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Idade Média e Renascimento

No documento Belo e majestoso : Louvre : fachada oriental (páginas 122-126)

Contexto Histórico

2. O Louvre antes de Luís

2.1. Idade Média e Renascimento

O primeiro castelo do Louvre é realizado no âmbito da afirmação da importância política de Paris enquanto capital do reino da França — em oposição ao conceito de reino franco usado até então. Em 1190, o rei Filipe II Augusto (1180–1223) ordena a construção de uma muralha ao redor da cidade que começa a se espalhar pela margem direita do Sena (Figura 6). Como fulcro do sistema defensivo ele edifica um castelo na extremidade de jusante da margem direita.

A origem do nome “Louvre” dado a esse castelo é incerta; Hautecœur relata as hipóteses já levantadas: lupara, termo latino indicando um canil para a caça aos lobos, é a versão mais provável, segundo ele; a existência de um leprosário na vizinhança também é possível; a palavra Lower designa

um castelo com terrapleno, de origem anglo-saxã, ainda que não haja vestí- gios de castelos anteriores ao Louvre de Filipe Augusto. 23

São Luís e mais tarde Carlos V realizam alterações significativas no castelo de Filipe Augusto (Figura 7). O primeiro já implanta, em contraste com a tradição anterior que centraliza as funções do castelo no torreão, um salão de grandes dimensões junto à muralha oeste do castelo. Esse salão, redescoberto em 1863, encontra-se atualmente no subsolo do Louvre.

A instabilidade política em meados do século XIV, início da Guerra de Cem Anos, e em particular a revolta dos burgueses de Paris liderados pelo prévôt des marchands (na prática um prefeito) Étienne Marcel, indu- zem Carlos V a abandonar o tradicional palácio real literalmente ilhado na Cité. Enquanto o rei reside no Hôtel Royal de Saint-Pol, no extremo leste de Paris e próximo a outro castelo, a Bastilha, o Louvre no extremo oposto da cidade torna-se um local para recepções e lazer de Carlos V, e passa a acolher desde reféns notáveis a parentes do rei, um arsenal, a tesouraria do reino, e salas de paramento.

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As acomodações contra as muralhas do castelo são expandidas, e o arquiteto Raymond du Temple constrói a partir de 1360 uma grande esca- daria helicoidal apoiada sobre a face externa do torreão: nessa época, com a existência de uma nova muralha erigida por Étienne Marcel cinco anos antes, a importância do Louvre enquanto fortificação contra ataques exte- riores se perde.

Ao longo do século XV a cidade de Paris, e conseqüentemente o Lou- vre, são abandonados pela realeza, primeiro em busca de maior proteção para os reis longe dos ataques ingleses, e depois devido às campanhas mili- tares de Carlos VIII, Luís IX e Francisco I na Itália. Apenas com a mudança de Francisco I para Paris em 1527 é que o Louvre volta a ser ocupado pela monarquia.

Figura 7 Louvre no século XV Iluminura das très riches heures du Duc de Berry Fonte: Musée Condé, Chantilly

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Reformas de Francisco I e Henrique II

Após a derrota de Francisco I diante de Pavia contra o imperador Carlos V em 1524, o rei da França é feito refém e permanece em Madri até 1526. Após a sua libertação, uma de suas preocupações é levar a arquite- tura parisiense a superar a dignidade e a grandeza do palácio onde ele foi prisioneiro.

Apesar de residir a maior parte do tempo no entorno da cidade de Pa- ris, em Saint-Germain-en-Laye e no recém-construído castelo de Madrid, inspirado na arquitetura do seu cativeiro, Francisco I começa logo a refor- mar o Louvre (Figura 8). Sua primeira providência, já em 1527, é mandar demolir o torreão para deixar o pátio desimpedido. Em 1546 iniciam-se as obras de reconstrução das alas oeste e sul do castelo, com projeto de Pierre Lescot (1510–1578), fidalgo e homem da corte, diletante em arquitetura.

