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trajetória laboral do sujeito (com sua ligação intrínseca à formação da identidade profissional) fornece uma base para compreensão, permitindo melhor visualizar as possíveis transformações que ocorrem com a aposentadoria. Assim sendo, embora o foco deste estudo não seja identidade, considerou-se relevante abordar o assunto, mesmo que de forma breve.

2.3 Identidade profissional

O termo identidade tem sido discutido nos mais variados campos do conhecimento humano, como por exemplo, Antropologia, Sociologia, Psicologia, Administração, entre outros. Por se tratar de um conceito polissêmico, diversos autores, considerados referências neste tema, muitas vezes o abordam sob diferentes perspectivas.

Hall (2006) estuda os estágios pelos quais passaram as concepções mutantes da identidade humana. A conceitualização do sujeito moderno teria mudado em três momentos históricos, sempre acompanhando evoluções científicas, dando origem assim a três concepções de identidade. Entre o Humanismo Renascentista (séc. XVI) e o Iluminismo (séc. XVIII) surge o “indivíduo soberano”, o homem racional, científico, centro do universo (ocorre aqui uma importante ruptura com o passado das tradições e estruturas estabelecidas por inspiração divina). A segunda concepção, sociológica, decorre do desenvolvimento da biologia darwiniana e das novas ciências sociais da época, que de um lado “biologizaram” o ser humano e, de outro, criticaram o sujeito racional cartesiano. Nessa concepção, o sujeito está consciente de que sua formação subjetiva depende da participação em relações sociais mais amplas. Finalmente, na “modernidade tardia” (segunda metade do séc. XX), a “identidade fixa e estável” do homem iluminista torna-se fragmentada, transitória e inacabada no homem pós- moderno, em decorrência das mudanças profundas vividas pela sociedade.

Sawaia (1999) sustenta que existe um paradoxo no moderno uso do conceito de identidade, com motivação antagônica: de um lado, serve como defesa do direito à diversidade, e do outro, como barreira do indivíduo contra a diversidade resultante da quebra das fronteiras de comunicação advinda da globalização. Aparentemente, essa contradição viria da concepção de identidade estável, fixa, em oposição ao conceito de identidade instável, em permanente modificação. Segundo a autora,

trata-se de um equívoco: uma concepção não anula ou substitui a outra, pois ambas são “momentos do processo de identificação”.

A posição de Maheirie (2002) é semelhante: o conceito de identidade só pode ser compreendido de forma dinâmica, uma vez que se trata de uma construção que envolve movimentos e posições contraditórias. O sujeito, através da sua consciência, constrói, desconstrói e reconstrói sua identidade ao longo do tempo, caracterizando-a como aberta e mutável, em constante metamorfose.

No que diz respeito aos conceitos aqui discutidos, constata-se uma unanimidade no que se refere à compreensão da identidade como um processo dinâmico, transitório, em permanente modificação.

Coutinho, Krawulski e Soares (2007) reconhecem o trabalho como fonte fundamental na construção da identidade humana e afirmam que, apesar das dificuldades trazidas por algumas das novas configurações assumidas pelo contexto produtivo capitalista no mundo contemporâneo (por exemplo, flexibilidade e transitoriedade, mercado informal e precário), os trabalhadores ainda tendem a buscar a construção de uma identidade coerente, embora de natureza mais transitória, ao longo de sua história. Luna (2005 p.81) alerta para a dificuldade crescente na construção de identidades profissionais atualmente, em decorrência das inúmeras divisões e subdivisões do trabalho. O autor define identidade profissional como “a auto-percepção do próprio sujeito e a percepção de outrem sobre ele como alguém que desenvolve uma atividade necessariamente relacionada a um conhecimento e/ou habilidade específicos”. A especialização cada vez mais exigida dos trabalhadores dificulta, segundo o autor, encontrar, para a atividade que se realiza, uma significação que transcenda o momento imediato.

Coutinho et al. (2007) coincidem com as idéias de Machado (2004) quanto à importância do trabalho na construção da identidade, acrescentando que os indivíduos constroem as diversas relações sociais com os diferentes grupos através do trabalho, podendo assim considerar o âmbito organizacional uma fonte de referências na construção da identidade, havendo ainda, além da identidade pessoal e social, a profissional e a organizacional, e que estas, por se tratarem de um fenômeno humano, articulam-se entre si.

Carlos et al. (1999), ressaltam que, da importância da identidade do trabalhador e sua representatividade enquanto identidade do eu, emergem as questões da aposentadoria e suas repercussões. Identidade que se refere, também, à consciência de pertencer a determinado grupo social, inclusive laboral, e à carga afetiva que esta pertença implica. O

espaço de trabalho e as categorias profissionais, em geral associados a prestígio ou desprestígio social, proporcionam atributos de qualificação ou desqualificação do eu. Nos casos em que a qualificação é de tal forma representativa, o prefixo ex é evocado para dar conta da identidade quando da aposentadoria.

As pessoas passam grande parte de suas vidas trabalhando e convivendo com os mesmos grupos, então a mudança ocorrida com a aposentadoria, na maioria dos casos, poderá não ser uma experiência tranqüila. Nesse contexto, Wilsom e Scalco (1995) acrescentam que na aposentadoria, além das mudanças nos hábitos diários de trabalho, o sujeito necessita pensar em uma nova inserção no grupo social do qual passará a fazer parte. Existem também perspectivas que remetem a uma visão positiva, pois sugerem novas possibilidades de criação de identidades, através de novas inserções sociais (políticas, familiares e culturais, entre outras).

No caso específico do grupo investigado, pode-se inferir que suas exigências e prerrogativas ímpares, decorrentes da natureza diferenciada do trabalho policial, tendam a formar uma identidade profissional também diferenciada. Essa natureza distinta tem suas origens no pensamento weberiano, segundo o qual a coação física para a manutenção da ordem vigente, quando obedece aos ditames legais, é prerrogativa legítima, exclusiva e requisito essencial para a formação do moderno Estado de direito (Adorno, 2002). E, dentre as instituições de que se vale o Estado para garantir esse monopólio do uso da força, destaca-se justamente a polícia.

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