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1. INTRODUÇÃO

3.2. O APROVEITAMENTO DE ÁGUA DA CHUVA

3.2.1. Histórico

O manejo e o aproveitamento da água de chuva tem sido uma prática exercida por diferentes civilizações e culturas ao longo do tempo. Passando pelo Oriente, Oriente Médio, Europa, e pelos Incas, Maias e Astecas na América Latina, relatos de dispositivos de coleta e armazenamento de água de chuva remontam a sistemas construídos e operados há mais de 2.000 anos (PROSAB, 2006).

A coleta de água de chuva é uma técnica popular em muitas partes do mundo, especialmente em regiões áridas e semi-áridas (que abrangem mais ou menos 30 % da superfície da terra), onde as chuvas ocorrem somente em poucos meses do ano e com bastante variabilidade interanual. A coleta de água de chuva foi inventada independentemente em diversas partes do mundo e em diferentes continentes há milhares de anos (GNADLINGER, 2006).

No Sul da África, o “Homo sapiens” colhia água de chuva em ovos de avestruz, os enterrava e guardava para tomar a água na estação de seca, há 200.000 anos atrás. Os romanos eram famosos por terem levado água para as cidades através de aquedutos, mas usavam também a captação de água de chuva em larga escala. Deles, os árabes herdaram as tecnologias, as quais novamente serviram de exemplo para os espanhóis e portugueses. Os portugueses implantaram a captação de água de chuva em vários lugares do mundo. Cita-se como exemplo as Ilhas Madeira e Porto Santo, porém não no Brasil, visto que para os portugueses se tratava de um país rico em água, sendo o sertão utilizado para criação de animais, e não para a agricultura (GNADLINGER, 2006).

No Oriente Médio, foi encontrada uma das inscrições mais antigas do mundo, a conhecida Pedra Moabita, datada de 850 a.C. Nela o Rei Mesha, dos Moabitas, sugere que seja feito um reservatório em cada casa para aproveitamento da água da chuva. Na Mesopotâmia, há

2.750 a.C já era utilizada água da chuva e foram descobertos mais recentemente, na mesma região, 12 reservatórios subterrâneos utilizado no processo de armazenamento de águas pluviais (TOMAZ, 2003).

No Irã, as cisternas subterrâneas feitas com massa de cal e tijolos são utilizadas há mais de 3 mil anos. Neste país, são chamados de Abanbars (Figura 2) os sistemas tradicionais comunitários de captação de água pluvial (PROSAB, 2006).

Figura 2: Abanbar, tradicional sistema comunitário de captação de água pluvial no Irã.

Fonte: PROSAB (2006).

Na França, em 1703, Philippe La Hire desenvolveu equipamentos, como um filtro de areia e um reservatório, que tratava e armazenava água das chuvas de Paris para uso residencial (VIDAL, 2002, apud JAQUES, 2005).

Nas Américas, os povos pré-colombianos usavam a captação e o manejo de água de chuva em larga escala. O México é um país rico em antigas tecnologias tradicionais de armazenamento de água pluvial, datadas da época dos Astecas e Maias. Ao sul da cidade de Oxkutzcab, junto ao monte Puuc, ainda hoje podem ser vistas as obras do povo Maia. No século X existia ali uma agricultura baseada no aproveitamento de água pluvial. As pessoas viviam nas encostas e a água potável era recolhida nos Chultuns, cisternas com capacidade de 20 a 45 m3 (GNADLINGER, 2006).

No semi-árido brasileiro, a agricultura foi introduzida somente em um passado recente. A população local não teve muita oportunidade de fazer experiências com métodos de manejo de água de chuva e

menos ainda, de aprender a viver e trabalhar em um clima semi-árido (GNADLINGER, 2006).

Os primeiros relatos de utilização da água de chuva no Nordeste brasileiro datam de 1587, referindo-se ao uso, pela população de Olinda- PE, de água de chuva captada dos telhados do Colégio dos Jesuítas. Em 1624, Frei Jaboatão, do Convento Franciscano, em seu “Novo Orbe Seráfico Brasílico” descreve a construção de uma grande cisterna usando como área de captação os telhados altos do Convento Franciscano de Olinda, e armazenando água em quantidade suficiente para o convento e para a população circunvizinha (MELLO, 1991, apud XAVIER, 2010). Em 1943, o exército norte-americano construiu um sistema de aproveitamento de água da chuva na Ilha Fernando de Noronha (PROSAB, 2006).

Em Santa Catarina, tem-se o primeiro uso comprovado da chuva no século XVIII, por ocasião da construção das Fortalezas de Florianópolis. Na Fortaleza de Ratones, que está situada na pequena ilha de Ratones, sem fonte de água, foi construída uma cisterna que coletava a água dos telhados, e que era usada para fins diversos, inclusive para o consumo das tropas (PIAZZA, 1983, apud DE OLIVEIRA, 2004).

