• Nenhum resultado encontrado

I Simpósio em paracoccidioidomicose em 1971: consenso sobre o nome e

Capítulo 2 – Doença de Lutz ou de Posadas-Wernicke? Primeiras

3.8 I Simpósio em paracoccidioidomicose em 1971: consenso sobre o nome e

A ideia de que existem doenças particulares e a preocupação de dar nome à experiência de adoecimento são antigas. Nomes de doenças sempre foram importantes para os médicos, enfatizou Rosenberg (2002). Como vimos nos capítulos anteriores, desde a descrição da ‘micose pseudococcidica’ por Lutz, em 1908, os pesquisadores buscaram caracterizar o quadro clínico, definir o agente, o mecanismo fisiopatológico e nome próprio para aquela entidade nosológica. Ela ou entidades que com ela se confundiam tornaram-se importantes em vários países da América Latina, mobilizando as atenções de diversos

pesquisadores. Desse interesse, resultou a realização de um evento científico específico sobre o tema.

A ideia surgiu no Simpósio Internacional sobre Micoses, ocorrido em Washington, em fevereiro de 1970, por iniciativa da Organização Pan Americana da Saúde (OPAS). Lá, o médico venezuelano José Ignácio Baldo solicitou que uma comissão permanente fosse estabelecida para divulgar aos médicos e aos técnicos das Américas as novas técnicas para o diagnóstico e a terapêutica das doenças causadas por fungos, e para instituir e encorajar pesquisas para o desenvolvimento desses métodos. Foi então formado o Comitê Coordenador para Micoses, no âmbito do Departamento de Desenvolvimento e Coordenação de Pesquisas da OPAS. Também foi definido no simpósio de Washington que os cientistas dedicados à blastomicose sul-americana reunir-se-iam periodicamente para resolver as dificuldades de controle e tratamento dos casos que surgiam a cada ano (PAN AMERICAN..., 1972b).

Vinte meses após a criação da Comissão para as Micoses, teve lugar o Primeiro Simpósio Pan Americano em Paracoccidioidomicose, em Medellín, Colômbia, de 25 a 27 de outubro de 1971, sob os auspícios da Organização Pan Americana de Saúde. O programa foi elaborado por: Angela Restrepo, da Universidad de Antioquia, em Medellin; Donald Greer, da Universidad del Valle, em Cali, Colômbia. E com auxílio de: Libero Ajello, do Center for Disease Control, em Atlanta; Charlotte C. Campbell, da Harvard University, em Boston; Mauricio Martins da Silva, da Organização Pan Americana de Saúde; e Mario Robledo, de Medellin.

A reunião recebeu 110 cientistas de treze países, principalmente os interessados em micologia médica no continente americano. Oradores oficiais vieram da Argentina, do Brasil, da Colômbia, de El Salvador, do México, dos Estados Unidos, do Uruguai e da Venezuela.

O principal objetivo do simpósio foi trocar informações sobre a infecção humana por Paracoccidioides brasiliensis, aceito oficialmente como o agente causador. Em onze sessões, foram debatidos: o fungo, sua morfologia e sua ultraestrutura; a ecologia e a epidemiologia da doença; seu manejo clínico e tratamento; as características patológicas e imunológicas; os recursos de diagnóstico; e, por último, mas não menos importante, os novos tratamentos experimentais e os métodos de controle.

Aquelas exaustivas discussões sobre uma única doença permitiram aprofundar os debates sobre muitos problemas que preocupavam os médicos e pesquisadores. Entre as questões debatidas no simpósio, destaco: o crescimento de P.brasiliensis; a composição bioquímica da parede do fungo; a natureza dos brotamentos; a ecologia do organismo na América do Sul e as características epidemiológicas da doença, especialmente na Venezuela, na Colômbia, no Equador e no Peru; os estudos sobre provas intradérmicas com paracoccidioidina; o processo de infecção nos pulmões e em formas disseminadas; a terapia e os cuidados com os pacientes, incluindo a utilização de anfotericina B em conjunto com sulfonamidas e a terapia de suporte por transfusão de sangue e acúmulo nutricional; as influências hormonais para o crescimento do organismo; os novos métodos sorológicos para o diagnóstico e prognóstico da blastomicose sul-americana.

O Comitê Coordenador para as Micoses e suas subcomissões reuniram-se durante o Simpósio, tomando decisões a respeito de estudo sobre teste de um reagente epicutâneo novo para coccidioidomicose; curso de formação para técnicos de sorologia; manual de laboratório multilíngue em micologia médica e criação de um programa voltado para a pesquisa de métodos para diagnóstico e tratamento de doenças fúngicas e formação de técnicos em procedimentos laboratoriais. O Paracoccidioides brasiliensis foi considerado o agente e a doença nomeada paracoccidioidomicose. Floriano P. de Almeida recebeu o

Rhoda Benham Award em reconhecimento às suas contribuições em micologia médica (PAN AMERICAN..., 1972a).

O nome paracoccidioidomicose já era utilizado em algumas publicações mas não havia ainda consenso a esse respeito. Como vimos, desde o final do século XIX, o termo blastomicose foi polêmico e seu uso, controverso. A doença, que já fora muitas blastomicoses − americana, brasileira, neotropical, sul-americana e paracoccidioidica – permanecia blastomicose em muitas publicações de fins do século XX.

