• Nenhum resultado encontrado

A noção de identidade foi problematizada desde o início da história pela filosofia moderna atrelada as questões da subjetividade e da individualidade, por estar ligada a autonomia do sujeito (subjetividade) e a independência individual, tendo a subjetividade um valor, pois o indivíduo passa a ter uma autonomia na sua “construção”, modificando sua performance individual, diante de uma reflexividade que existe neste indivíduo moderno (PERRUSI, 2003). Esta identidade parece sofrer de uma dualidade justamente porque o processo de identificação ocorre num mundo onde a individuação possui uma dissimetria em relação à subjetivação. Se o indivíduo constrói sua identidade a partir da socialização, o processo de identificação que formata sua "consciência de si" teria necessariamente dois momentos: a primeira em relação a si mesmo e segunda em relação ao outro (PERRUSI,2009). Para Bourdieu (1974):

Todas as práticas de um mesmo agente são objectivamente harmonizadas entre si, sem necessidade de uma procura intencional de coerência e são objectivamente orquestradas, sem recorrerem a uma concertação consciente com as dos outros membros da mesma classe (BOURDIEU,1974, p. 31).

O processo de construção individual é banhado de vários elementos que se tornam uma influência nas atitudes e nos comportamentos do indivíduo, mesmo que, por vezes, não esteja ligada a uma premeditação de seus atos. O agir, para si e para os outros, torna-se algo normal e não necessita de um prévio raciocínio para que aconteça e, mesmo diante das diferenciações entre os sujeitos, a identidade é construída e baseada também nessas diferenças.

É nessa perspectiva que Goffman (1982) considera a necessidade de diferenciar as pessoas a partir de todos os seus atributos, sejam eles mutáveis ou imutáveis, numa visão de respeito à sua identidade e às suas necessidades,

afastando-se de um papel estruturado ou de uma rotina determinada por processos de padronização de uma organização social. Pensamos que a visão do autor pode ser extensiva tanto ao profissional, que faz uso de seu saber, como àqueles que necessitam desse saber, ou seja, o indivíduo e o doente. Outro questionamento importante do autor é que a construção da identidade profissional parte, entre outros aspectos, do reforço que é dado pelo nome, pela definição e pelo registro profissional.

Para Perrusi (2009), a formação da identidade apresenta, em sua construção, dois momentos: o individual, ligado ao ego, com características próprias do sujeito; o social, ligado ao sistema de papéis, nos quais os indivíduos se relacionam com os outros. Nesse sentido, a ciência social problematiza a identidade em dois eixos: o primeiro, relacionado aos aspectos psicológicos e psicossociais da identidade, seria a construção do “eu”, ou melhor, a interiorização, a maneira de incorporar o mundo; o segundo seria o social e seria vinculado às experiências da família, escola, tudo aquilo que seria o fruto do processo de socialização. Assim, a identidade é vista como "coletiva", "social", "cultural", de "classe", em que são incorporados valores dominantes ou consensuais e onde são cumpridos seus papéis de funcionalidade, integração social ou de resistência ao sistema social que os cerca.

Diante de uma diversidade de identidades, uma das que tem importância é a identidade profissional, por ter se tornado algo que sofre grandes transformações pelas mudanças exigidas pelo próprio trabalho, pelas novas tecnologias e pelas novas descobertas científicas. Diante disso, a construção do trabalho individual ou coletivo deve ocorrer e deve ser tratada de forma equivalente a todas as outras práticas sociais do indivíduo.

Esses indivíduos, ligados às suas práticas sociais, precisam de uma apropriação de seu “poder” de reflexividade para concretizar sua mudança, construindo e re-construindo a partir de suas vivências, graças à dinâmica do mundo. É preciso que o indivíduo mantenha a narração de si e esteja sempre diante de sua auto-reflexividade, com o intuito de tornar-se um projeto explícito permanente, de construção de sua confiança, de relações e de redes contribuindo para a formação de seu habitus (SELTZER, 2008).

