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3 A SANÇÃO CRIMINAL

3.1 HISTÓRICO

Pena e medida de segurança são as sanções de natureza criminal previstas no ordenamento jurídico-penal brasileiro. Atualmente, as penas são dedicadas exclusivamente aos imputáveis, enquanto as medidas de segurança destinam-se apenas aos inimputáveis, ou seja, àquelas pessoas incapazes de culpa, nos termos do artigo 26 do Código Penal pátrio.107

A pena é a consequência jurídica do crime. Conceitua-se crime como a ação típica, ilícita e culpável.108 Neste contexto, somente a pessoa capaz de culpabilidade pode se sujeitar à pena, como explicitado. Desta forma, não cometem delito os inimputáveis. Submetem-se, todavia, às medidas de segurança, na sistemática adotada pelo Direito brasileiro atual. No direito penal brasileiro moderno, portanto, as penas e as medidas de segurança excluem-se mutuamente. A reforma do Código Penal de 1984 implantou no ordenamento penal brasileiro o sistema vicariante, em contraposição ao sistema do duplo binário, então vigente.

Antes da reforma penal referida, as medidas de segurança aplicavam-se concomitantemente às penas, nas hipóteses em que estas não se mostrassem suficientes para inibir a perigosidade dos apenados e defender a sociedade contra a ação anti-social dos delinquentes. A idéia de periculosidade e de medida de segurança adveio com a Escola Positiva do Direito Penal.

107 Os menores de 18 anos são inimputáveis, mas não estão sujeitos a pena. Submetem-se a estatuto legal

próprio.

108 Adota-se, no presente trabalho, a definição tripartite de crime, em consonância com a posição dominante

da doutrina. Entende-se que a culpabilidade integra o conceito de crime, não sendo apenas pressuposto da aplicação da pena. O pressuposto para a aplicação da pena é o delito, e não somente um elemento que o compõe. A respeito, veja-se BRANDÃO, Cláudio Brandão, Curso de Direito Penal: parte geral, p. 128-131.

O delito, na concepção clássica, é um ente jurídico. O fato criminoso deve ser punido, abstraindo-se considerações sobre a pessoa de quem delinque. Razões de política criminal fizeram o Direito Penal voltar-se à pessoa, diante das considerações de que as concepções da escola clássica não atendiam aos reclamos da defesa social e da prevenção de crimes.

A atenção volta-se, então, ao sujeito criminoso. Surgem, neste contexto, as idéias de temibilidade, de Garófalo, e de periculosidade, de Ferri. A sanção criminal deveria fazer cessar no delinquente o estado de perigo, estado esse que consistia em ameaça à sociedade e ia de encontro aos reclamos da defesa social.

A pena, aplicada isoladamente, tendo como fundamento o fato criminoso, era insuficiente para atender a esta nova expectativa em relação à função do Direito Penal, que visava assegurar à sociedade da ação criminosa das pessoas perigosas e, assim, atender aos clamores da defesa social. Ao lado das penas, então, surgiram as medidas de segurança, que tinham fundamento diferenciado: se as penas limitavam-se e fundamentavam-se na culpabilidade – reprovabilidade da conduta do sujeito, que não agiu de acordo com a norma, embora lhe fosse factível –; as medidas de segurança tinham como pressuposto a periculosidade do sujeito, ou seja, a probabilidade de voltar a cometer crimes.

Passou-se, pois, do Direito Penal do fato para o Direito Penal do autor, circunstância explicitada por Luis Jiménez de Asúa:109

O Direito Penal começa já a olhar o homem, não exclusivamente o ato. E não só o homem como ente abstrato e em geral, senão ao homem real, vivo e efetivo, a sua total e exclusiva individualidade. A pena não atende só ao fato isolado, que quebranta o Direito, senão que o olha em relação em relação a toda vida anterior e posterior do sujeito.

[...]

Eis aqui, como, nas novas directrizes da ciência penal, vai perdendo importância o ato delituoso, passando o sujeito homem ao primeiro plano.