Ainda em 2004, foi publicado “Tuberculose e blastomicose laríngeas: relato de três casos e revisão de literatura” na Revista Brasileira de Otorrinolaringologia; e em 2011, “Obstrução nasal total: estudo morfofuncional de um caso de sinéquia de palato mole e paredes faríngeas pós blastomicose” na Revista CEFAC. Isso três a quatro décadas depois do primeiro simpósio em paracoccidioidomicose.

A persistência do termo blastomicose pode ser observada não só na literatura médica, mas em documentos como atestados de óbito. Ao estudar a mortalidade por paracoccidioidomicose no estado de São Paulo, entre 1985 e 2005, Santo (2008) avaliou o uso dos termos paracoccidioidomicose e blastomicose nos atestados de óbito. No preenchimento do campo ‘causa básica de morte’, o termo blastomicose foi usado em 53,8% dos óbitos, e paracoccidioidomicose em apenas 46,2%151, não obstante estivesse em vigência a classificação internacional de doenças, CID-10. Proporções semelhantes foram encontradas no Paraná, mas diferiram dos índices verificados no Brasil (45,96% e 54,04%)152.

A doença foi considerada entidade nosológica individualizada com agente etiológico definido e nome próprio. Novas questões impuseram-se aos pesquisadores e velhas questões permaneceram em pauta: a epidemiologia da doença e a busca do habitat do parasita foram objeto de inúmeras publicações, algumas com auxílio de técnicas de biologia molecular (RESTREPO; MCEWEN; CASTAÑEDA, 2001). Buscou-se o fungo no solo (FRANCO et al, 2000; SILVA-VERGARA et al, 1998) e em animais domésticos (GONZALEZ, 2010; FARIAS, 2005; RICCI et al, 2004), ou silvestres, como macacos (CORTE et al, 2005a), cavalos (CORTE et al, 2005b), pinguins (GARCIA et al, 1993), e principalmente, tatus (NAIF et al, 1986; BAGLAGI et al, 1998; CORREDOR et al, 1999). Foram realizados inquéritos epidemiológicos. Foram estudadas as características biológicas do fungo, os componentes de sua parede celular (PUCCIA et al, 1986) e seus antígenos (PUCCIA; TRAVASSOS, 1991).

A classificação e a caracterização das formas clínicas continuaram a motivar pesquisas no final do século XX e início do XXI (FRANCO et al, 1987). Diversos autores prosseguiram os estudos sobre o acometimento dos órgãos como ossos (NOGUEIRA et al, 2001), olhos (COSTA et al, 2002; FINAMOR et al, 2002), sistema nervoso central (PEDROSO et al, 2000); glândulas mamárias (NOHMI; SOBRINHO, 1981).

Mudanças associadas ao advento da imunossupressão pelo tratamento de câncer, a transplantes e à imunodeficiência adquirida levaram a novas investigações sobre a

151

Santo (2008) não observou um aumento no uso do termo paracoccidioidomicose nos atestados de óbito no decorrer do período. Já na literatura médica percebemos um aumento do uso desse termo.

152Para o autor, o uso dessas designações pode estar relacionado com a formação dos médicos que preenchem

as declarações de óbito. No entanto, com os dados disponíveis, seria difícil levantar hipóteses explicativas precisas sobre essas diferenças.

associação da paracoccidioidomicose com outras morbidades, como a síndrome da imunodeficiência adquirida (BERNARD; DUARTE, 2000; MARQUES et al, 2000; TÓBON, 1998), a tuberculose (NOGUEIRA et al, 1998), o câncer (GONÇALVES; GUERRA; JESUS, 1980) e os transplantes (RICCI et al, 2002).

Manifestações mais raras foram descritas tardiamente, como perfuração do palato (CASTRO et al, 2001), aortite com embolização dos membros inferiores (CHERRI et al, 1998) e lesões vasculares (MALDONADO, 1996). Os cientistas insistiram em caracterizar as lesões em cada órgão (BISINELLI, 2001), nos genitais (SEVERO et al, 2000), na vesícula biliar como abdome agudo por colecistite blastomicótica (ROCHA et al, 1980) e no esôfago (REGO et al, 1980; JUNIOR; KUNZLE; TAKEDA, 1980).

Publicaram-se trabalhos sobre a patogênese, métodos diagnósticos e de controle da paracoccidioidomicose (CAMARGO; FRANCO, 2000; DEL NEGRO, 2000; CAMARGO; UNTERKIRCHER; TRAVASSOS, 1989; GOLDANI; MAIA; SUGAR, 1995; GOLDANI; SUGAR, 1998). Na literatura recente, registro ainda os estudos histoquímicos (D’ANTÔNIO; MARINELLI; RAHAL, 1981), os estudos dos sinais radiológicos da doença (MAGALHÃES, 1980) e os estudos moleculares (SAN-BLAS; NINO-VEJA; ITURRIAGA, 2002).

Os tratamentos e a falência deles foram analisados por Shikanai-Yasuda e colaboradores (2002), como a terbinafina, por Ollague, Zurita e Calero (2000), e a anfotericina B, por Dietze e colaboradores (1999). Foram testados no tratamento da paracoccidioidomicose os imidazólicos (LIMA; TEIXEIRA; MIRANDA, 1974; PROENÇA; FERREIRA; ALONSO, 1978), entre eles o cetoconazol (DILLON, 1985; LIMA; VALLE, 1987) e o itraconazol (VACCARI et al, 1988). Essas substâncias modificaram a história da doença, tornando-se drogas de primeira escolha no tratamento da paracoccidioidomicose.