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2. ABORDAGEM SOCIOLÓGICA DO DISCURSO PEDAGÓGICO

3.3. Identidade e cultura afrodescendente no Brasil: representações

Para compreendermos as dimensões que tecem as identidades e representações de sujeitos afrodescendentes, buscamos nos apoiar nas teorias sociológicas e antropológicas para interpretar a condição do 'ser' negro na pós-modernidade, compreendendo-o como um sujeito que, de fato, é social fragmentado e construído discursivamente pelo aspecto gênero, pela sexualidade, pela classesocial, pelo nível de escolaridade e pela raça e não somente pela última, como os fazem crer os discursos da pós modernidade.

Neste aspecto, tais teorias podem nos trazer benefícios epistemológicos por compreender raça como uma construção social perpassada por outros construtos sociais que estão presentes na fabricação do sujeito social. Para dialogar sobre identidade negra, trazemos os construtctos teóricos e filosóficos de Munanga (2012), o qual aponta para uma compreensão sobre identidade negra/afrodescendente fundada na história e ancestralidade.

Em uma de suas análises acerca da identidade negra, Munanga (2012) nos instiga a reflexão aprofundada sobre questões da tessitura filosófica em que são enraizadas concepções sobre construções identitárias. Para tanto, centra sua reflexão no arcabouço teórico do multiculturalismo. Por assim dizer, afirma que só a partir desse lugar, poderemos redesenhar a análise sobre identidade negra.

O multiculturalismo é justamente essa corrente de pensamento, filosofia, visão do mundo ouideologia que defende o reconhecimento público da existência das diferenças no seio de umanação. Esse reconhecimento pode ter diversas tendências: (1) tendência separatista, no exemplo da Espanha, Bélgica, Canadá, entre outros – (2) tendência segregacionista, no exemplo do regime do apartheid na África do Sul – (3) tendência inclusiva ou integracionista, no exemplo do Brasil e de alguns países da América do Sul. Assim, os três tipos ou tendências multiculturalistas podem engendrar três tipos de nacionalismos capazes de criar conflitos e violências (Munanga, 2012: 2)

Dito dessa forma, podemos entender que, na visão do autor, se háuma identidade negra, além daquela nacional, então se supõe que há outras identidades no mesmo país, o que por sua vez, nos leva a compreender que o Brasil, país de referência para este estudo, é um país multirracial e multicultural, ou seja, ele está dentro do contexto do multiculturalismo.

A essência do pensamento multiculturalista é a existência das diferenças, que sejam elas no plano religioso, étnico, racial, linguístico, entre outras, coexistindo no cerne de uma mesma sociedade. Por esse olhar, concebemos a necessidade de tratar desses aspectos no contexto cultural e social dos sujeitos analisados, observando a atmosfera das interações discursivas na sala de aula de língua inglesa, na expectativa de encontrar situações em que os

sujeitos da EJA se mostrassem em várias dimensões de expressões culturais e sociais de acordo com seu repertório de vivências históricas, marcadas por representações identitárias construídas a partir de seu referencial de matrizes afro-brasileiras.

Por essa via, recorremos a Freire (1996: 32) para afirmar que “o saber de experiência feito”, ou seja, o conhecimento que é produzido nas atividades cotidianasdos afrodescendentes da EJA, aqui referenciados, deve prevalescer como premissa importante para fundamentar as práticas pedagógicas, com vistas à construção identitária, porque assim, entenderemos que poderá haver sentido no que é levado para suas vidas como educação significativa. Da mesma maneira, acreditamos que a interação conhecimento do senso comum com os saberes da ciência poderá trazer resultados impactantes também na relação educador e educando. E ainda, de acordo com Loureiro (2010), o saber profissional, considerando a prática pedagógica da professora da EJA, entrevistada, deve ser fundamentado em várias dimensões que, por sua vez, refletem os significados dos saberes adquiridos no contexto do trabalho cotidiano.

Por esse olhar, temas provenientes de suas vivências cotidianas, da memória coletiva, dos cenários sociais em que orquestram suas expectativas, projetos de vida, bem como reflexões de outras tantas histórias já vividas por eles, quer seja no nível individual, quer seja no coletivo devem fazer parte do currículo que se fundamenta na pedagodia crítica.

