• Nenhum resultado encontrado

Identidade pessoal e desrespeito: violação, privação de direitos,

2 A retomada do jovem Hegel

3.3 Identidade pessoal e desrespeito: violação, privação de direitos,

Verificam-se os padrões de reconhecimento e distinguem-se suas três formas de assentimento intersubjetivo: a esfera do amor, do direito e da solidariedade. Basta observar nesta seção “o papel dominante das categorias morais que, como as de ‘ofensa’ ou de ‘rebaixamento’, se referem a formas de desrespeito, ou seja, às formas de reconhecimento recusado” (HONNETH, 2003, p. 213). Isto é, através das formas de desrespeito, Honneth refere-se aos padrões de integridade violados em seus padrões de assentimento ou de reconhecimento, assim como na forma de “ofensa” ou de “rebaixamento”, como diz Honneth, nas formas de reconhecimento recusado. Entretanto, para compreender-se de fato, Honneth explicita a questão:

Conceitos negativos dessa espécie designam um comportamento que não representa uma injustiça só porque ele estorva os sujeitos em sua liberdade de ação ou lhes inflige danos; pelo contrário, visa-se àquele aspecto de um comportamento lesivo pelo qual as pessoas são feridas numa compreensão positiva de si mesmas, que elas adquiram de maneira intersubjetiva (HONNETH, 2003, p. 213).

Então, para o autor, a experiência do desrespeito aponta para a privação de reconhecimento no domínio dos fenômenos negativos, embora também possam ser reencontradas as mesmas distinções nos fenômenos positivos. Nesse sentido,

59

A diferenciação de três padrões de reconhecimento deixa à mão uma chave teórica para distinguir sistematicamente os outros tantos modos de desrespeito: suas diferenças devem se medir pelos graus diversos em que podem abalar a autorrelação prática de uma pessoa, privando-a do reconhecimento de determinadas pretensões da identidade (HONNETH, 2003, p. 219).

Desse modo, Honneth provoca e mostra que a resposta para essa discussão não foi analisada por Hegel, tampouco por Mead, pois a experiência de desrespeito está “ancorada nas vivências afetivas dos sujeitos humanos, de modo que possa dar, no plano motivacional, o impulso para a resistência social e para o conflito, mais precisamente, para uma luta por reconhecimento?” (HONNETH, 2003, p. 214).

Para Honneth, aquelas formas de maus-tratos práticos, nas quais é retirada, de forma violenta, a possibilidade da livre disposição sobre seu corpo, representam a forma mais elementar de rebaixamento pessoal. A lesão física ocorrida na tortura ou na violação não é constituída por um flagelo puramente corporal, mas por uma ligação de estar pertencente a vontade de um outro, sem proteção, possibilitando a perda de confiança em si e no mundo.

Por isso, para Honneth, as formas de autoconfiança psíquica estão concatenadas às condições emotivas que devem obedecer a uma lógica de um equilíbrio intersubjetivo. Se a primeira forma de desrespeito está inserida nas experiências de maus tratos corporais que violam a autoconfiança básica de uma pessoa, deve-se procurar a segunda forma, ou seja, as experiências de rebaixamento que afetam seu autorrespeito moral.

Com efeito, tudo isso se refere aos modos de desrespeito pessoal, infligidos a um sujeito na intenção de ele permanecer excluído da posse de determinados direitos no interior de uma sociedade. Para Honneth (2003, p. 216):

Podemos conceber como “direitos”, grosso modo, aquelas pretensões individuais com cuja satisfação social uma pessoa pode contar de maneira legitima, já que ela, como membro de igual valor em uma coletividade, participa em pé de igualdade de sua ordem institucional; Se agora lhe são denegados certos direitos dessa espécie, então está implicitamente associada a isso a afirmação de que não lhe é concedida imputabilidade moral na mesma medida que aos outros membros da sociedade.

Para Honneth, nos três grupos de experiências de reconhecimento de desrespeito, pode ocorrer uma violação de suas próprias capacidades.

A degradação valorativa de determinados padrões de autorrealização tem para seus portadores a consequência de eles não podem se referir a condução de sua vida com a algo a que caberia um significado positivo no interior de uma coletividade; Por isso, para o indivíduo, vai de par com a experiência de uma tal desvalorização social, de maneira típica, uma perda

de autoestima pessoal, ou seja, uma perda de possibilidade de se entender a si próprio como um ser estimado por suas propriedades e capacidades características (HONNETH, 2003, p. 217).

