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2.2 HISTORICIZANDO AS ROCAS

No documento A malhação do Judas: rito e identidade (páginas 46-50)

A antropóloga portuguesa Graça Índias Cordeiro levantou interessantes questões sobre o que é o bairro:

(...) será o bairro uma entidade virtual, uma tradição inventada com um valor simbólico indiscutível para os seus habitantes, é certo mas sem qualquer correspondência a um colectivo localmente estruturado? Ou pelo contrário, será um lugar antropológico, identitário, relacional e histórico, no sentido dado por Marc Augé?32

Percebendo as Rocas a partir da segunda perspectiva apontada pela autora, procuramos apresentar o bairro em seus variados aspectos, partindo da história oficial para os depoimentos daqueles que tiveram uma trajetória no bairro, de relatos locais sobre a vida nas Rocas, além da análise de textos literários e da observação direta sobre a dinâmica do bairro.

As Rocas localiza-se na Zona Leste da cidade de Natal, limitando-se ao Norte com o bairro de Santos Reis, ao Sul com os bairros da Ribeira e Petrópolis, a leste com Praia do Meio e Santos Reis e a Oeste com a Ribeira. Sua área equivale a 66, 10 (HA), sendo sua população estimada em 10. 055 habitantes33.

Segundo os dados da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo34, o bairro das Rocas conta ainda com uma localidade chamada de Canto do Mangue, importante área para a comercialização do pescado na região da cidade de Natal. Também compreende a área de Brasília Teimosa e a favela do Vietnã.

32 CORDEIRO, Graça Índias. Territórios e identidade: sobre escalas de organização sócio-espacial num bairro de Lisboa. In: Estudos históricos. Sociabilidades. Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro, 2001, nº 28.

33 Estimativas do Censo Demográfico 2000. 34 SEMURB

Ilustração 2: Mapa da cidade de Natal e seus respectivos bairros. As Rocas aparece no quadro com o número 935.

O início do povoamento da área que compreende parte das Rocas é anterior ao século XIX. Esta região teve sua formação enquanto espaço habitado ainda no final do século XVIII. Por volta de 1769, a região era conhecida como Limpa, caracterizando-se por um arruado habitado por pescadores moradores da parte mais alta da localidade, hoje chamada Rua do Areal.

Discutindo a formação dos bairros da cidade do Natal, o pesquisador Luis da Câmara Cascudo (1980) caracterizou o bairro das Rocas enquanto “bairro exterior”. Segundo o conceito discutido por Cascudo:

O bairro exterior é uma aglutinação marginal, fixada no cinturão da cidade [...] a zona pobre, produtora, lar de trabalhadores, em constante evolução para melhoria nos materiais de construção, aformoseamento, retificação de alinhamentos, tornando-se pequenos núcleos que não se dissolvem na fusão urbana mas, se articulam ao organismo central citadino.36

35 MIRANDA, João Mauricio Fernandes. Evolução Urbana de Natal em 400 anos (1599-1999). Natal, 1999. p. 120.

36 CASCUDO, Luis da Câmara. História da Cidade do Natal. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980, 2. ed. p. 226-227.

Segundo Cascudo, o primeiro topônimo da região foi Limpa, referência que já teria aparecido em documentos de doação no ano de 1769. Com a fixação da população de pescadores, a área mais elevada passou a ser chamada pelos mesmos de Rocas, topônimo que foi adotado ao longo do final do século XIX com a abertura das obras do Porto de Natal.

As obras no Porto de Natal, iniciadas em 1892, abriram uma frente de trabalho que recrutou diferentes tipos de operários. Estes, vindos de outros municípios do Estado do Rio Grande do Norte, fixaram-se nas Rocas dando impulso ao crescimento do Bairro. Logo, um setor de serviços foi instalado para atender às necessidades destes trabalhadores. O arquiteto João Maurício Fernandes de Miranda cita em seu livro:

Com a instalação das obras do porto, em 1892, tomou impulso o povoamento das Rocas, Areal e Montagem (como foi chamado o canteiro de obras do porto), onde anteriormente foi o hangar do Sindicato Condor e, posteriormente, a estação de hidroaviões da Panair do Brasil, hoje chamada de Rampa. 37

No início do século XX, a abertura das oficinas da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte atraiu outra leva de trabalhadores especializados que procuraram instalar-se nas proximidades da obra, acrescendo maior número de habitantes ao bairro das Rocas.

Assim, a vocação proletária da localidade está inscrita em sua origem histórica: primeiro com a instalação das ruelas de pescadores38 ainda no século XVIII. Segundo,

com a vinda dos operários especializados para os serviços nas obras do Porto da cidade de Natal, na segunda metade do século XIX, e finalmente, com a abertura das oficinas

37 MIRANDA, João Maurício Fernandes. Evolução urbana de Natal em 400 anos: 1599 – 1999. Governo do Rio Grande do Norte. Prefeitura do Natal. Coleção Natal 400 anos. V. 7, 1999.

38 Os pescadores buscavam seu pescado na área do Atol das Rocas, sendo esta a possível origem do atual topônimo.

para a execução das obras da Ferrovia. Nas décadas seguintes, estes setores continuaram atraindo uma população pobre com um grau de escolaridade muito baixo, que dinamizou as atividades do bairro e expandiu sua área habitada.

Outro aspecto a ser destacado é a constante relação do bairro das Rocas com a vizinha Ribeira. A própria população natalense do começo do século XX chamava de canguleiro39 (comedor de um peixe chamado cangulo), os moradores nas Rocas e Ribeira, sem fazer nenhuma distinção entre as duas áreas. Assim, é importante destacar a ausência de uma linha demarcatória precisa, seja ela física ou simbólica, entre os terrenos da Ribeira e das Rocas. A fotografia abaixo serve pra apontar esta questão.

Ilustração 3: Fotografia do início do século XX apresentando uma panorâmica da Ribeira e Rocas. Fonte: Carlos Lyra

No documento A malhação do Judas: rito e identidade (páginas 46-50)