Como reflete Munanga (2005) aquilo que tem sido marginalizado pelos detentores de uma filosofia educativa eurocêntrica e racista, isto é, aqueles saberes que se referem à

[...] memória coletiva, da história, da cultura e da identidade dos alunos afrodescendentes, apagadas no sistema educativo baseado no modelo eurocêntrico [...] O resgate da memória coletiva e da história da comunidade negra não interessa apenas aos alunos de ascendência negra. Interessa também aos alunos de outras ascendências étnicas, principalmente branca, pois ao receber uma educação envenenada pelos preconceitos, eles também tiveram suas estruturas psíquicas afetadas. Além disso, essa memória não pertence somente aos negros. Ela pertence a todos, tendo em vista que a cultura da qual nos alimentamos quotidianamente é fruto de todos os segmentos étnicos que, apesar das condições desiguais nas quais se desenvolvem, contribuíram cada um de seu modo na formação da riqueza econômica e social e da identidade nacional (Munanga, 2005: 16).

Dessa forma, aspectos da cultura e história da afrodescendência deveriam representar a realidade social desses sujeitos, nos textos e contextos educativos. Sendo assim, as religiões, os ritos, os mitos, costumes, ritmos, crenças, artes, bem como outros conhecimentos da ciência, cultura e história de povos afros e de seus lugares, que versam sobre essa etnia e que

são veiculados pelas sociedades afro no mundo e no Brasil deveriam ser movidos para o contexto educativo da EJA.

4 EDUCAÇÃO: DIREITO DE TODOS

Sabemos que todos os discursos políticos da contemporaneidade, com relação à educação, no Brasil, levam-nos a crer que todos os cidadãos têm direito à educação. De fato, conforme o artigo 6º do capítulo II da Constituição Federal Brasileira de 1988, o acesso e permanência nos diversos contextos educativos se constituem como premissa fundamental, uma vez que se trata de um processo de desenvolvimento individual inerente à condição humana, ou seja, quem não tem acesso à educação não tem condiçõesde “estar no mundo e com o mundo”(com referência ao pensamento de Freire, 1987) sendo, assim, ator de suas próprias construções identitárias nas diversas teias do existir.

O sujeito excluído da educação deixa de exigir e exercer seus direitos civis, assim também como tende à cegueira política, e, portanto, a não reconhecer sua importância no entendimento da conjuntura política de sua sociedade, bem como de seus efeitos nocivos aos cidadãos iletrados e letrados construídos,de certa forma, através da formatação capitalista como temos visto atualmente. Desse modo, tendo em vista que a educação é dever do Estado e dafamília, faz-se necessário uma articulação entre os atores sociais dos diversos seguimentos da sociedade e do Estado no sentido de pensar a educação,em termos de viabilização de instrumentos que possam capacitar gestores, educadores e aprendizes no desenvolvimento dos projetos educativos,bem como sua promoção e efetivação, em níveis legais, para todos os cidadãos.

O direito à educação é parte de um conjunto de direitos chamados de direitos sociais, que têm como inspiração o valor da igualdade entre as pessoas.Esses estão fundamentados na Constituição Federal de 1988, Lei de Diretrizes e Base, LDB nº 9.394/96 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) Lei nº 8.069/90.

A Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da Educação foi aprovada em 1996 e, em sua composição, os artigos 34 e 87 dizem respeito à educação integral. O Artigo II da LDB afirma que a educação tem como finalidade o pleno desenvolvimento do educando e prepará-lo para exercitar sua cidadania, o que também prevê uma educação que dialogue com os diversos setores da sociedade. Já os artigos 34 e 86 trazem como agenda que o ensino fundamental seja oferecido em tempo integral de forma progressiva.

Art. 2º. A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (…) Art. 34º.§ 2º. O ensino fundamental será

ministrado progressivamente em tempo integral, a critério dos sistemas de ensino (Brasil, 1996).

Já a Constituição Federal de 1988 contém três artigos que fazem referência à educação integral. No artigo 205º da Carta Magna, a educação é apresentada como um direito humano promovido e incentivado pela sociedade. No artigo 206º é citada a gestão democrática do ensino público, o que também dialoga diretamente com a educação integral, que preconiza a intersetorialidade como eixo fundamental das ações educativas. O artigo 227º é o que mais responde ao conceito de educação integral, pois afirma que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar, entre outros, o direito à educação. Os trechos a seguir ilustram destaques dos artigos referidos:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação da Emenda Constitucional nº 65, de 2010) (Brasil, 2010).

