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CAPÍTULO I O MANIFESTO COMO ACONTECIMENTO: A HISTÓRIA, A

1.3 O ideário liberal moderno como tendência pedagógica brasileira: o “novo”

O Liberalismo constitui em um sistema de ideias elaborado no século XVII por pensadores Ingleses e franceses que teve sua origem ideológica no papel social atribuído à educação na construção do progresso individual e geral, sendo a educação um instrumento para a construção de uma sociedade aberta, pautada no princípio de individualismo, liberdade, propriedade, igualdade e democracia. O que evoca o novo e o moderno no Brasil, início do século XX, já fora pensado anteriormente, porém nunca antes na atmosfera brasileira que tem na crise do café o avanço da industrialização, no movimento de disputas políticas do governo de Vargas, espaço ou solo de possibilidade para se pensar os ideais liberais e tornar este em parte realidade ao modo e contexto brasileiro.

Segundo Cunha (1977), os ideais educacionais de uma escola pública, universal e gratuita, sob a crença há muito difundida de que a educação escolar seria um dos

meios mais eficazes e disponíveis para que as pessoas possam modificar e melhorar sua posição na sociedade, deve se pautar nos princípios de direitos e oportunidades iguais, a fim de destruir privilégios hereditários, respeitando as capacidades e iniciativas do indivíduo. Foi esse o cerne as diretrizes fundamentais do liberalismo.

Cunha (1977) apresenta os princípios gerais do liberalismo como um corpo ideológico que se fundamenta em quatro valores máximos, já citados: o individualismo, a liberdade, a propriedade, a igualdade e a democracia. Vale discorrer a respeito de cada um deles a fim de compreendermos em que princípios liberais estive apoiado o movimento revolucionário de 1930 que se desencadeou no “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932” cuja proposição o está revelada no subtítulo: “A Reconstrução Educacional no Brasil”. Esse discurso de reconstrução aparece no bojo das ideias liberais, porém com o intuito de reconstrução social via a educação. Vejamos adiante, passa a passo, os princípios fundamentais dos ideais liberais.

O individualismo é o princípio que considera o indivíduo enquanto sujeito que se deve ser respeitado por possuir aptidões e talentos próprios, atualizados ou em potencial. Um dos maiores expoentes do liberalismo foi John Locke [...] A função social da autoridade (do governo) é a de permitir a cada indivíduo o desenvolvimento de seus talentos, em competição com os demais, ao máximo da sua capacidade. O individualismo acredita terem os diferentes indivíduos atributos diversos e é de acordo com eles que atingem uma posição social vantajosa ou não (CUNHA, 1977, p.28-29).

Nesse sentido, a autoridade (governo) não limita nem tolhe o indivíduo permitindo, assim, o desenvolvimento de todas suas potencialidades, de modo que o próprio indivíduo é o único responsável pelo sucesso ou fracasso e não a organização social. Desta forma, a sociedade de classes não só é aceita como legitimada.

O cuidado estaria mais em proteger a liberdade e a segurança individual do que promover o progresso social, pois o progresso individual resultaria no sucesso também da sociedade. O próximo princípio, o de Liberdade, discute mais a intervenção de outros aspectos além do social para garantir o princípio da individualidade, estando os dois princípios profundamente associados.

O liberalismo usa do princípio da Liberdade para combater os privilégios conferidos a certos indivíduos em virtude do nascimento ou credo. [...] presume que um indivíduo seja tão livre quanto o outro para atingir uma posição social vantajosa, em virtudes de seus talentos e aptidões. [...] o

progresso geral da sociedade como um todo está condicionado ao progresso de cada indivíduo que obtém êxito econômico e, em última instância, à classe (grupo de indivíduos) que alcança maior sucesso material (CUNHA, 1977, p. 29-30).

