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2 PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL PARA UMA EDUCAÇÃO DIFERENTE

4.1. A abordagem histórico-cultural e seus fundamentos para uma nova EJA

4.1.1. A ideia de Trabalho

VIGOTSKI (2007) afirma que quando um pesquisador estuda um objeto ele deve também estudar as relações que decorrem deste objeto. Em questão, estuda-se o homem o trabalho é uma das relações que procede dele e o modifica (LURIA, 2008).

A categoria trabalho é um conceito que vem sendo muito abordado na educação de adultos desde o surgimento da modalidade EJA. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) 9.394/96 afirma em seu Art. 37 no terceiro

parágrafo que a EJA deve se articular com a educação profissional, focando a preparação para o mercado de trabalho.

Todavia a concepção de trabalho aqui apresentada está além de posicionar o aluno oriundo da EJA em uma atividade profissional para a sua subsistência. A ideia é que a formação do educando da EJA seja de caráter crítica e total, alcançando preparação para o mercado de trabalho, mas que vá além de treinos pouco significativos de mera atividade trabalhista (LURIA, 2008; VIGOTSKI, 2010).

A psicologia histórico-cultural recomenda, primeiramente, a compreensão ‘adequada’ do termo “trabalho” e o porquê da importância desta categoria ser cuidadosamente abordada em sala de aula e nos cursos de EJA pelo professor (LURIA, 2008). Para LURIA (2008), o conceito de trabalho está na mente humana, assim como o conceito de família e sociedade, é o processo criativo do homem não somente uma atividade de remuneração para a sua sobrevivência. MARX (1996) afirma trabalho como relação do homem e a natureza em um processo de necessidade de controle material por parte do homem modificando a natureza e, por sua vez, sua realidade através desta ação.

OLIVEIRA (2009, p. 48) afirma que: “O trabalho é uma atividade que exige, por um lado, a utilização de instrumentos para a transformação da natureza e, por outro lado, o planejamento, a ação coletiva e, portanto, a comunicação social”. A ideia de trabalho segundo a abordagem histórico-cultural tem um propósito social, ele é chamado de ‘trabalho social’. Assim,

[...] o homem não apenas desenvolve uma relação determinada com a natureza, como entra nessa relação através e juntamente com outros homens, membros de uma determinada forma de organização social. O trabalho é mediatizado, desde sempre, pelo instrumento e pela sociedade. (POLI, 2007, p. 64)

A abordagem histórico-cultural se fundamenta no materialismo histórico- dialético, afirmando trabalho não somente como produção, mas como criação (VIGOTSKI, 2004). Isso significa dizer que o trabalho é uma categoria inseparável do social e que para Marx e Vigotski, a abordagem histórico-cultural entende o conceito de trabalho como ‘trabalho social’ (LURIA, 2008). Para a EJA esse conceito amplo de trabalho se torna importante na formação da personalidade de seus alunos que, atualmente, veem esta categoria somente como fonte de renda, como é observada nas respostas dos sujeitos do CE Vila Maranhão.

Segundo LURIA (2008, p. 191, grifo nosso): “Nossos dados confirmam, adequadamente, que a vida mental destes sujeitos (alunos adultos) muda radicalmente devido a trabalho social coletivo e a, pelo menos, alguma instrução sistemática (ação escolar)”. Luria investigou a possibilidade de desenvolvimento cognitivo em adultos, afirmando que o conceito de trabalho como processo criativo humano pode ser compreendido e utilizado qualitativamente pela escola para atingir o desenvolvimento dos alunos da EJA (LURIA, 2008; VIGOTSKI, 2007; 2010). Segundo LURIA (2008), mesmo um pouco de ‘instrução sistemática’ pode mudar muito a formação de um educando adulto.

David Ausubel apud MOREIRA (2006) estava correto em sua teoria da aprendizagem: a aprendizagem tem que ser significativa. Usar em determinado conteúdo aquilo que é da realidade do aprendiz colabora para que sua aprendizagem de novos conhecimentos se efetue satisfatoriamente. Não obstante, na perspectiva histórico-cultural, VIGOTSKI (2010, p. 248 – 249, grifo nosso), defende que a possibilidade da

[...] escola para o trabalho e para a educação consiste na visão inteiramente nova do trabalho como fundamento do processo educativo. Nessa escola genuinamente voltada para o trabalho este não é introduzido como objeto de ensino, como método ou meio de aprendizagem mas como matéria de educação. Segundo expressão feliz de um pedagogo, não só o trabalho se introduz na escola, mas também a escola no trabalho.

