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O homicídio privilegiado, previsto no § 1º do artigo 121 do Código Penal, trata-se, em verdade, de uma causa especial de redução de pena, “se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima”.

Nesses casos, o agente terá direito a uma redução de pena de um sexto a um terço, pois, embora o texto do Código Penal mencione que o juiz pode reduzir a pena, trata-se de direito subjetivo do réu, que encontra respaldo no princípio da soberania dos veredictos no Tribunal do Júri, com fulcro no artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea “c”, da Constituição Federal.

Nesse sentido, a Súmula 162 do Supremo Tribunal Federal: “É absoluta a nulidade do julgamento, pelo júri, quando os quesitos da defesa não precedem aos das circunstâncias agravantes.” Portanto, em sendo um quesito da defesa, a privilegiadora, causa especial de redução de pena, deve ser apreciada antes das circunstâncias agravantes, sob pena de nulidade absoluta.

Nas lições de Bitencourt, cabe esclarecer:

[...] a ação continua punível, apenas a sua reprovabilidade é mitigada, na medida em que diminui o seu contraste com as exigências ético-jurídicas da consciência comum. A relevância social ou moral da motivação é determinada pela escala de valores em que se estrutura a sociedade (BITENCOURT, 2013, p. 76).

3.8.1 Motivo de relevante valor social ou moral

Configura-se o homicídio privilegiado por motivo de relevante valor social quando sua motivação decorre do interesse de toda a sociedade. Exemplo atual que pode ser dado trata-se do agente que mata o responsável por um atentado terrorista.

Relevante deve ser o motivo, sob pena de não incidir a minorante. Desse modo, o motivo deve ser comprovadamente notório, de grande importância para o meio coletivo, considerado de forma objetiva, não apenas conforme a opinião subjetiva do agente.

Já o valor moral, que também deve ser relevante, é aquele motivo superior, “nobre”, que goza de menor reprovabilidade ou até mesmo de piedade. Exemplo clássico é o do pai

que mata o estuprador de sua filha. Outra hipótese é a da eutanásia, quando o agente abrevia a morte de outrem por compaixão, encontrando-se e vítima em estado terminal; pode a conduta ser comissiva, no caso em que o agente desliga os aparelhos hospitalares, ou omissiva, quando deixa de lhes ministrar os remédios.

Quanto ao valor moral, são considerados os interesses subjetivos do agente, na opinião de Greco (2013), da qual discorda Bitencourt (2013), quando afirma que ambos os valores, social e moral, devem ser levados em conta segundo a opinião coletiva, sempre objetivamente, pois o agente se encontra influenciado por uma situação particular.

3.8.2 Sob o domínio de violenta emoção

Para que incida a privilegiadora, no terceiro caso previsto no § 1º do artigo 121 do Código Penal, a emoção deve ser intensa de tal modo que prive o agente de seu autocontrole, dominando-o completamente, não bastando a simples influência do estado de emoção. Deve haver, portanto, segundoBitencourt (2014), um choque emocional.

Outro ponto importante a ser tocado é a expressão “logo em seguida”, que diz respeito ao lapso temporal entre a injusta provocação e a reação do agente. Esta deve ser imediata, próxima ao momento da injusta provocação, praticamente instantânea, o que não significa, porém, que não possa haver certoespaço de tempo.

Há que se considerar a razoabilidade neste momento, de modo que alguns minutos entrariam no critério da imediatidade, mas não horas ou dias, por exemplo, de modo que o agente não poderia ir embora para planejar sua vingança e, posteriormente, cometê-la, pensando estar acobertado pela presente privilegiadora.

É importante ressaltar que, enquanto o “domínio de violenta emoção” constitui causa especial de redução de pena e exige reação instantânea, a mera “influência” representa uma atenuante genérica (art. 65, III, “c”, parte final, do CP), sendo-lhe indiferente a condição temporal.

Para que incida a causa especial de diminuição de pena, se faz necessário que a agressão seja injusta, ou seja, não tenha justificativa, e que seja feita pela própria vítima. Se ao invés da provocação, a vítima agredir injustamente o agente, será, então, caso de legítima defesa, causa excludente de ilicitude prevista no artigo 25 do Código Penal.

3.8.3 Homicídio privilegiado-qualificado

Com relação à possibilidade de haver homicídio privilegiado-qualificado, entende a doutrina e jurisprudência majoritárias ser possível, desde que se trate de qualificadoras objetivas, ou seja, aquelas que dizem respeito aos meios e modos de execução do crime de homicídio, são elas, respectivamente: “com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum” (art. 121, §2º, III, CP); e “à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido” (art. 121, §2º, IV, CP).

Já as qualificadoras subjetivas, por absoluta incompatibilidade, não se comunicam com asprivilegiadoras do § 1º do artigo 121 do Código Penal, quais sejam: “mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe” (inciso I); “por motivo fútil” (inciso II); ou as qualificadoras por conexão, ou seja, “para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime” (inciso V).

Essa incompatibilidade se dá em razão do choque entre os motivos relevantes e nobres das privilegiadoras, em detrimento dos motivos antissociais e imorais das qualificadoras mencionadas, de acordo com a “teoria dos motivos determinantes”, expressa no art. 167 do Código Penal, referente ao Concurso de circunstâncias agravantes e atenuantes do crime.

Fazendo um adendo, entende Greco (2013) ser mais correta a expressão “homicídio qualificado-privilegiado”, pois considera que o crime deve, primeiramente, ser reconhecido como qualificado para, em momento posterior, ser classificado como privilegiado. De toda forma, outros ilustres doutrinadores, a exemplo de Bitencourt (2013), usam a expressão “homicídio privilegiado- qualificado”, tendo em vista que as causas de diminuição de pena antecedem as qualificadoras no Código Penal. No final das contas, na prática, ambas têm o mesmo significado.

Por fim, sobre a possibilidade ou não de o homicídio privilegiado-qualificado ser considerado crime hediondo (Lei nº 8.072/90), a corrente majoritária considera não ser possível, tendo em vista que o artigo1º, inciso I, da Lei de Crimes Hediondos prevê como tal apenas o homicídio qualificado e, por essa razão, não se poderia estender essa previsão ao homicídio privilegiado, sob pena de analogia in malam partem e em respeito ao princípio da legalidade penal.