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Para fazer frente aos manejos tradicionais associados à cana-de-açúcar, centrados num modelo convencional e excludente de agricultura, característico da Revolução Verde, alguns agricultores de Santa Cruz da Baixa Verde adotaram a passagem para outro tipo de agricultura, baseado no enfoque agroecológico.

Vale ressaltar, nesse sentido, que de acordo com os agricultores entrevistados, o monocultivo da cana-de-açúcar foi o principal responsável pelos danos causados à agricultura do município.13 A exploração da mão de obra, as pressões sobre as terras produtivas, os impactos ambientais provocados por desmatamento e queimada, o uso de adubos químicos e agrotóxicos, a mecanização pesada e o uso de variedades melhoradas constituem alguns dos exemplos da atuação da Revolução Verde em Santa Cruz da Baixa Verde. A tabela, a seguir, situa os efeitos da Revolução Verde nas propriedades dos onze agricultores entrevistados, antes de iniciarem o processo de transição agroecológica.

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Alguns agricultores do município trabalhavam também como cortadores de cana-de-açúcar no âmbito do agronegócio, enquanto que outros eram produtores que adotaram os pacotes da Revolução Verde nos seus próprios plantios.

Tabela 1 - Consequências da Revolução Verde sobre os estabelecimentos dos agricultores familiares,

segundo seus depoimentos:

Dentro do processo de transição, foi fundada, no ano de 1996, a Associação de Desenvolvimento Rural Sustentável da Serra da Baixa Verde (Adessu Baixa Verde), com o apoio do Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do município de Triunfo e do Serviço Alemão de Cooperação Técnica e Social (Deutscher Entwicklungsdienst – DED).

A Adessu iniciou sua trajetória com o número de doze famílias associadas e com o objetivo de desenvolver atividades agrícolas que gerassem renda e preservassem o meio ambiente. A promoção da organização dos agricultores em torno do beneficiamento e comercialização da produção e o incentivo à integração de jovens e mulheres ao trabalho estavam também entre os seus objetivos (ASSOCIAÇÃO..., 2003).

No ano de 1998, a Adessu gerenciou seu primeiro projeto de implantação de sistemas agroflorestais, utilizando técnicas sustentáveis de manejo (ASSOCIAÇÃO..., 2003). Para realização do projeto de implantação de áreas agroflorestais em Santa Cruz da Baixa Verde, foram adquiridas estacas de plantas nativas e frutíferas, raquetes de palma e construído um viveiro de 22 mil mudas de café, em parceria com a prefeitura do município. Estas ações resultaram na formação de um Banco Rotativo de Sementes e Mudas. No ano de 1999, a

Adessu administrou recursos destinados à construção de cisternas de placas, através do Programa Comunidade Solidária,14 beneficiando famílias dos municípios de Triunfo e Santa Cruz da Baixa Verde, entre elas 22 sócias da Adessu.

A partir desse projeto, foi iniciado o Fundo Rotativo de Cisternas, no qual cada família beneficiada se responsabilizava por repassar 50% do valor do material em 25 parcelas. Com isso, a instituição passou a gerenciar recursos da Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA), para a construção de cisternas de placas. A Adessu passou também a promover encontros sobre gerenciamento de recursos hídricos com as famílias beneficiárias, capacitação, discussões sobre a importância da preservação do meio ambiente e da participação das mulheres e jovens (ASSOCIAÇÃO..., 2003).

Além dos sistemas agroflorestais, outras práticas agroecológicas também foram incorporadas, ao longo do tempo, pelos agricultores de Santa Cruz da Baixa Verde em suas propriedades, dentre as quais, destacam-se: o policultivo, que é um sistema que pode apresentar diferentes arranjos espaciais, desde a simples combinação de duas espécies até sistemas mais complexos, com a existência de várias espécies em determinada área agricultável (ALTIERI, 2009); a rotação de culturas, que é um sistema em que diferentes cultivos crescem em uma mesma área, sucedendo-se uns aos outros, em uma sequência definida; cultivos de cobertura, que é o nome dado ao plantio de leguminosas, cereais ou qualquer outra mistura apropriada no estrato inferior das plantações, pomares e parreirais.