Uma visão unilateral e fragmentária da ideia de trabalho por parte da EJA faz com que ocorra o que é visto na prática do CE Vila Maranhão, uma educação ineficiente ou pouco construtiva de sujeitos preparados e críticos. Para FREIRE (2009), uma escola que em vez de formar o indivíduo em sua totalidade apenas o treina para uma posição fixa na sociedade, é uma escola que não cumpre sua função educadora.

Para VIGOTSKI (2010), a escola que ultrapassa a função de ‘treinamento’ para o mercado de trabalho, objetivando ir além da ideia de subsistência como única função do trabalho, é uma escola humanizadora. Percebe-se que, conforme foi analisado da realidade da Vila Maranhão, a escola maranhense compreende o aluno da EJA como uma pessoa sem criticidade e voluntariedade, ‘formando’ adultos despreparados para um mundo que exige, cada vez mais, indivíduos criativos, pensantes e democráticos.

O que se argumenta aqui é que se aplique uma prática pedagógica na EJA que compreenda o aluno como sujeito inserido e atuante no processo de

criação e produção de sua realidade e que, o trabalho, é um dos elementos e instrumentos que permitam esta interação. Pois que,

[...] o capitalismo, a lógica liberal de mercado, a globalização (de tudo), a fome, as doenças, a tecnologia de última geração, a exclusão do homem do acesso à tecnologia, à saúde, à alimentação e as diversas ações afirmativas de novos projetos para o mundo, tudo é produto da práxis que, por sua vez, só se faz pela ação do ser humano pela via de sua atividade vital: o trabalho. (POLI, 2007, p. 183, grifo nosso)

Negar o trabalho no exercício da prática escolar é negar a habilidade criativa do aluno e do homem (FREIRE, 2005). O fato é que, na EJA, recusar o conceito amplo de trabalho (trabalho social) fará com que a educação não cumpra seu objetivo de educar satisfatoriamente o adulto crítico e desenvolvido para a vida produtiva (LURIA, 2008; VIGOTSKI, 2010).

A instrução do homem a partir do conhecimento enganoso do conceito de trabalho, assim como conceitos equivocados a respeito de consciência e linguagem, são “materializados na imensa desigualdade social traduz o que Freire chama de “malvadez neoliberal””. (POLI, 2007, p. 183) Essa “malvadeza neoliberal” é a exclusão social manifesta na maioria das pessoas analfabetas ou analfabetos funcionais que existem no Brasil e nas nações que possuem políticas assistencialistas no campo da educação, sujeitas a um novo fracasso escolar pela EJA.

A abordagem histórico-cultural afirma que a educação, de modo geral, e a educação de adultos seja ministrada a partir de uma visão integradora do conceito de trabalho nos conteúdos escolares (LURIA, 2008). A categoria trabalho nos conteúdos escolarizados tem característica criativa que estimula e é parte do aluno da EJA. Segundo

[...] Marx, o trabalho – invento humano – cria o homem. Para Vigotski, por ser ato de criação, o trabalho (...) um importante fundamento para o desenvolvimento de funções psicológicas superiores. Para Freire, só o homem como ser que trabalha (...) se fez um ser da práxis, um ser de relações num mundo de relações. (POLI, 2007, p. 57)

Conforme LURIA (2008), usar o conceito de trabalho de forma adequada na educação de adultos (EJA) como processo criativo, social e de subsistência que vise à estimulação do desenvolvimento é a metodologia adequada que encaminha a ‘EJA desenvolvente’ (VIGOTSKI, 2010; 2007; 2004). Na prática, é uma EJA que possibilita um maior significado dos conteúdos com a realidade do educando, permitindo condições de desenvolvimento. Trabalho como trabalho social é um conceito crítico, reflexivo, significativo, contextualizado sócio-culturalmente e, apropriado para a educação de jovens e adultos.