Para adentrar no sentido de habitus, é necessário que se compreenda que sua lógica é relacional e não substancial, porque faz parte da congregação de relações presentes no mundo social. Isso é possível por meio de uma revisão da noção de

hexis, que fora no caso convertida em habitus pela escolástica, e surge da

necessidade de desmistificar o conceito no qual os sujeitos e seus comportamentos são determinados pela estrutura. O habitus seria “uma aquisição de conhecimento através de uma trajetória nos jogos sociais de que o agente participou” (SHENATO, 2011, p. 34).

A aquisição individual de conhecimento sofre influência do contexto histórico e de tudo que se faz presente na época, com todas as suas variáveis, influenciando na formação dos pensamentos e atitudes do sujeito frente à coletividade. Dessa forma, não pensaríamos que a construção do habitus é algo isolado nem mesmo “engessado” por uma estrutura; na verdade, pensamos como sendo algo que é condicionado por ua relação dialética entre objetividade/subjetividade.

É nessa relação entre a objetividade/subjetividade que fica entendido a maneira de construção de um campo na produção de habitus e como esse naturaliza o campo. A partir disso, a realidade dos acontecimentos sociais torna-se parte de uma interação entre as coisas (campo) e os cérebros (habitus) interiorizados e exteriorizados nos agentes sociais (SHENATO, 2011).

O conceito de habitus em Bourdieu surge do pensamento aristotélico e da escolástica medieval, através da noção de héxis, converida em habitus pela escolástica na necessidade de evitar o entendimetno de que as ações humanas são construídas apenas pela coerção de causas externas ou então por uma noção racional do sujeito diante de suas ações; portanto, o que há é uma relação dialética entre esses conceitos na formação do habitus. Para Wacquant (2002),

Bourdieu recuperou e trabalhou o conceito Aristotélico-tomista de

habitus para elaborar uma filosofia disposicional da ação como

propulsora dos socialmente construídos e individualmente incorporados “esquemas de percepção e apreciação” (WACQUANT, 2002, p. 98).

O habitus está ligado ao nosso modo de pensar e de agir diante do mundo. Ele é “adquirido mediante a interação social e, ao mesmo tempo, é o classificador e o organizador desta interação. É condicionante e é condicionador das nossas ações” (THIRY-CHERQUES, 2006, p. 7). O habitus nesse sentido é construído e reconstruído através de nossas experiências de vida, sem nos darmos conta das modificações que estamos sofrendo, durante nossa participação na reprodução social. Cada campo

social promoverá, em nosso entender, a construção de um novo habitus, seja ele na família, na escola ou mesmo na vida profissional.

Os fisioterapeutas, assim como outros agentes sociais, são produtos de uma história dentro do campo e das experiências acumuladas durante sua trajetória. Inferimos que a construção desse profissional é baseada na concepção de uma ética que rege suas atividades e infiltra-se em seu campo e em suas práticas. Nesse momento, percebe-se a utilidade das noções de ethos e héxis, sendo o ethos a dinâmica de construção e reconstrução dos valores e ações que o profissional desenvolve no campo, ou seja, no espaço social onde ele realiza suas práticas. Diante disso, poderíamos dizer que o habitus do fisioterapeuta é construído a partir de diferentes pilares. Na figura 9, tentaremos mostrar os que proporcionam a construção do profissional fisioterapeuta, partindo do momento da socialização em que acontece a escolha profissional.

Figura 9: Construção do habitus do fisioterapeuta

Fonte: Dados da Pesquisa, 2013

É primordial o entendimento de que a construção de um habitus profissional é constituído desde a escolha profissional, perpassando pela construção acadêmica e

Fisioterapia como escolha profissional Construção acadêmica do Ingresso na Academia Teoria, prática, estágios, monitorias, projetos de pesquisa e Egresso Pós-graduação (Especialização, mestrado, doutorado, PHD) Mercado de trabalho (Clínicas, hospitais, NASF,

suas diferentes vertentes de aprendizado, ao influenciar diretamente no tipo de profissional que adentrará no mercado de trabalho, através ou não de uma pós- graduação. Vale ressaltar que essa construção não será apenas garantida no sentido do âmbito acadêmico, mas sofre influências dos fatores sociais que ocorrem no entorno desse processo. Dessa forma, no campo de trabalho, haverá sempre uma construção e reconstrução das práticas fisioterapêuticas, envolvendo estrutura e seus pares e garantindo uma contínua ressignificação de seu habitus profissional.