• Nenhum resultado encontrado

Histórico da Fazenda e as origens do patrimônio arquitetônico

4.1. O município de São Lourenço do Sul

4.2.2 Histórico da Fazenda e as origens do patrimônio arquitetônico

Remonta de longa data a história da Fazenda do Sobrado, cujo casarão - construído no final do século XVIII87 - assistiu ao desenrolar

dos acontecimentos históricos do passado, quando esteve sob domínio de várias gerações descendentes da estirpe ‘Costa Santos’ e ‘Santos Abreu’88, até ocupar hoje, posição destacada na vida familiar dos Serpa e

nas atividades atualmente empreendidas na propriedade: a agricultura e o turismo rural.

O próprio nome do município tem suas origens na ‘Fazenda São Lourenço’ que, ao longo do tempo, também veio a ser conhecida como ‘Sobrado dos Abreu’ e ‘Estância do Sobrado’, como ilustra a FIG.10. Todavia, “a referência mais antiga sobre o nome da fazenda do Sobrado é de 1805, em documento que aparece na Vila do Rio Grande sobre o batizado de Ezequiel Soares da Silva, feito na Fazenda do Sobrado”, de acordo com Caldas apud Abreu (2001, p.13).

87 Até então, conforme Abreu (2003), desde Pelotas até Porto Alegre não existia nenhuma construção daquele porte à margem da Lagoa dos Patos, como ilustra a FIG. 6. Nessa condição, o sobrado servia como farol aos navegantes, posto que Ana Joaquina Gonçalves da Silva (Donana), sua benfeitora, colocava, todas as noites, um lampião numa janela situada no alto do segundo andar, o que provavelmente explica a função da saliência externa que avança além da janela. (FIG. 42 e 43, do APÊNDICE).

88 A árvore genealógica resgatada pelos descendentes da família Santos Abreu surge como importante legado à história, contribuindo à compreensão dos fatos passados e ao próprio entendimento do momento presente, então situado neste contexto.

FIGURA 10 - Fotografia do início do séc.XIX, nos fundos do casarão. FONTE - Arquivo da Casa da Cultura de São Lourenço do Sul.

A enorme extensão de terras cujos limites originais eram o Rio Camaquã e o Rio Turuçu (atualmente divisas de São Lourenço com os respectivos municípios de mesmo nome), estão na origem da atual Fazenda do Sobrado. Sua história passa primordialmente pelo capitão Joaquim Gonçalves da Silva89, o primeiro dono das terras onde hoje se

localiza a Fazenda do Sobrado. Segundo Abreu (2001, p.12), Joaquim, “o qual era senhorio das sesmarias onde hoje se instala a cidade de Porto Alegre, recebeu terras em ambas as margens do Rio Camaquã”, deixando como herança para os seus filhos, Bento Gonçalves da Silva e Anna Joaquina Gonçalves da Silva (Donana), porções de terras situadas, respectivamente, à margem esquerda do Rio Camaquã (Estância do Cristal), e à sua margem direita, até o arroio hoje conhecido como São Lourenço.

89 Sobre o Capitão Joaquim Gonçalves da Silva, o historiador Abreu (2001, p.12) afirma que era “sediado em Triunfo e natural de Santa Marina do Real, bispado de Lamego (Portugal), casado com Perpétua da Costa Meireles”, com quem teve vários filhos, entre os quais o Gal. Bento Gonçalves da Silva e Ana Joaquina Gonçalves da Silva (Donana).

Donana casou-se com José da Costa Santos90 que se tornou

proprietário das terras entre Boqueirão e São Lourenço, tendo posteriormente construído como sede da sua fazenda o sobrado, ao qual deu o nome de São Lourenço. A partir de 1830, ele tornou-se protagonista da história da família Abreu, como será apresentado a seguir.

Em 1831, por ocasião do casamento da filha caçula do casal, Perpétua da Silva Santos91, com Antônio Francisco dos Santos Abreu

(que já administrava a fazenda herdada, mas ainda não partilhada) - permanecendo o jovem casal instalado no próprio sobrado - e do nascimento dos seus doze filhos92, os sinhozinhos do sobrado, o casarão

ficou conhecido como “Solar dos Abreu” (FIG.10).

Por sua vez, a filha do casal, Ana Joaquina dos Santos Abreu, casou-se com um primo, o Cel. José Antônio de Oliveira Guimarães. Este último, juntamente com Jacob Rheingantz, é considerado fundador da colônia alemã São Lourenço (1884), então instalada em terras que lhe pertenciam por partilha de sua mulher (co-herdeira do sobrado), na margem esquerda do Arroio São Lourenço e para onde foram trazidas e fixadas cerca de mil famílias. Com o desenvolvimento da colônia e da Fazenda São Lourenço, o loteamento próximo ao porto cresceu até

90 José da Costa Santos, natural do Rio de Janeiro, é considerado fundador da Vila do Boqueirão, cujas terras são provenientes da doação que este fez juntamente com Donana, em nome de N. Sra da Conceição (padroeira do município), conforme o testamento de 1826. Teria designado ao sobrado o nome ‘São Lourenço’ em homenagem ao santo a quem era devoto, e cuja imagem ficou resguardada numa capelinha - que, segundo consta, teria existido na fazenda - até o momento em que foi construída a igreja da matriz, para onde foi transladada. 91 Então sobrinha do Gal. Bento Gonçalves que vinha à Fazenda visitá-la.