Neste princípio, quanto menos poder do Estado, menor será sua esfera de ação e maior ainda será a liberdade do indivíduo. O liberalismo defende a tolerância religiosa contra as perseguições do Estado, incentivando o livre pensamento na esfera religiosa e prevendo as liberdades intelectual, religiosa e política, pois compreende que a liberdade é condição necessária para a defesa tanto da ação como das potencialidades individuais e a falta da liberdade. um desrespeito à personalidade do indivíduo.

Outro elemento fundamental da doutrina liberal é a propriedade. [...] um direito natural do indivíduo, e os liberais negam autoridade a qualquer agente político para usurpar seus direitos naturais. [...] a doutrina liberal repudia qualquer privilégio decorrente do nascimento e sustenta que o trabalho e o talento são instrumentos legítimos de ascensão social e de aquisição de riquezas, qualquer indivíduo pobre, mas que trabalhe e tenha talento, pode adquirir propriedade e riquezas (CUNHA, 1977, 30-31).

Cunha (1977, p.30) discorre que na, “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, da Revolução Francesa, a propriedade aparecia imediatamente entre os direitos imprescritíveis, não cabendo aos representantes do povo redistribuir as propriedades porque violariam o princípio da liberdade individual. O Estado existiria para proteger os interesses do homem e a propriedade.

Os homens, para os liberais, não são indivíduos iguais e seria impossível querer que o fossem, pois a igualdade social é nociva já que provoca a padronização e uniformização dos indivíduos, sendo isso um total desrespeito à individualidade de cada um.

O próximo e último princípio do liberalismo oriundo dos outros princípios do individualismo, da propriedade, da liberdade e da igualdade consiste no princípio de

Democracia, ou seja:

[...] igual direito de todos participarem do governo a livremente, através de representantes de sua própria escolha. Cada indivíduo, agindo livremente, é capaz de buscar seus interesses próprios e, em consequência, os de toda a sociedade. (CUNHA, 1977, p.33)

Existe uma ligação estreita entre os cinco princípios, sendo que a não realização de um deles implicaria na impossibilidade dos demais, mas a realização

de todos resultaria numa sociedade que os liberais nomearam de “sociedade aberta” e na qual todos os homens teriam oportunidades iguais de ocupação das diversas posições nela existente.

No que tange à educação e a sua função social, o principal ideal liberal considera que uma escola não deve estar a serviço de nenhuma classe, de nenhum privilégio de herança ou dinheiro, e nem de credo religioso ou político, devendo estar a serviço do indivíduo livre e pleno. Nesses moldes, caberia à escola “revelar e desenvolver em cada um, seus dotes inatos, seus valores intrínsecos, suas aptidões, talentos e vocações”. (CUNHA, 1977, p.34)

A partir dos talentos ou vocações individuais (que a escola tem a capacidade de despertar e desenvolver) que o indivíduo adquirirá sua posição, isto é, que o indivíduo ocupará na sociedade a posição que seus dotes inatos e sua motivação determinarem e, assim de acordo com suas próprias aptidões, irá encontrar seu lugar na estrutura ocupacional existente. [...] pretende contribuir para que haja justiça social levando a sociedade a ser hierarquizada com base no mérito individual. [...] a ascensão ou descensão social do indivíduo estará condicionada ã sua educação, ao seu nível de instrução. (CUNHA, 1977, 35)

É nesse sentido que o pensamento liberal presente no discurso da reconstrução nacional da sociedade brasileira moderna e seus reflexos no pensamento pedagógico contrapõem-se a um certo determinismo ideológico, advogando que a posição social do indivíduo não deveria ser determinada pelo seu nascimento, fortuna ou classe que este pertence. Assim, todos deveriam ter as mesmas oportunidades e, nesta perspectiva, a educação seria instrumento equalizador das desigualdades sociais e escolares. Para os liberais modernos, a adoção de métodos educativos apropriados asseguraria a transformação, proporcionando ao indivíduo a experiência de acordo com suas vocações.

Este pensamento esteve fortemente presente na concepção teórica de educação e democracia de Dewey, um dos seus grandes expoentes e, no Brasil, foi trazida e adotada por seu maior discípulo, Anísio Teixeira, no início da década de 1930.