões e conflitos de conseqüências imprevisíveis (Anexo A).

O governador referia-se à Portaria FUNAI n.º 973, de 1º de outubro de 1993, expedida pelo presidente deste órgão, Dinarte Nobre de Madeiro, que constituía um “Grupo Técnico Interinstitucional” com a finalidade de identificar e delimitar as áreas Guarani nos Estados do Paraná e Santa Catarina, e dentre estas, as terras Mbiguaçu59 e do "Morro dos Cavalos", nos municípios, respectivamente, de Biguaçu e Palhoça (Anexo B).

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Na ocasião, o antropólogo Silvio Coelho dos Santos.

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A homologação da terra indígena Mbiguaçu foi feita mediante decreto presidencial de 5 de maio de 2003. Foi a primeira terra Guarani demarcada no Estado de Santa Catarina. Maiores informações em Darella (2004, p.188).

A normativa da FUNAI teve por resultado o relatório de identificação do grupo coordenado pelo antropólogo Wagner Antonio de Oliveira, em outubro de 1995, que viria a ser refutado pela comunidade indígena Guarani no início de 2000.

Ainda sob égide de procedimento demarcatório estabelecido pela lei anterior60, o Decreto n.º 22, de 4 de fevereiro de 1991, o relatório de identificação havia estabelecido que a terra indígena "Morro dos Cavalos" envolveria uma superfície de 121,8 hectares, abrangendo um perímetro de 4,5 quilômetros, segundo Memorial de 5 de julho de 1995, seguido de mapa (Anexo C).

Em atendimento aos questionamentos do Ministério Público Federal, em 31 de dezembro de 1996, a FUNAI, por seu Diretor de Assuntos Fundiários, informou que este relatório encontrava-se para análise da Coordenadoria, sendo que, uma vez aprovado pelo presidente do órgão, seriam feitas as necessárias publicações.

No mesmo documento, foi informado que a demarcação administrativa da terra indígena "Morro dos Cavalos" estaria prevista para o ano de 1997, segundo a programação plurianual do Departamento de Identificação e Delimitação da FUNAI (fls.40 do P.A. n.º 464/95).

No período que corresponde aos anos de 1995 a 2000 houve uma verdadeira ofensiva contra a presença indígena no "Morro dos Cavalos", momento em que surge a ação de reintegração de posse61 proposta por Walter Alberto Sá Bensousan, representante do Espólio de Manoel Bensousan (fls.534/536 do P.A. n.º 464/95).

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No relatório de identificação e delimitação posteriormente elaborado por Ladeira (2002, p. 5-6), observou-se a necessidade de revisão do estudo realizado anteriormente, também em razão do advento do Decreto n.º 1.775 de 8 de janeiro de 1996.

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A ação cível foi proposta em face da União Federal. O processo foi extinto sem julgamento do mérito, em razão do juízo entender que havia ilegitimidade da União, uma vez que deveriam configurar no pólo passivo os índios, que, em tese, teriam promovido a ocupação e disporiam de capacidade processual. Em sede recursal, a sentença foi mantida pelo Tribunal Regional Federal por seus próprios fundamentos em Acórdão de 10 de outubro de 2002.

A Promotoria de Defesa do Meio Ambiente informou ao Ministério Público Federal que iniciara procedimentos investigatórios com relação à “invasão no Morro dos Cavalos, Enseada do Brito, área pertencente ao Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, por parte dos indígenas, sob possível conivência da FUNAI” (fls.97 do P.A. n.º 464/95).

A iniciativa do Ministério Público do Estado de Santa Catarina deu-se em função de provocação feita pelo autor da ação de reintegração de posse, Walter Alberto Sá Bensousan, em pedido protocolado em 16 de dezembro de 1998.

Tanto o Ministério Público Estadual, como demais órgãos ligados à defesa do meio ambiente aparecem como protagonistas em vários momentos do Dossiê “Morro dos Cavalos”. Mais adiante será dedicada atenção ao posicionamento destes atores, quando forem tratadas as diversas concepções jurídicas de terras indígenas.

Do mesmo período (22 de dezembro de 1995) data a “Moção de Repúdio” elaborada pela Câmara Municipal de Palhoça, encaminhada ao Ministério Público do Estado de Santa Catarina. No documento, os vereadores manifestam-se contra a criação do que denominam “reserva indígena” Morro dos Cavalos, “em terras de propriedade do Senhor Manoel Bensousan, uma vez que as terras estão dentro dos limites do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro [..]” (Anexo D).