92 Os filhos homens estudaram no Rio de Janeiro, então sede da Coroa Portuguesa, e quando eclodiu a Guerra do Paraguai, com a convocação dos Voluntários da Pátria pelo Império, três deles apresentaram-se: Joaquim Francisco dos Santos Abreu, era oficial da Marinha e ficou conhecido como Almirante Abreu e herói da Guerra do Paraguai; seu irmão mais velho, Antônio Francisco dos Santos Abreu, foi incorporado como oficial médico e intitulado Barão dos Santos Abreu; e finalmente, o jovem Vicente dos Santos Abreu, já engajado nas tropas da Tríplice Aliança para combater o Paraguai, lhe foi concedida a posição de alferes. Com isso, guarda-se no nome das ruas do município a lembrança de personalidades ilustres da época, que viveram no sobrado, tal como em Pelotas e Porto Alegre.

atingir a condição de vila. Esse período corresponde à segunda fase da história do município.

Segundo Abreu (2001, p.19), Joaquim José Inácio de Oliveira Guimarães (pai do Cel. José Antônio e sogro de Ana Joaquina) teria assumido o papel de chefe farroupilha, ou seja, chefe do governo que ficou, então, centralizado no Boqueirão93 depois que todo o governo de

Pelotas (ricos e monarquistas) fugiu para Rio Grande, durante a Revolução Farroupilha (1835–1845). Foi por intermédio de Joaquim José Inácio que a Fazenda do Sobrado proporcionou apoio logístico aos farrapos (escravos, cavalos, gado, construção e reparo de barcaças e lanchões). Nesse mesmo período, ela também foi utilizada como quartel- general por Bento Gonçalves e seus comandados, além de ter prestado auxílio e abrigo a Giuseppe Garibaldi que ali se resguardava da Armada Imperial. Segundo consta, era na fazenda que se reunia o alto comando para deliberação dos rumos da guerra na região do litoral94.

Pelo que foi exposto até então, fica claro que a posse das terras da Fazenda do Sobrado foi passando de uma geração a outra no decorrer dos anos e, por que não dizer, dos séculos, alternando-se entre os herdeiros dos primeiros donos. Após percorrer os veios de uma grande árvore genealógica e reduzindo-se a frações de terra cada vez menores, a Fazenda do Sobrado veio a constituir-se numa propriedade de terceiros, da família Serpa, não descendentes da estirpe ‘Costa Santos’ ou ‘Santos Abreu’, como será apresentado no capítulo seguinte.

93 Há registros de que em 23/07/1842, o movimento revolucionário farroupilha chegou ao município, mais precisamente no Boqueirão, onde foram derrotadas as forças legalistas comandadas por Francisco Pedro de Abreu (Cap. Pedro Francisco Abreu).

94 Segundo relatos históricos (Abreu, 2001, p.23), a Fazenda do Sobrado ter-se-ia constituído como “um ponto de destaque na região de tal ordem, que chegou a hospedar a Princesa Isabel e acompanhantes”, tendo sido “diversas vezes requisitada, não só no período da Revolução Farroupilha, como também na Guerra do Paraguai”.

5

PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO E TURISMO RURAL NA FAZENDA DO SOBRADO:

OBJETOS E AÇÕES, TEMPOS E VIVÊNCIAS

O estudo da Fazenda do Sobrado, cujo produto turístico consolidou-se ao longo do tempo a partir da conversão do patrimônio arquitetônico como atrativo, investiga-o sob vários aspectos procurando mostrar o quão rica e fecunda essa experiência se apresenta no contexto analisado.

De um lado, essa riqueza aparece como resultado da justaposição de ações, tempos e vivências, entrelaçando o presente ao passado e sobrepondo as histórias de vida dos seus protagonistas (colonizadores, estancieiros, farroupilhas, produtor rural e família empreendedora).

Por outro lado, a sua experiência com o turismo rural coloca em evidência a potencialidade turística do patrimônio arquitetônico rural expondo, por conseguinte, as benesses geradas pela prática da atividade. Seja pela sua contribuição econômica (ao empreendedor familiar e ao desenvolvimento das localidades), ou sóciocultural, capaz de englobar distintamente vários segmentos da sociedade urbana e rural, a experiência em estudo parece pródiga e fecunda, ganhando vida a partir das ações humanas sobre o território, em que se incluem: a agricultura, a produção arquitetônica e, mais recentemente, a atividade turística rural (FIG. 11).

FIGURA 11 – Esquema ilustrativo FONTE – Elaborado pela autora.

Ag ricu ltura FAZENDA DO SOBRADO Patrimônio arquitetônico