Nos tempos modernos, as tecnologias de captação de água de chuva começaram a ser menos utilizadas. Na península de Yucatã, o desaparecimento do uso de coleta de água de chuva aconteceu em parte pelas lutas entre os diversos povos indígenas, mas principalmente pela invasão espanhola no século XVI, com a introdução de outro sistema de agricultura, vários novos animais domésticos, plantas e métodos de construção europeus (GNADLINGER, 2006).

O progresso técnico do século XIX e XX ocorreu principalmente nos assim chamados países desenvolvidos, em zonas climáticas moderadas e mais úmidas, sem estação de seca expressiva, e portanto, sem necessidade de captação de água de chuva. Como conseqüência da colonização, práticas de agricultura de zonas climáticas moderadas foram implantadas em zonas climáticas mais secas. Além disso, no século XX, houve uma ênfase em megaprojetos tecnológicos, como na construção de grandes barragens, no desenvolvimento do aproveitamento de águas subterrâneas, e em projetos de irrigação encanada, com altos índices de uso de energia fóssil e elétrica. Estas são algumas razões – em parte ainda hoje defendidas - porque as tecnologias de coleta de água de chuva foram postas de lado ou completamente esquecidas (GNADLINGER, 2006).

Em muitas regiões semi-áridas do mundo, o crescimento populacional e mudanças de hábitos de uso de água e de alimentação

exercem pressão sobre o abastecimento de água para consumo humano, para os animais e para a agricultura. Projetos de agricultura e água baseados em alto consumo de energia e tecnologias sofisticadas se mostram cada vez menos sustentáveis. Ao mesmo tempo, tecnologias e descobertas e/ou materiais modernos, permitem uma nova abordagem na construção de tanques de armazenamento e áreas de captação. Tudo isso levou a uma nova expansão dos sistemas de captação de água de chuva, tanto em regiões onde já eram usados anteriormente, como em áreas onde até então eram desconhecidos (GNADLINGER, 2006).

Exemplos de Sistemas de Aproveitamento de Água da Chuva Em Berlim, foram introduzidos sistemas de águas pluviais, no final do século passado, como parte de uma estratégia de desenvolvimento urbano. A coleta da água de chuva era realizada em 19 edifícios, totalizando uma área de captação de 32.000 m2. Esses edifícios possuem um sistema de canalização da água coletada que a direcionava para um tanque de 3.500 m3, com objetivo de controlar as inundações urbanas e armazenar água para regar zonas verdes, reposição de um lago artificial e outras funções menos nobres (RAINWATER HARVESTING AND UTILISATION, 2002).

Em Tóquio, A arena Royogoku Kokugikan, construída em 1985, utiliza a água pluvial em grande escala para descarga de vasos sanitários e uso no condicionamento do ar. A água pluvial é captada a partir do telhado (com uma área de 8400 m2) e encaminhada para um tanque de armazenamento subterrâneo de 1000 m3. O edifício Sumida City Hall usa um sistema semelhante. O Rojison (Figura 3) é um sistema simples e único de utilização de água pluvial a nível comunitário, erguido pelos residentes locais, que visa utilizar a água pluvial recolhida dos telhados das habitações unifamiliares para rega de jardins, combate a incêndios e obtenção de água potável em casos de emergência (RAINWATER HARVESTING AND UTILISATION, 2002).

Figura 3: Rojison de Tóquio.

Fonte: Rainwater Harvesting and Utilisation (2002).

Nas Filipinas, um programa de aproveitamento da água foi iniciado em 1989, na província de Capiz, com o apoio da Canadian International Development Research Centre (IDRC). Cerca de 500 reservatórios de armazenamento de águas pluviais foram construídos, em ferro-cimento e com capacidade variando de 2 a 10 m3 (RAINWATER HARVESTING AND UTILISATION, 2002).

