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1 INTRODUÇÃO

2.3 HUMANIZAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL

Considerando apontamentos do tópico anterior que demonstram a importância da intervenção internacional de órgãos como a Corte Interamericana de Direitos Humanos, passa-se a elucubrar acerca dessas tutelas internacionais, pincelando suas origens, destinatários e evolução.

Sabe-se que nem sempre o Direito Internacional foi posto para a proteção de direitos humanos, contudo essa vertente vem se fortalecendo ao longo da história, de modo que a humanização do Direito Internacional, conceito de Cançado Trindade, representa a ruptura da invisibilidade inclusive de coletividades encarceradas, e de demais pessoas que lidam com os contextos carcerários (profissionais, voluntários, familiares e etc), considerando-se outras variáveis, suas relações entre si no contexto prisional e no quase indistintamente, social.

Contemporaneamente, desenvolvimentos tecnológicos aceleram comunicações, deslocamentos, amplitude armamentista, produção e consumo de bens, contextualizando-se, em plenitude, a premissa afirmada por Martin

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http://cultcultura.com.br/arte-e-entretenimento/cinematv/a-13-emenda/ Acessado na data de 30/10/2017, às 03h36min

Luther King, Jr., em 1960: “Uma injustiça em qualquer lugar é uma ameaça para a justiça em todo lugar.”27

. Ou seja, violações aos direitos humanos no âmbito do Complexo Prisional do Curado, por exemplo, representam uma derrocada alem fronteiras de teorias e vivências destinadas à proteção de qualquer pessoa, em qualquer lugar do Planeta.

Nessa seara, Cançado Trindade,28 ao elaborar seu entendimento acerca do que seria o Direito Internacional dos Direitos Humanos, define como:

(...) o corpus juris de salvaguarda do ser humano, conformado, no plano substantivo, por normas, princípios e conceitos elaborados e definidos em tratados e convenções, e resoluções de organismos internacionais, consagrando direitos e garantias que têm por propósito comum a proteção do ser humano em todas e quaisquer

circunstâncias, sobretudo em suas relações com o poder público, e, no plano processual, por mecanismos de proteção

dotados de base convencional ou extraconvencional, que operam essencialmente mediante os sistemas de petições, relatórios e investigações, nos planos tanto global como regional.29 (TRINDADE, 2016, p. 412. Grifo nosso).

A universalidade da consciência jurídica de proteção do ser humano se configura, pois, no amparo do ser humano em todas as conjunturas. Tendo sido potencialmente ampliada com marcos históricos de violações que reverberaram em pessoas muitas vezes não afetadas diretamente, mas que compartilharam e compartilham repercussões em diversas esferas, desde as culturais e sociais, decorrentes de processos migratórios, por exemplo, até as mais abstratas e individuais, como a percepção da empatia.

Empatia depende do reconhecimento de que os outros sentem e pensam como fazemos, de que nossos sentimentos interiores são semelhantes de um modo essencial. Os seres humanos

dependem tanto do domínio de si mesmos, como do reconhecimento de que todos os outros são senhores de si. É o desenvolvimento incompleto dessa última condição que dá origem a todas as desigualdades de direito que nos têm preocupado ao longo de toda a história. (HUNT, 2009, p. 27/28. Grifo nosso).

Colonialismos, regimes escravocratas, primeira e segunda guerra mundiais, holocausto, genocídios e regimes ditatoriais, se constituíram em

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Fonte: http://br.humanrights.com/about-us/what-is-united-for-human-rights.html

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Juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos no período compreendido entres os anos de 1994 e 2008.

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Trabalho de pesquisa apresentado pelo Autor, em um primeiro momento, nas jornadas de Direito Internacional Público no Itamaraty na data de 09/05/2005, e, em um segundo momento, em forma de três conferências proferidas pelo Autor no XXXIII Curso de Direito Internacional Organizado pela Comissão Jurídica Interamericana da OEA, no Rio de Janeiro nas datas de 18, 21/22 de agosto de 2006. Disponível em: http://www.oas.org/dil/esp/407- 490%20cancado%20trindade%20OEA%20CJI%20%20.def.pdf

marcos capazes de alterarem as relações de nações com outras, e do poder público com governados, principalmente expandido a consciência de que o ser humano é a razão de existir de todos os direitos, consciência que ainda não é plena, mas cujo discurso está cada vez mais incorporado aos argumentos de tutelas em sede de direito internacional.

Contudo, ampliando o desafio dessa área de conhecimento do direito internacional dos direitos humanos, apregoa Cançado Trindade que se faz necessária a transposição de visões estáticas de mundo, assim como a superação de um Direito isolado de outras áreas de conhecimentos humanos (TRINDADE, 2006, p. 21).