Além da Constituição Federal, de 1988, existe a lei que regulamenta e complementa o direito à Educação: o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990. O trecho em destaque preconiza os direitos da criança e do adolescente:

Art. 53º. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes (…) o acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência. É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais. (…) Art. 59º. Os municípios, com apoio dos estados e da União, estimularão e facilitarão a destinação de recursos e espaços para programações culturais, esportivas e de lazer voltadas para a infância e a juventude (Brasil, 1990).

No Brasil, além de a educação ser regulamentada pelaLei de Diretrizes e Base, LDB nº 9.394/96 e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, ECA Lei nº 8.069/90 é também regida pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que atendem toda a educação básica, da creche ao ensino médio. Estas leis explicitam, de forma coerente, as responsabilidades e competênciasde cada uma das esferas (de governo) para que o cidadão saiba a quem cobrar o cumprimento das garantias constitucionais (Roitman; Ramos, 2011).

A Educação divide-se em dois níveis: a educação básica e o ensino superior, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases. Dessa forma, a educação básica compreende a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio. Por sua vez, o Ensino Médio, o qual é a etapa final da educação básica, tem duração mínima de três anos e atende à formação geral do

educando. Ainda nessa configuração estrutural para o Ensino Médio, é possível incluir outros programas de capacitação profissional.

Antes da promulgação da LDB, o Estado não tinha a obrigação formal de garantir educação de qualidade a todos os brasileiros. Então, cabia a escola pública, nas primeiras décadas do século XX, a escolarização das camadas populares, mas só para aqueles que tinham necessidades de capacitação para o trabalho nas esferas urbanas centrais e isso se caracterizava como um trabalho assistencialista do governo e não como direito do cidadão. Assim, as populações de regiões rurais, ribeirinhas e periféricas estavam à parte do processo educativo. Deste contingente, os pobres, os miseráveis e os negros eram excluídos totalmente. Mas ao final do túnel, a Constituinte de 1988 traz luz para esse problema e de acordo com suas diretrizes, a educação fundamental passou a ser dever do poder público e garantido a todo brasileiro (Pereira, 2012).

Então, o slogan político: a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, passa a ser promovido e incentivado com a colaboração da sociedade e tem como foco, o desenvolvimento pleno do cidadão, seu preparo para o exercício dacidadania e sua qualificação para o trabalho (Brasil, 1998).

Juntos, o ECA e a LDB garantem à criança, o jovem ou o adulto, o direito a educação e vagas para todos nas instituições de ensino. As escolas públicas brasileiras oferecem ensino gratuito para todos os brasileiros, mas infelizmente sabemos que a educação, bem como sua estruturação enfrentam problemas diversos, quer sejam relacionados às questões políticas, legislativas, que sejam no que tange à filosofia e aspectos pedagógicos. Conforme Saviani

&Lombardi (2005: 4),

se se trata de escolas organizadas e mantidas pelo Estado, isso significa que cabe ao poder público se responsabilizar plenamente por elas, o que implica a garantia de suas condições materiais e pedagógicas. Tais condições incluem a construção ou a aquisição de prédios específicos para funcionar como escolas; a dotação e manutenção nesses prédios de toda a infraestrutura necessária para o seu adequado funcionamento; a instituição de um corpo de agentes, com destaque para os professores, definindo-se as exigências de formação, os crittérios de admissão e a especificação das funções a serem desempenhadas; a definição das diretrizes pedagógicas, dos componentes curriculares, das normas disciplinares e dos mecanismos de avaliação das unidades e do sistema de ensino em seu conjunto (Saviani &Lombardi, 2005: 4).

Infelizmente, ainda hoje, muitas de nossas escolas apresentam estrutura inadequada ou ineficiente, falta de melhorias na aplicação de políticas públicas voltadas para o ensino e capacitação dos educadores, baixos investimentos nos projetos, como também dificuldades no repasse de verbas, escassez de material didático e pedagógico, insatisfação dos professores

com os reajustes salarias, carência de pessoal de apoio, de gestores competentes e, por fim, de políticos competentes e comprometidos com vontade de mudar, transformar a educação para atender a sede e o direito ao saber de todos os brasileiros. Dentro desse panorama da educação brasileira, para essa pesquisa, daremos ênfase à educação de jovens de adultos e alguns de seus problemas.