As lideranças indígenas do "Morro dos Cavalos", “Massiambu” e Tekoa Porã recusaram a proposta contida no relatório do primeiro GT (coordenado por Wagner Antonio de Oliveira), por ser uma área insuficiente para contemplar os elementos de terra indígena previstos no artigo 231, parágrafo 1º da Constituição Federal e, ainda, por ter sido elaborado sem a participação da comunidade indígena. Manifestaram-se por meio de carta destinada ao Departamento de Identificação e Delimitação da FUNAI em 17 de julho de 2000 (Anexo E).

Os Guarani pediam a prorrogação de prazo do GT para que a comunidade indígena pudesse ser ouvida. Pleiteavam a reelaboração da proposta com aumento dos limites da terra, de forma a contemplar toda a área do "Morro dos Cavalos", até a praia, incluindo a foz do Rio Massiambu e as outras duas aldeias.

Em seu requerimento solicitam à FUNAI:

[..] modificação no tamanho da terra, incluindo pelo menos todo o Morro dos Cavalos – até a praia e a Foz do Rio Massiambu; o Tekoa Porã, localizado no outro lado da BR 101, já utilizado por nossos parentes; a inclusão de partes do Rio Massiambu onde desenvolvemos atividades de pesca; e inclusão da aldeia do Massiambu. Dessa forma estaríamos resolvendo de uma só vez o problema de 3 aldeias - Morro dos Cavalos, Massiambu e Tekoha Porã (Anexo E).

Posteriormente, em 4 de dezembro de 2000, a comunidade indígena voltou a dirigir petição ao Departamento de Identificação e Delimitação da FUNAI, reafirmando a proposta anteriormente encaminhada. Acrescentaram, ainda, dados sobre a importância do acesso ao mar, aos rios Massiambu e Massiambu Pequeno, às matas, em ambos os lados da BR-101. Esclareceram sobre a importância da baixada do Rio Massiambu para as atividades de pesca, caça, coleta de matérias para artesanato, lazer, agricultura.

Desta forma, exigiam que a terra contemplasse todos esses locais. Os Guarani reiteravam o pedido de demarcação de toda área do "Morro dos Cavalos", “Massiambu” e Tekoa Porã como uma única terra indígena, solicitando, desta feita, a criação de um novo GT (Anexo F).

A recusa dos povos Guarani com relação ao primeiro relatório de identificação que previa apenas 121,8 hectares é comunicada ao Ministério Público Federal pela FUNAI em 30 de dezembro de 2000.

No período foi elaborado o estudo de impacto socioambiental da duplicação da Rodovia BR-101, em seu trecho sul, que trouxe novos e importantes elementos sobre a ocupação pretérita e atual dos Guarani na região do "Morro dos Cavalos", o que robusteceu a demanda indígena (DARELLA; MELLO, 2005, p.157- 170).

O Ministério Público Federal manifestou-se pela formação do novo GT para a terra Guarani Morro dos Cavalos, por entender razoável o pedido da comunidade, em 11 de junho de 2001 (fls.201 do P.A. n.º 464/95).

Na FUNAI iniciaram-se os trâmites para a formação do novo GT, com a solicitação de um técnico ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), em 8 de agosto de 2001 (fls.214 do PA). Apontando reduzido número de servidores, o INCRA justifica ao Ministério Público Federal a dificuldade no atendimento, em 2 de outubro de 2001 (fls.221/223 do P.A. n.º 464/95).

Superada as dificuldades de formação do grupo, o novo GT finalmente foi constituído, pela Portaria 838 de 16 de outubro de 2001 (Anexo G), resultando no "Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Morro dos Cavalos", sob coordenação da antropóloga Maria Inês Ladeira. O estudo antropológico será analisado pormenorizadamente no próximo item.

Este relatório de identificação e delimitação atendeu à demanda da comunidade Guarani, identificando a Terra Indígena "Morro dos Cavalos", localizada no Município de Palhoça, no Estado de Santa Catarina e delimitando sua superfície em 1988 (mil novecentos e oitenta e oito) hectares e perímetro de 31 (trinta e um) quilômetros.

Aprovado pelo presidente da FUNAI, Artur Nobre Mendes, em 17 de novembro de 2002, teve seu resumo publicado no Diário Oficial da União em 18 de dezembro de 2002 e no órgão oficial do Estado de Santa Catarina em 4 de fevereiro de 2003 (Anexo H).

Logo após a publicação do resumo do relatório no diário oficial do Estado, em 27 de fevereiro de 2003, representantes do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), da FUNAI e da Universidade do Sul do Estado de Santa Catarina reuniram-se na sede Procuradoria da República em Florianópolis com a finalidade de manifestar sua preocupação com relação à ação de indivíduos não identificados que estariam instigando a população local contra os Guarani, gerando insegurança na Aldeia "Morro dos Cavalos" (Anexo I).