Assim, o ser humano não se reduz a um “objeto” de proteção, porquanto é reconhecido como sujeito de direito, titular dos que lhe são inerentes. Se constituindo numa grande revolução a consolidação ao longo da segunda metade do século XX, de modo irreversível, da subjetividade internacional do indivíduo.30 (TRINDADE, 2016, p. 413).

Demonstrando a importância do Direito enquanto liame cientifico e político, Michel Foucault define que as práticas jurídicas estão entre as mais importantes no que se refere ao surgimento de novas subjetividades, e propõe que existe na sociedade lugares onde a verdade se forma, onde um certo número de regras são definidas, a partir das quais vemos nascer formas de subjetividade, certos dominios de objetos, e certos tipos de saber (FOUCAULT, 2003, p. 160):

As práticas judiciárias – a maneira pela qual, entre os homens, se arbitram os danos e as responsabilidades, o modo pelo qual na história do Ocidente, se concebeu e se definiu a maneira como os homens podiam ser julgados em função dos erros qua haviam cometido, a maneira como se impôs a determinados indivíduos, a reparação de algumas de suas ações e a punição de outras, todas essas regras ou, se quiserem, todas essas práticas regulares, é claro, mas também modificadas sem cessar através da história – me parecem uma das formas pelas quais nossa sociedade definiu tipos de subjetividade, formas de saber e, por conseguinte, relações entre o homem e a verdade que merecem ser estudadas. (FOUCAULT, 2003, p. 11).

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Trabalho de pesquisa apresentado pelo Autor, em um primeiro momento, nas jornadas de Direito Internacional Público no Itamaraty na data de 09/05/2005, e, em um segundo momento, em forma de três conferências proferidas pelo Autor no XXXIII Curso de Direito Internacional Organizado pela Comissão Jurídica Interamericana da OEA, no Rio de Janeiro nas datas de 18, 21/22 de agosto de 2006. Disponível em: http://www.oas.org/dil/esp/407- 490%20cancado%20trindade%20OEA%20CJI%20%20.def.pdf

Foucault, ao abordar o que definiu como caráter polêmico e estratégico do conhecimento, cita que este é obrigatoriamente parcial, oblíquo e perspectivo, e nesse sentido, o conhecimento é sempre um desconhecimento, porque esquematiza, ignora as diferenças, assimila as coisas entre si, e isto sem nenhum fundamento em verdade. (FOUCAULT, 2003, p. 25).

Só pode haver certos tipos de sujeito de conhecimento, certas ordens de verdade, certos domínios de saber a partir de condições políticas que são o solo em que se formam o sujeito, os domínios de saber e as relações com a verdade. (FOUCAULT, 2003, p. 27).

O Direito Internacional é uma centelha crucial de possibilidades para reversão dessa situação calamitosa dos presídios brasileiros. Nesse sentido, se as legislações internas estão comprometidas pelos clamores publicitários que convergem para a manutenção de posições eleitorais, no âmbito internacional, essa variável negativa parece ter menor influência.

Infelizmente, a refutação da teoria pela prática tem sido sempre, no melhor dos casos, uma tarefa precária e de longo prazo. Os viciados na manipulação, aqueles que a temem não menos indevidamente que aqueles que depositam suas esperanças nela, dificilmente percebem a realidade das coisas. (ARENDT, 2014, p. 25).

Ao Direito Internacional, apresenta-se feições que necessitam de apreciações para a adoção das medidas adequadas, especialmente por presumidamente estar mais distante de influências políticas internas, e assim mais imune ao uso da publicidade do discurso único.

Contudo, políticas internas se vinculam a noção de soberania, sem a qual seria inviável falar em sociedade internacional, e suas características de descentralização e coordenação. Dessa constatação advém a necessidade de se analisar níveis de eficácia prática da humanização do Direito Internacional, posto que não há que se falar em subordinação de países que presumiria com força vinculante das deliberações oriundas de esferas internacionais:

A sociedade internacional é descentralizada. Nesse sentido, não há um poder central internacional e descentralizado. Nesse sentido, não há um poder central internacional ou um governo mundial, mas vários centros de poder, como os próprios Estados e as organizações internacionais, não subordinados a qualquer autoridade maior. (...) Ainda nesse sentido, podemos afirmar que a sociedade internacional é caracterizada não pela subordinação, mas sim pela coordenação de interesses entre seus membros, que vai permitir, como veremos, a definição das regras que regulam o convívio entre seus integrantes. (PORTELA, 2014, p. 39)

Assim, verter atenção aos processos subjacentes que denotam a assunção de direitos humanos como interesse comum em esfera internacional,

demonstra um imperativo para a manutenção da espécie humana. Subsistindo a evidenciação de que o limiar de novas formas de tutelas é possível, especialmente quando o fortalecimento de meios de proteção inequivocamente perpassa por apreciações multidisciplinares, para que sejam vertidas contribuições notoriamente transformadoras de teorias, normas e práticas.

3 COMPLEXO PRISIONAL DO CURADO NA CORTE INTERAMERICANA DE

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