A mudança de concepção foi exposta por Pagnella Boshi:110 “A idéia de retribuição da sociedade ao delinqüente – dos clássicos – seria substituída, então, pelos positivistas, pela idéia de defesa da sociedade contra os perigosos.”

É importante ressaltar o contexto histórico em que ascendeu a doutrina da defesa social e a análise antropológica dos criminosos. Era o auge das ciências naturais – para firmar-se como ciência, o Direito deveria ter comprovação empírica, no mundo dos fatos naturalísticos.

As ciências por excelência eram as ciências naturais. Os cientistas do Direito, por conseguinte, passaram a buscar fundamento para afirmar o Direito como ciência nas ciências naturais – importaram-se, pois, os métodos e as técnicas.

Surge, então, Cesare Lombroso e a análise dos crânios e das características morfológicas presentes nos delinqüentes. Formou-se, a partir daí, uma tipologia dos seres humanos, incluindo dos criminosos: determinadas características físicas indicariam a personalidade criminosa.

Lombroso é o criador da antropologia criminal. A criminalidade, para o cientista em questão, é inata e o delito tem raízes biológicas. Nas palavras de Jay Gold111:

Além de sua repercussão específica, a antropologia criminal de Lombroso veio principalmente reforçar o argumento do determinismo biológico quanto aos papéis desempenhados pelos atores e seu ambiente: os atores obedecem a sua natureza inata. Para compreender o crime, é preciso estudar o criminoso, não a forma como este foi criado, sua educação ou as dificuldades que podem tê-lo incitado a roubar ou pilhar.

Ferri, por seu turno, trouxe à Escola Positiva a sociologia. Fez a tipificação do diversos tipos de delinqüentes: nato ou instintivo ou por tendência congênita; louco; habitual; ocasional e passional.112 Como desdobramento de sua teoria, entendia que a sanção

110 BOSCHI, Paganella. Das penas e seu critério de aplicação, 106. 111 GOLD, Stephen Jay. A falsa medida do homem, p. 135.

criminal deveria adequar-se ao tipo de criminoso, para tratá-lo. Mais importante que o crime em si, era a análise do tipo do delinqüente.

Ao lado dessa concepção de ciência, que valorizava as ciências naturais, tem-se a revolução industrial e a formação de uma nova classe social, o proletariado e, ao lado destes, os marginalizados do sistema econômico que então surgia. Os conflitos que afloraram desta nova ordem social, econômica e política fizeram crescer a criminalidade e, consequentemente, os reclamos para que o Direito Penal respondesse mais agilmente a tal circunstância.

José Luis Guzmán Dalbora113 analisa esta conjuntura histórica:

La revolución industrial em Inglaterra, el triunfo político de la burguesia em Francia y lãs transformaciones que entrambos fenômenos produjeron em la estructura social e econômica de Europa dieron origen a La formación Del proletariado y de los marginados em lãs principales ciudades, al calor de uma explosión y unos movimientos demográficos que corrián a las parejas de las crecientes possibilidades productivas. Los conflitos de todo orden surgidos de estas circunstancias no puddiern por menos que aumentar La criminalidad – em especial, La reincidente – y, sobre todo, infundir temor em los grupos hegemônicos, que cayeron em La cuenta de que las garantias Del Derecho penal por ellos construído como paladión contra El estamento que antes oprimió, representaban ahora una incómoda barrera, um lastre que entorpecia La apremieante necessidad de encarar más maviza e ilimitadamente las classes

peligrosas, la mala vida que bullia em los centros urbanos.

Neste contexto, a pena passou a ser entendida como insuficiente para a prevenção dos delitos. Necessária outra forma de reprimenda penal, voltada para o autor do fato, como forma de coibir a criminalidade que crescia. Surge, então, em contraposição à Escola Clássica, a Escola Positiva, que pensa o crime sob o aspecto sociológico e coloca as luzes sobre o homem – e não sobre o fato criminoso.

3.2 ESCOLAS PENAIS

113 DALBORA, José Luis Guzmán. Direito Penal Contemporâneo – Estudos em homenagem ao Professor

Cerezo Mir. In: PRADO, Luiz Regis (coord). Las medidas de seguridad. Distinción y relaciones entre penas y

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