Essa prática tem por finalidade evitar que o solo venha a sofrer erosão, melhorar o microclima, fortalecer a estrutura e fertilidade do solo e eliminar pragas, incluindo ervas, insetos e patógenos (HAYNER, 1980 apud ALTIERI, 2009); a técnica da rochagem, que se baseia na adição de pó de alguns tipos de rocha ao solo, como forma de melhorar sua fertilidade sem afetar o equilíbrio do meio ambiente (THEODORO; DUARTE; ROCHA, 2009, p.28); pousio, que, segundo estes autores, é o período de repouso oferecido às terras cultiváveis, a fim de se obter um solo mais fértil; uso de biofertilizantes; controle biológico de pragas; alimentação de bovinos e outros animais com base nos próprios recursos existentes na propriedade, com a utilização de resíduos culturais; reutilização da água em algumas fases do

14 Programa do Governo Federal que foi criado em 1995, pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. O

programa prosseguiu suas atividades construindo a estratégia governamental de combate à fome e à pobreza, mediante a coordenação das ações do Governo Federal e a formação de parceria com os estados, o Distrito Federal, os municípios e a sociedade, observando os princípios de descentralização e solidariedade. Foi encerrado em dezembro de 2002, sendo substituído pelo PROGRAMA FOME ZERO.

setor de produção; compostagem, que é a transformação de materiais orgânicos para utilização na agricultura; adubação verde, que é o acréscimo de leguminosas na superfície do solo, para manutenção da sua fertilidade; seleção de sementes e produção de mudas; captação de água da chuva; coleta, transformação e reutilização das sobras de produção; integração de bovinos e culturas.

É importante observar que essas práticas agroecológicas, ou formas de manejo listadas, podem variar de propriedade para propriedade, dada a disponibilidade dos recursos econômicos e ecológicos que todo o agricultor possui, mas cada uma delas fez e ainda vem fazendo parte do processo de transição agroecológica desenvolvido pelos agricultores de Santa Cruz da Baixa Verde.

Atualmente, observa-se nesse município uma tendência de aumento do número de agricultores e das práticas agroecológicas ali desenvolvidas. Atribui-se esse crescimento aos estímulos dados pela prefeitura de Santa Cruz da Baixa Verde e de municípios vizinhos, que incentivam o abastecimento com base em produtos orgânicos. Além disso, não se pode descartar a importância da política instituída pelo Governo Federal e Estadual de compra dos produtos oriundos da agricultura familiar, através da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para programas, como o de Aquisição de Alimentos15 (PAA), que atende ao FOME ZERO,16 e o Programa Nacional de Alimentação Escolar17 (Pnae). É importante destacar que os produtos orgânicos recebem um pagamento diferenciado pela Conab, em que a diferença pode chegar a até 30% em relação a alimentos produzidos convencionalmente.

Nesse sentido, como observa Gliessman (2001, p.547), os produtores agrícolas têm fama de ser inovadores e experimentadores de novas práticas, quando motivados pela possibilidade de ganhar algum benefício adicional. Tal afirmação nos parece pertinente para justificar a opção de alguns agricultores, quando da realização de práticas agroecológicas em sua propriedade. Tais possibilidades de lucros ficam evidenciadas nas seguintes palavras:

15 O programa é uma das ações do FOME ZERO e tem como objetivo garantir o acesso a alimentos em

quantidade e regularidade necessárias às populações em situação de insegurança alimentar e nutricional. Visa também contribuir para a formação de estoques estratégicos e permitir aos agricultores familiares que armazenem seus produtos para que sejam comercializados a preços mais justos, além de promover a inclusão social no campo.

16 É uma estratégia impulsionada pelo Governo Federal para assegurar o direito humano à alimentação adequada

às pessoas com dificuldades de acesso aos alimentos. Tal estratégia se insere na promoção da segurança alimentar e nutricional, buscando a inclusão social e a conquista da cidadania da população mais vulnerável à fome.

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O programa objetiva fornecer alimentação escolar para os alunos de toda a educação básica matriculados em escolas públicas e filantrópicas.

O que motivou as mudanças no meu plantio foi a expectativa de uma alimentação mais saudável; de ter os próprios recursos pra plantar na minha própria propriedade. Eu visei também, como alternativa financeira, as vendas para os programas do Governo. Eu vi a oportunidade de melhorar minha renda com isso (AGRICULTOR B, 2011).

Contudo, os agricultores que vêm desenvolvendo práticas agroecológicas no município, além de ter a assessoria da Adessu e do Centro Sabiá, contam também com a participação do Instituto Agronômico de Pernambuco, que vem desenvolvendo suas atividades de Ater baseadas na Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural.

É importante ressaltar, porém, que o número de agricultores familiares que desenvolvem sistemas de produção de base ecológica no município, a partir da transição, vem crescendo cada vez mais nos últimos anos, a exemplo do número de agricultores associados da Adessu, que passou de 12 para 45 desde a sua criação, no ano de 1996. Além disso, o Projeto de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável da Serra da Baixa Verde,18 que conta com a parceria do Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá, abrange um universo de mais de 200 famílias da região.