Uma anedota é invariavelmente lembrada pelos autores franceses, e vários estrangeiros, a respeito do projeto de Francisco I. O arquiteto bo- lonhês Sebastiano Serlio, já então um profissional ilustre, é o encarregado das obras no castelo real de Fontainebleau quando o rei decide reformar o Louvre. “Conta-se que Francisco I havia para tanto solicitado Serlio, mas

que as plantas desse estrangeiro haviam sido consideradas inferiores às de Lescot. Nenhum documento confirma esse fato.” 24 Esse boato, de que o projeto de um amador francês fora considerado superior ao de um profis- sional de renome vindo da Itália, evidentemente tem empolgado os fervores nacionalistas desde o século XIX. Um desenho do Sesto libro manuscrito de Sebastiano Serlio representando um palácio ideal, formado a partir de pá- tios quadrados mas sem nenhuma relação com o sítio do Louvre, tem sido ocasionalmente reivindicado como prova da autenticidade do relato. 25

24 Ibid., p. 15.

25 Um dos manuscritos foi publicado pela primeira vez, em edição fac-similar, por Myra Nan Rosenfeld: sebastiano serlio. Serlio on Domestic Architecture. The Sixth

Book: Different Dwellings from the Meanest Hovel to the most Ornate Palace. The Six- teenth-Century Manuscript of Book VI in the Avery Library of Columbia University.

architectural History Foundation / M.I.t. Press: New York / Cambridge, Mass, 1978. Gargiani considera, sem qualquer justificativa, que o desenho de palácio em questão é “identificabile con il louvre” (Idea e costruzione del Louvre, op. cit., p. 12). É pro- vável que serlio tivesse pretensões quanto aos projetos do rei para Paris, porém não há evidência de que ele tenha sido sequer consultado. o cargo de arquiteto real, no início do século XVI, não conferia ao seu titular a qualidade de incontornável nos principais projetos régios que viria a ter nos reinados de luís XIV e especialmente de luís XV. ainda em 1599, Henrique IV frustra as pretensões de exclusividade de

CoNteXto HIstÓRICo 125 O projeto de Lescot para o Louvre executado entre 1546 e 1555, mais

até do que os populares castelos de Chambord, Amboise ou Blois, acabou tornando-se um mito fundador, “monumento preeminente” 26 do Renasci- mento francês. A veracidade da anedota acaba importando pouco uma vez que o discurso migra da oposição específica entre um arquiteto italiano e um diletante francês para a contraposição essencial entre maneirismo ita- liano e “classicismo” francês. Vitet faz dessa oposição teórica um combate heróico do espírito nacional contra a decadência dos usos estrangeiros.

O primeiro projeto de Lescot, no entanto, sofre modificações em 1549 a pedido de Henrique II e o trecho do palácio existente hoje em dia (Figura 9) corresponde às obras realizadas entre essa data e 1555. A recons- tituição do projeto original tem sido objeto de conjeturas entre os histo- riadores; é quase certo que ele contava com a escadaria monumental no centro, enquanto na versão executada a escada está na extremidade norte,

jacques II androuet du Cerceau contra a partilha do trabalho no louvre com louis Métezeau, seu principal concorrente (Hautecœur, Histoire du Louvre, op. cit., p. 28). 26 [monument-phare] Boudon, le regard du XIXe siècle sur le XVIe siècle français,

op. cit., p. 45.

Figura 8 Evolução histórica do Louvre Adaptado de Arnaud Gaillard

Figura 9

1542–1555 1657–1676

1564–1610 1806–1810

1615–1624 1853–1855

126 « Belo e Majestoso » de modo a deixar um grande salão desimpedido em toda a extensão do

térreo. Pesquisas recentes, a serem publicadas sob a organização de Sabine Frommel ainda em 2010, apresentam uma reconstituição do projeto origi- nal, inclusive da fachada.

Após a morte de Henrique II, a rainha Catarina de’ Medici retoma a tradição da monarquia francesa buscar alternativas mais seguras à vida dentro da cidade — desde a época de Carlos V e Étienne Marcel o Louvre está rodeado por terrenos loteados e gradualmente urbanizados. Em 1564, mesmo ano da ascensão de seu filho Carlos IX ao trono, ela inicia a cons- trução do Palácio das Tulherias. No ano seguinte Catarina decide construir uma galeria coberta ligando o Louvre às Tulherias; entre 1566 e 1560, Pierre Chambiges executa — talvez a partir de um projeto de Pierre Lescot — a Pequena Galeria, uma loggia transversal ligando o Pavilhão do Rei, extre- midade sudoeste do Louvre edificado por Lescot à futura Grande Galeria, edificada sob Henrique IV com projeto de Jacques II Androuet du Cerceau (1556–1614).

No documento Belo e majestoso : Louvre : fachada oriental (páginas 122-126)