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O histórico e suas relações com a teoria

No documento MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL SÃO PAULO 2008 (páginas 99-102)

A EXPERI ÊNCI A DO PROGRAMA SAPECA SERVI ÇO ALTERNATI VO DE PROTEÇÃO ESPECI AL À CRI ANÇA E AO ADOLESCENTE

6.2 O histórico e suas relações com a teoria

No ano de 2005, a entrada da coordenadora do programa no curso de pós- graduação em Serviço Social da PUC SP, trouxe a oportunidade do acesso a outro espaço de interlocução e de reflexão teórico-metodológica para os profissionais do SAPECA. Esse espaço ainda foi ampliado com o seu engajamento, como pesquisador efetivo, nas discussões e reflexões do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Criança e o Adolescente – NCA/ PUCSP onde, em várias oportunidades, teve ocasião de participar nos eventos por ele promovidos e de realizar palestras e discussões em torno dos temas Acolhimento Familiar e Convivência Familiar e Comunitária - em algumas delas com a participação de sua equipe. Também naquele espaço foram propiciadas discussões com grupos ampliados, sobre as questões legais dos programas de famílias acolhedoras, contando com a presença de profissionais do Sistema Judiciário de São Paulo.

Este novo espaço de reflexão oportunizou uma ampliação do olhar para as questões postas pela prática cotidiana do programa, desvelando que o cuidado de crianças e de adolescentes vítimas de violência doméstica em um contexto de vulnerabilidade social trazia outro desafio a seus profissionais: a necessidade de uma perspectiva teórico-metodológica que possibilitasse à equipe o alcance das diferentes dimensões da realidade e perceber a violência doméstica como uma das formas de expressão das relações de sociedade determinadas pela questão social65.

65

O termo “questão social” aqui proposto se apoia na concepção de José Paulo Netto, apresentada na 33ª Conferência Mundial de Escolas de Serviço Social, em Santiago do Chile, 28/31 de agosto de 2006. Para Netto, a chamada questão social, é o espaço em que a desigualdade se expressa com evidência flagrante e do qual se irradiam as problemáticas centrais de que se ocupa o Serviço Social.

Evidenciou-se, então, a importância de fundamentar as reflexões e as práticas desenvolvidas pela equipe em uma teoria sócio-histórica que desvelasse a relação intrínseca existente entre as diversificadas e contraditórias dimensões de seu objeto. I sso significava que precisaria ser uma teoria cujo método tivesse por base uma perspectiva que possibilitasse o alcance da totalidade, que reconstituiria a unidade, não apenas entre os eixos que já vinham sendo trabalhados - voltados para as cotidianidades e suas circunstâncias imediatas - mas também entre as relações dos mesmos com as conjunturas que estariam na gênese das situações sociais em foco. É a partir desta perspectiva sócio-histórica que a equipe de profissionais teria condições de apreender a relação que existe entre o todo – o contexto histórico social - e as partes - os fatos sociais imediatos.

Ficou evidente também que essa relação de totalidade, embora não tivesse ainda sido tornada explícita nas discussões da equipe, já vinha caracterizando a forma como se estruturaram as diferentes dimensões de sua prática, evidenciando, para além dessas diferenças, a valorização da transdisciplinaridade e da trans- setorialidade da abordagem, no sentido de reconstituir a unidade de seu objeto de intervenção no contexto da diversidade das ações necessárias para superação das questões postas.

Por essa época o SAPECA já desenvolvia ações nas seguintes dimensões:

a) sobre o imediato, nas quais o eixo de interesse é a singularidade dos sujeitos com os quais interage: as crianças e os adolescentes (como sujeitos de direitos, de necessidades e de carecimentos), as famílias (de origem e acolhedoras), os diferentes membros da equipe, os parceiros. Nessa dimensão, segundo Heller (2004:27), o sujeito se expressa como ser individual66, único e complexo, pela sua capacidade de assimilação e de manipulação da realidade, cuja relação com o mundo é motivada por seu eu – este sujeito tem um projeto próprio