Na ocasião, as entidades entregaram documentos e cópia de impresso apócrifo pelo qual a comunidade de Palhoça era convocada para uma reunião que teria sido realizada em 10 de fevereiro de 2003, no salão paroquial da Enseada do Brito, localidade vizinha.

O impresso afirmava que com o reconhecimento da terra indígena “estima-se que virão de 5.000 a 10.000 índios do Uruguai, Paraguai, Argentina e estados do Brasil”. O texto conclamava os moradores a “derrubar o decreto”, pois estariam sendo enganados pela FUNAI (fls.334 do P.A. n.º 464/95).

O Ministério Público Federal diligenciou junto aos diversos órgãos locais, como Delegacia da Polícia do Município, Polícia Militar e Escola Básica no sentido de solicitar atenção e cuidados com o caso, e pronta comunicação à FUNAI, no caso de perturbações que envolvessem os índios (fls.351/356 do P.A. n.º 464/95).

Sandra Helena dos Santos, representante do Conselho Comunitário da Enseada do Brito e Walter Alberto Sá Bensousan, da “Comissão Contrária à Demarcação”, em 20 de fevereiro de 2003, haviam solicitado providências urgentes ao Ministério Público Estadual da Comarca de Palhoça “visando coibir o processo de ocupação ilegal, promovido pela FUNAI que está em curso na região da Enseada do Brito” (fls.676 do P.A. n.º 464/95).

Na petição, os autores informavam que a FUNAI estaria trazendo indígenas diariamente do Paraguai, Argentina, Uruguai, São Paulo e Paraná, e que os índios estariam ocupando áreas de preservação permanente62.

Na mesma data, o Conselho Estadual dos Povos Indígenas de Santa Catarina (CEPIN) solicitou urgência ao Ministro da Justiça no procedimento de demarcação das terras indígenas “Imbu”, “Araçá`i” e "Morro dos Cavalos" devido à situação conflituosa que envolvia essas comunidades. Esclarecem que o pedido teve origem em reunião extraordinária realizada com presença de todas etnias indígenas catarinenses (fls.464 do P.A. n.º 464/95).

Todas as contestações opostas ao relatório de identificação e delimitação da terra indígena "Morro dos Cavalos" foram consideradas

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Em 2002, um grupo familiar Guarani criou uma nova aldeia, nomeada Tekoa Vy’a Porã, situada no lado oeste da BR 101, no interior dos 1988 hectares da terra indígena, o que ensejou a petição mencionada e a comunicação à Promotoria do Meio Ambiente (fls.667-676 do P.A. n.º 464/95).

improcedentes pela FUNAI63, segundo informou o Diretor de Assuntos Fundiários ao Ministério Público Federal (fls.488/489 do P.A. n.º 464/95).

Consta ainda que o procedimento havia tomado o curso previsto pelo Decreto n.º 1.775 de 8 de janeiro de 1996, em seu parágrafo 9º, com encaminhamento ao Ministério da Justiça, em 6 de outubro de 2003.

Por meio de “moção de reivindicação”, de 5 de junho de 2004, as lideranças e representações indígenas solicitavam ao Ministro da Justiça que fosse definido em caráter de urgência a demarcação das terras indígenas em Santa Catarina, apontando que o governador do Estado estaria pressionando politicamente no sentido de paralisar o procedimento e induzir a retirada dos índios do "Morro dos Cavalos" para a passagem da BR-101 (fls.550 do PA n.464/95).

Em sede ministerial64 o processo foi encaminhado previamente à Consultoria Jurídica. Em parecer, o consultor Luiz Armando Badin requereu sua devolução à FUNAI, para que informasse sobre a existência de ações judiciais com relação ao processo, e ainda, juntada de seus andamentos, com petições iniciais e decisões (fls.625 do P.A. n.º 464/95).

Em resposta à demanda da Consultoria do Ministério da Justiça, informou-se que não havia demanda que envolvesse o caso "Morro dos Cavalos", mas que o Ministério Público Estadual postulava em Ação Civil Pública a demolição da escola indígena localizada nesta comunidade (fls.651 do P.A. n.º 464/95).

Com novo retorno do procedimento ao Ministério da Justiça, a Consultora Substituta, Cristiane Schinedier Calderon, manifestou-se pela reavaliação do relatório de identificação e delimitação da terra indígena do "Morro dos Cavalos" a fim de propiciar, segundo justifica, “a necessária segurança ministerial”, em razão de fatos alegados nos Memoriais apresentado pelo Estado de Santa Catarina (Anexo J).

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O processo demarcatório da FUNAI é identificado por FUNAI/BSB/2359/93.

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No Ministério da Justiça o processo recebeu o n. 08620.002359/1993-62 (fls.736/737 do P.A. n.º 464/95).