Honneth aponta para Dewey, que em seus primeiros ensaios havia defendido que o processo psíquico é anteposto e realizado de modo interno frente às ações direcionadas para fora. Com isso, o princípio de discussão de Dewey possui a verificação de que os sentimentos surgem na perspectiva de vivências do ser humano somente na dependência positiva ou negativa com a efetuação de ações. Isso quer dizer que ou eles acompanham como estados de excitação vinculados ao corpo particularmente bem-sucedidos ou surgem como vivências de sentimentos de um contrachoque de ações fracassadas ou perturbadoras.

A análise dessas vivencias de contrachoque dá a Dewey a chave que permite a ele chegar a uma concepção de sentimentos humanos nos termos da teoria da ação. De acordo com ela, os sentimentos negativos como a ira, a indignação e a tristeza constituem o aspecto afetivo daquele deslocamento da atenção para as próprias expectativas, que surgem no momento em que não podem ser encontrada a sequência planejada para uma ação efetuada; Em contrapartida o sujeito reage com sentimentos positivos como a alegria ou o orgulho quando é libertado repentinamente de um estado penoso de excitação, já que ele pôde encontrar uma solução adequada e feliz para um problema prático urgente (HONNETH, 2003, p. 221).

Com esse ponto de discussão apresentado, em que os sentimentos representam para Dewey, de modo geral, as reações afetivas no contrachoque do insucesso ou do sucesso das realizações práticas, pode-se procurar e tratar distinguir de forma mais adequada as “perturbações” que possam surgir no quadro referencial do mundo social. Segundo o autor, o fracasso ou o insucesso podem se chocar com dois tipos diferentes de expectativas.

A ação costumeira e rotineira dos seres humanos pode chocar-se com obstáculos ou no quadro referencial de expectativas instrumentais de êxito ou, ainda, no quadro referencial de expectativas instrumentais normativas de comportamento. Se ações orientadas ao êxito fracassam nas resistências com que se deparam imprevistamente no campo das tarefas a serem vencidas, isso leva a perturbações “técnicas” no sentido mais amplo. Em contrapartida, se as ações dirigidas por normas ricocheteiam em situações porque são infringidas as normas pressupostas como válidas, isso leva a conflitos “morais” no mundo da vida social (HONNETH, 2003).

61

refreiam as expectativas do sujeito ativo provocam, no sentido de Dewey, e reagem quando vivenciam um contrachoque imprevisto de sua ação em virtude da violação de expectativas normativas de comportamento. Esses aspectos de indignação moral são a vivência afetiva da ação, o que conduziria à ação planejada e agora impedida e refreada.

Outro aspecto a ser considerado nessa acepção entre os sentimentos morais é o caráter da vergonha. O conteúdo moral da vergonha, para Honneth, baseia-se em uma espécie de rebaixamento do sentimento do próprio valor. O sujeito que é impedido ou que se vergonha de si mesmo na intenção de realizar sua ação, sente- se com um valor social de caráter menor. Portanto, para Honneth, a crise moral na comunicação desencadeia-se aqui pelo fato de que são desapontadas as expectativas normativas que o sujeito ativo acreditou poder situar na disposição do seu defrontante para o respeito (HONNETH, 2003).

Nessas reações emocionais de vergonha, a experiência de desrespeito pode tornar-se o impulso motivacional de uma luta por reconhecimento, pois a atenção afetiva em que o sofrimento de humilhações força o indivíduo a entrar só pode ser dissolvida por ele na medida em que reencontra a possibilidade de ação ativa (HONNETH, 2003). Na perspectiva de Honneth (2003, p. 224):

Simplesmente por que os sujeitos humanos não podem reagir de modo emocionalmente nutro ás ofensas sociais representada pelos maus-tratos físicos, pela privação de direitos e também pela degradação., os padrões normativos do reconhecimento reciproco tem uma certa possibilidade de realização no interior do mundo da vida social em geral; Pois toda realização emocional negativa que vai de par com a experiência de uma desrespeito de pretensões de reconhecimento contém novamente em si a possibilidade de que a injustiça infligida ao sujeito se lhe revele em termos cognitivos e se torne o motivo de resistência política.

Contudo, para Honneth, a deficiência desse suporte prático da moral no interior da realidade social mostra que a injustiça do desrespeito não tem que se revelar indubitavelmente nessas reações afetivas, no entanto, pode se transformar em uma convicção política e moral ao ser constituída no entorno político e cultural dos sujeitos atingidos.

Somente quando o meio da articulação de um movimento social está disponível é que a experiência de desrespeito pode tornar-se uma fonte de motivação para ações de resistência política. No entanto, só uma análise que procura explicar as lutas sociais a partir da dinâmica das experiências morais instrui acerca da lógica que se seque o surgimento desses movimentos coletivos (HONNETH, 2009, p. 224).