66 Chamamos ‘indivíduo’ a todo ser particular para o qual a própria vida converteu-se conscientemente em objeto.E isso

precisamente por tratar-se de um ser capaz de assumir-se conscientemente como membro de uma espécie. (Agnes Heller, 1994:12)

de sociedade, que tanto pode ser expressão de sua reflexão crítica, de seu posicionamento e comprometimento com o futuro da humanidade, quanto pode ser produto de sua alienação;

b) sobre as particularidades da questão e dos grupos sociais em foco, nas quais os fatos parciais e singulares são apreendidos como exteriorização da vida coletiva – o que significa que a reflexão e as ações desenvolvidas pelo SAPECA não se limitam a focar seus usuários diretos como sujeitos isolados, mas têm sempre em vista os aspectos específicos e as questões das coletividades nas quais eles se inserem. As pessoas que deles participam são apreendidas como sendo, ao mesmo tempo, sujeitos singulares, e expressão dos grupos sociais dos quais fazem parte como sujeitos coletivos. Lucien Goldmann (1979:18) nos diz que quase nenhuma ação humana tem por sujeito um indivíduo isolado. O sujeito da ação é um grupo, um ‘nós’, mesmo se a estrutura atual da sociedade, pelo fenômeno da reificação, tende a encobrir esse ‘nós’ e a transformá-lo em várias individualidades distintas e fechadas umas às outras. Há entre os homens uma outra relação possível alem da relação de Eu e Tu: é uma relação de comunidade que chamaremos de Nós.

c) sobre a universalidade da questão, nas quais os interesses estão orientados para a transformação das relações dos homens com os outros homens e com a sociedade como um todo. Nessa dimensão, o indivíduo é visto como um ser social. Nessa perspectiva, os membros da equipe, os usuários de seus serviços e os parceiros de suas ações são tomados como sujeitos políticos, não reduzindo sua preocupação apenas à dimensão de cuidados limitados à criança e ao adolescente sob sua responsabilidade, mas levando em conta os direitos de cada cidadão e, especificamente, de todas as crianças e de todos os adolescentes.

Encontramos constantemente na equipe de profissionais a expressão: queremos pensar no singular e no plural; desenvolvemos nosso trabalho com as crianças e as famílias e, ao mesmo tempo, procuramos influenciar a política, pois é assim que nos sentimos participativos no social - propondo políticas a partir da prática. Foi sempre um compromisso do Programa, trabalhar para contribuir para a

construção de uma cultura de acolhimento e isso pode ser sentido também entre as famílias acolhedoras.

A idéia da equipe do Programa é que seu trabalho não se esgote no “em si”, não se esgote nele próprio. Propõe-se, portanto, um processo de estar em outros lugares, levando e trazendo conhecimentos, o que tem possibilitado um percurso de trocas e o reconhecimento do que têm construído. Esta posição tem, também, possibilitado pôrem-se em andamento algumas propostas de mudanças nas políticas e de aprimoramento da legislação. Nesse sentido, o trabalho se faz não apenas pensando o singular, mas, também, ao mesmo tempo, pensando o plural, influenciando as práticas e as políticas. É nesse sentido que nos sentimos participantes da sociedade: levando propostas a partir de reflexões calcadas em nossas práticas.

Com o passar do tempo, cada vez mais a atuação do Programa foi evidenciando as várias dimensões possíveis de sua ação: de trabalho direto, de trabalho político, de trabalho de construção de conhecimento e de disseminação de suas propostas e abordagens. O modo como o SAPECA vem sendo desenvolvido tem possibilitado experiências de práticas que configuram avanços na implementação das normativas do ECA. Para que esses avanços se estabeleçam em termos de políticas, sua equipe considera que é preciso que a sociedade se movimente nesse sentido, sem apenas esperar que as decisões venham de cima para baixo. O conhecimento acumulado em sua experiência tem possibilitado uma valiosa contribuição para a construção de propostas de políticas públicas e de aprimoramento da legislação na área da infância e da juventude e, também, para a implantação em outros espaços, de serviços similares.

No documento MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL SÃO PAULO 2008 (páginas 99-102)