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3. O SCOUTING

3.2 O BSERVAÇÃO

3.2.4 I DENTIFICAÇÃO , SELEÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE TALENTO

“A única forma de chegar ao impossível, é acreditar que é possível”, Lewis Carroll

A identificação e seleção de jovens promissores não é algo simples e claro. Baker e Schorer (2010) referem que, identificar e desenvolver indivíduos talentosos, é um elemento importante da educação, da música, da arte, mas que nenhum campo abraçou este conceito de forma tão tenaz como o desporto. E nenhuma área se aprofundou tanto no conceito como o futebol, apesar da previsão do sucesso ser bem mais fácil em desportos ‘fechados’ do que em desportos ‘abertos’ porque, nos primeiros, os movimentos são menos afetados pelo ambiente e é expectável que menos componentes tenham impacto na performance (Vaeyens et al., 2008). Cada jogada depende da antecedente.

O potencial de um indivíduo é concebido essencialmente como um conjunto de recursos latentes mas também como a capacidade em adquirir novos recursos e, portanto, o potencial é mais ou menos equivalente a uma espécie de capacidade de aprendizagem em geral (Mirallès, 2006). J. Cunha (2007) perceciona as habilidades como caraterísticas normalmente estáveis, apresentando apenas ligeiras mudanças com o tempo e prática. É o treino que as vai fazer evoluir e melhorar.

Garganta (2004) crê que, para se ser um jogador de alto nível, não basta nascer com talento, é necessário muito treino, até porque fatores múltiplos terão impacto no desenvolvimento atlético de uma criança (MacDonald, 2011). Aurélio Pereira (in Revista Visão, 2012), antigo observador, defende que é impossível dizer que uma criança de 7 ou 8 anos vai ser um Cristiano Ronaldo, dado que existem muitos fatores que podem influenciar negativamente a evolução de um atleta, mencionando de imediato a pressão excessiva dos pais

sonhos e não cabe aos adultos usá-los como marionetas para regozijo próprio e meio de alcançar aquilo que eles próprios nunca alcançaram. Neste sentido, Starkes et al. (1996) apontam outros fatores como o caráter, a sorte, o envolvimento e as lesões como influenciadores dos resultados competitivos. J. Cunha (2007) remata afirmando que a prática não explica tudo.

Como Aurélio Pereira (in Revista Visão, 2012) reconhece, o mercado futebolístico centra-se hoje nos atletas com idades entre os 6 e os 11 anos, sendo nesses escalões que a concorrência é mais feroz. São idades muito precoces, em que inúmeros fatores podem levar o jovem à elite e ao futebol profissional ou podem-no fazer, no dia seguinte, acordar e repentinamente interessar-se pelo ténis ou pela música e abandonar o futebol. O acaso pode ter um importante papel no processo do talento, já que eventos incontroláveis, como as lesões, o rendimento familiar, a qualidade da instrução, etc., asseguram que o desenvolvimento de talento não é uma probabilidade empresarial (Vaeyens et al., 2008). Nestas idades, é importante focarmo-nos nas habilidades e nas caraterísticas que poderão ser relevantes em idade sénior e na capacidade de aprendizagem e de progressão, visto que não é crível que uma criança reproduza fielmente a ação desportiva de um adulto.

Nesta fase, é fundamental entender que a idade cronológica e a maturidade biológica raramente progridem à mesma velocidade (Katzmarzyk, Malina e Beunen, 1997; Tanner, 1962 e 1989). Com o aumento da idade, a população de atletas de sucesso torna-se mais homogénea no que respeita ao seu perfil físico e fisiológico e as variáveis fisiológicas são identificadas como o principal indicador de sucesso (Morgan, 1979; Orlick e Partington, 1988). A maturidade biológica deve ser tida em consideração na avaliação da capacidade de performance de forma mais rigorosa e mais relevante que a idade cronológica (Baxter-Jones, 1995; Maffulli, 1996), se bem que uma maturação muito precoce pode induzir em erro na seleção de talento.

O físico não é, de forma alguma, a única determinante do sucesso desportivo (Day, 2011). Burgess e Naughton (2010) afirmam que os atributos físicos e biológicos, por si sós e independentes, são preditores pobres de habilidade num desporto coletivo, já que o desenvolvimento de talento é

Adegbesa et al. (2010) constatam que é uma combinação de fatores que depende particularmente da genética, do ambiente, da oportunidade e da motivação, bem como do efeito destas variáveis identificáveis nos traços psicológicos, físicos e fisiológicos do jovem indivíduo. É fulcral entender que atletas com predisposição genética desfavorável, não podem ser logo excluídos se apresentarem bons índices noutras caraterísticas relevantes para a prática de uma modalidade; ainda podem alcançar níveis de excelência de performance, se tiverem um ambiente propício para tal, bem como suceder o contrário, com indivíduos geneticamente dotados (Philips et al., 2010). Como exemplo, indicamos Liedson, que aos 23 anos de idade, já tinha trabalhado como ajudante de pedreiro, mecânico, porteiro e funcionário de hipermercado. Aos domingos, era ponta de lança de uma equipa amadora que disputava um torneio intermunicipal. Oito anos volvidos, era a principal figura de uma equipa na Europa e um dos melhores jogadores da Liga Portuguesa.

No campo do desenvolvimento de talento, o conhecimento sobre o que distingue o bom do melhor, é essencial (Jonker et al., 2010) e, obviamente, é fácil errar. Com o passar do tempo e das vivências, poderemos ter uma perceção relativamente à escolha, se boa ou se não tão boa. Impossível de verificar é se realmente foi a escolha mais acertada porque não é possível fazer volver o tempo nem as oportunidades e opções tomadas. Mas, de acordo com Davis (1990), algumas pessoas são avaliadoras talentosas, aplicando mais ou menos inconscientemente, o conceito correto, bem definido a um jogador e fazem-no com precisão. Podem ser incapazes de dar uma definição clara de jogador de futebol mas sabem reconhecer um bom jogador quando o veem.

O desenvolvimento de talento é um investimento digno e merecedor de equipas desportivas profissionais (Burgess e Naughton, 2010). É multifacetado porque ao centro de cada atividade desportiva, está um complexo indivíduo e há uma imensidão de fatores que sustentam o eventual sucesso no desporto de elite, incluindo a motivação de um indivíduo para o trabalho árduo na prática e no treino e o temperamento e personalidade de um atleta (Howe, Davidson e Sloboda, 1998). Daí ser considerada também uma atividade dispendiosa, por

transferência e representação com sucesso na equipa profissional sénior (Vaeyens et al., 2008),

Com a oferta das melhores condições e unidades de treino adaptadas e ajustadas e o melhor acompanhamento possível, estão reunidos os ingredientes para os jovens com potencial se desenvolverem, tendo, porém, sempre presente que o treino para alcançar recordes é perigoso para a saúde (Lydston, 1903), especialmente em adolescentes (Howard, 1898).

Para concluir este ponto, mencionamos duas frases que servem como pontos de partida para esta temática:

· “A qualidade não se arranja de graça”, Zlatan Ibrahimovic (in MaisFutebol);

· “Nada é perfeito quando encontrado”, Cícero.

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