Na Tailândia, foi criado em 1980 o PNJAP (Programa Nacional de Jarras de Água Potável), cujo objetivo foi a promoção do uso de jarras de 2m3 pelas famílias rurais como meio de armazenamento de água potável (Figura 4). Foram estabelecidos 50 litros de água por dia como quantidade necessária para uma pessoa na área rural - 5 litros para consumo humano e 45 litros para outros usos domésticos. O governo subsidiou os custos de pesquisa (para definir desenhos e técnicas de fabricação adequadas), treinamentos, e o material de construção. Atualmente, na área rural do Nordeste da Tailândia, praticamente não existem casas sem jarras para o armazenamento de água da chuva. Um grupo de 5 operários - dois homens e 3 mulheres - executa 8 jarras por dia, trabalhando-se 5 horas por dia. O formato da jarra é esférico e, portanto, uma forma estruturalmente otimizada. A tecnologia de construção é simples, rápida e barata, usam-se apenas areia grossa, argila e cimento. Depois da jarra pronta, a água da chuva é coletada por uma calha, que conduz a água a um funil conectado a uma mangueira

Calha Casa Chuva Tanque de sedimentação Reservatório de armazenamento Bomba manual

flexível que pode ser colocada nas diferentes jarras. Uma jarra é vendida por THBs 700,00 (moeda local), o que equivale a R$ 40,00 (quarenta reais). Os fabricantes dão uma garantia de 5 anos contra rachaduras, mas a vida útil é estimada em 20 anos (GNADLINGER, 2009).

Figura 4: Jarras da Tailândia.

Fonte: Gnadlinger (2009).

No Planalto de Loess, do norte e noroeste da China, a agricultura depende principalmente da chuva como fonte de água. Nos últimos anos, o governo local da província de Gansu colocou em prática o projeto de captação de água de chuva denominado “121”: o governo auxiliou cada família a construir uma (1) área de captação de água, dois (2) tanques de armazenamento de água e um (1) lote para plantação de culturas comercializáveis. Atualmente, o método é usado em 17 províncias da China para fornecer água potável para 15 milhões de pessoas e praticar irrigação suplementar em 1,2 milhão de hectares, através de 5,5 milhões de cisternas construídas nos últimos sete anos (GNADLINGER, 2006).

Na Africa, a coleta de água da chuva está cada vez mais difundida, com recentes projetos em Botswana, Togo, Mali, Malawi, África do Sul, Namíbia, Zimbabwe, Moçambique, Serra Leoa e Tanzânia, entre outros. No Quênia, muitos projetos surgiram em diferentes partes do país desde o final dos anos 1970, cada um com seus próprios modelos e estratégias de implementação. Esses projetos, em associação com os esforços dos construtores locais chamados de "Fundis", têm sido responsáveis pela construção de muitas dezenas de milhares de cisternas de ferro-cimento em todo o país, como mostra a Figura 5 (RAINWATER HARVESTING AND UTILISATION, 2002).

Figura 5: Reservatórios de armazenamento de água da chuva construídos por “Fundis” no Quênia.

Fonte: Rainwater Harvesting and Utilisation (2002).

No Brasil, destaca-se o programa “Um Milhão de Cisternas – P1MC”, elaborado pela Articulação no Semi-Árido Brasileiro – ASA, e financiado por organizações governamentais e pelo setor privado. Iniciado em julho de 2003, O P1MC vem desencadeando um movimento de articulação e de convivência sustentável com o ecossistema do Semi-Árido, através do fortalecimento da sociedade civil, da mobilização, envolvimento e capacitação das famílias, com uma proposta de educação processual. O objetivo do P1MC é beneficiar cerca de 5 milhões de pessoas em toda região semi-árida, com água potável para beber e cozinha. Dos modelos de cisternas existentes, o P1MC escolheu a cisterna de placas pré-moldadas, principalmente pela facilidade de construção e de reprodução da tecnologia de construção, e baixos custos. O modelo tem capacidade de armazenamento de água de 16 m3, suficientes para atender às necessidades básicas de uma família com cinco pessoas, por um período sem chuvas de até 240 dias (ASA BRASIL, 2009).

No setor de agricultura, o P1MC foi complementado pelo programa “Uma Terra e Duas Águas – P1+2”. O objetivo deste programa é ir além da captação de água de chuva para o consumo humano, avançando para a utilização sustentável da terra e o manejo adequado dos recursos hídricos para produção de alimentos (animal e vegetal), promovendo a segurança alimentar e a geração de renda. O número "1" significa terra suficiente para se desenvolver processos produtivos visando segurança alimentar e nutricional, e o "2" corresponde a duas formas de utilização da água - água potável para cada família do Semi-Árido e água para a produção agropecuária. Em janeiro de 2007, o P1+2 iniciou sua fase demonstrativa, na qual pretende uma maior interação entre as experiências de manejo produtivo e sustentável da terra e dos recursos hídricos (ASA BRASIL, 2009).

Além dos programas de combate à seca, existem instituições internacionais e nacionais que promovem congressos, reunindo estudos sobre o aproveitamento da água da chuva realizados pelo mundo, como a International Rainwater Catchment Systems Association (IRCSA), a American Rainwater Catchment Systems Association (ARCSA) e a Associação Brasileira de Captação e Manejo de Água de Chuva (ABCMAC).

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