A Consultora faz menção aos Memoriais e ao acórdão do Tribunal de Contas da União que versou sobre questões da duplicação da BR-10165 para solicitar o encaminhamento dos autos à FUNAI, sugerindo a reavaliação do relatório, em 2 de fevereiro de 2006:

[..] considerando a necessidade de propiciar a necessária segurança ministerial, por ocasião da expedição de portaria declaratória, encaminhem- se esses autos e seus anexos à Fundação Nacional do Índio – FUNAI, sugerindo àquela Fundação que seja reavaliado o relatório de identificação da referida terra indígena, com observância do contido no Memorial apresentado pelo estado de Santa Catarina e acórdão do TCU, precedendo a manifestação conclusiva desta Consultoria Jurídica-MJ" (Anexo K).

Os Memoriais foram apresentados pelo Estado de Santa Catarina, por seu Procurador Geral, Loreno Weissheimer, de 20 de outubro de 2005, por meio do qual busca afastar o reconhecimento da terra Guarani.

Em sua forma textual, o Estado de Santa Catarina requer que a demarcação seja: “[..] julgada improcedente, em vista de estar demonstrado dos autos, não se tratar de terra tradicionalmente ocupada pelos silvícolas e a garantia do direito de propriedade assegurado pela magna carta” (Anexo J, grifo nosso).

Com o acolhimento do parecer da Consultoria Jurídica, os autos foram encaminhados à FUNAI, entrando a demarcação em novo compasso de espera, contra o qual se manifestou a comunidade Guarani.

A comunidade indígena do "Morro dos Cavalos", aos 7 de julho de 2006, em carta ao Ministério Público Federal, relatou que soube da decisão do Ministério da Justiça, por Artur Nobre Mendes da FUNAI, em visita à aldeia no início de fevereiro daquele ano. Segundo consta, foi-lhes informado que até abril do mesmo ano a questão já estaria resolvida, pois faltaria um aprofundamento do relatório (fls.764/765 do P.A. n.º 464/95).

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O parecer da Consultoria Jurídica faz menção de Acórdão do Tribunal de Contas da União, que em sua parte dispositiva determinou a realização de estudos geológicos ao Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes (DNIT) para que fosse encontrada uma solução que considerasse os fatores econômico-financeiros e os interesses sociais e indígenas que envolviam a obra de duplicação da BR-101. Tal informação consta do PA 1052/98 do Ministério Público Federal.

Desta forma, a comunidade solicitou que o Ministério Público Federal intercedesse junto à FUNAI para saber qual era a exata demanda do Ministério da Justiça, e que fossem tomadas outras medidas para que a demarcação seguisse dentro dos parâmetros traçados em lei.

Em ofícios encaminhados à Coordenadora Geral de Identificação e Delimitação (em 1 de agosto de 2006) e à Diretora de Assuntos Fundiários (10 de agosto de 2006), o Ministério Público Federal solicitou, respectivamente, informações sobre a atuação da servidora Blanca Guilhermina Rojas no "Morro dos Cavalos", demandando o contato desta com a Procuradoria e, ainda, informações sobre análise jurídica da procuradoria da FUNAI com relação à decisão de devolução dos autos e reavaliação do relatório.

A Diretora de Assuntos Fundiários da FUNAI, Nadja Havt Bindá, respondeu ao Ministério Público Federal, em 8 de setembro de 2006, informando que o órgão entendeu verossímil a preocupação da Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça, e decidiu pela realização da diligência no "Morro dos Cavalos" “a fim de exaurir qualquer possibilidade de obstáculo técnico ao prosseguimento do processo” (fls.715 do P.A. n.º 464/95).

Com relação à atuação da servidora Blanca Guilhermina Rojas, conforme correspondência de 15 de setembro de 2006, a FUNAI informou que esta teria a incumbência de cumprir as diligências junto ao "Morro dos Cavalos".

O Ministério Público Federal manifestou-se por sua Procuradora Analúcia Hartmann, em 7 de maio de 2007, junto à FUNAI, mediante o instrumento da Recomendação, fundamentada na Lei Complementar 75/93, combinada com a Lei 7347/85, "Lei de Ação Civil Pública" (Anexo L).

Entendeu este Órgão que foram cumpridos todos os requisitos legais previstos no Decreto n.º1.775 de 8 de janeiro de 1996, que define as regras da demarcação, e considerou que a tese da Procuradoria do Estado de Santa Catarina já fora apreciada e recusada pela FUNAI, caracterizando-a como um ato "evidentemente político”.

O Ministério Público Federal recomendou ao Presidente da FUNAI a imediata devolução dos autos ao Ministério da Justiça, com reiteração da conclusão assinada pela presidência em 2002, ou seja, a aprovação do Relatório

Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena “Morro dos Cavalos”.

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