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O professor é a pessoa e uma parte importante da pessoa é o professor. (Nias, 1991, cit. por Nóvoa, 1992).

É no exercício das suas funções, que os educadores de infância, assim como outros docentes, inevitavelmente transparecem pensamentos, formas de ser e de estar que advêm da sua condição de pessoa.

A história de vida de cada educadora, a família, as vivências significativas, as relações e amizades, os valores e ideologias, os contextos onde viveu e que experienciou, o percurso formativo, as pessoas que a influenciaram e que constituíram uma referência na sua vida, toda esta trajetória biográfica é preponderante no processo de crescimento que a torna pessoa. (Correia, 2018).

“O professor leia-se educador não ensina apenas o que sabe, ensina aquilo que é.” (Canário, 2007, p. 140).

Nóvoa (1995) considera que é impossível separar o eu profissional do eu pessoal, uma vez que, quem nós somos enquanto pessoas é transmitido inevitavelmente aos outros durante o processo de se ser professor.

39 Neste sentido a identidade possui uma natureza ao mesmo tempo pessoal e social (Fernandes, 1992 cit. por Craveiro, 2016) no sentido de que o Eu se desenvolve na relação com o Tu, com o Nós e com o Eles. Pretende-se com isto dizer que o indivíduo não constrói a identidade sozinho, mas num processo de socialização (Craveiro, 2016).

Os outros assumem assim, um papel fundamental na construção da nossa identidade e igualmente na identidade profissional do educador, pois como refere Sarmento (2009) a identidade profissional é algo que se concretiza pela e na atividade com outros, não é um processo solitário, desenvolve-se em contextos, em interações, com trocas, aprendizagens e relações diversas da pessoa com e nos seus vários espaços de vida profissional, comunitário e familiar. (p.48)

Neste sentido, também Dubar (1997) refere que a identidade profissional é um produto de sucessivas socializações que acontecem em diferentes tempos e lugares pela vida fora e nesse processo participam pessoas, grupos e locais que fazem parte da vida e da experiência de cada um.

Entendendo que a identidade profissional se constrói nas interações e nos diferentes contextos onde se experienciam diferentes relações importa assim, com este estudo, conhecer os percursos de vida e profissionais dos educadores de infância compreendendo de que forma têm contribuído para a sua construção de identidade profissional, assim como se pretende clarificar de que forma o percurso em creche contribui para essa mesma construção.

2.1 Como se constrói?

Nóvoa (2000) ao referir-se ao processo de construção das identidades docentes, define-o como um processo “ambivalente, como um lugar de lutas e de conflitos entre as vertentes pessoal e profissional. Cada sujeito tem de desenvolver formas singulares de profissionalidade, a fim de construir a sua identidade, pois esta não é um dado adquirido, não é uma propriedade, não é um produto.” (p.15)

É devido a esta simultaneidade que também Dubar (1997), referindo-se ao processo de construção da identidade profissional, considera que é impossível fazer a distinção entre identidade individual e coletiva, designando-a por identidade social, na medida em que esta se constrói através da articulação entre as orientações individuais e as interações do sujeito com a comunidade.

40 Assim, a construção da identidade social, traduzida neste caso na construção da identidade profissional, desenvolve-se a partir da interação entre a identidade individual e a identidade coletiva, numa perspetiva abrangente que engloba passado, presente e futuro.

Segundo Nóvoa (1992) na construção da identidade profissional docente há três processos que são fundamentais: o desenvolvimento pessoal, que se refere aos processos de produção da vida do professor; o desenvolvimento profissional, que se refere aos aspetos da profissionalização docente; e o desenvolvimento institucional, que se refere aos investimentos da instituição para o alcance de seus objetivos. Estes três processos configuram-se como basilares na medida em que todas as vivências ao longo do processo de crescimento do Educador, associadas ao seu percurso formativo vão influenciar a construção da sua identidade enquanto profissional.

2.2 Quando se constrói?

De acordo com Craveiro (2016) a construção da identidade profissional constrói- se desde a formação inicial, através das várias experiências de iniciação à prática profissional, vividas pelo estudante futuro educador. Nestas situações de imersão na realidade, o estudante conhece e descobre a profissão e encontra significado para as suas experiências, identificando-se ou não com elas e fazendo opções pelo caminho de habilitação profissional, que mais lhe confere sentimentos de pertença e de integração. (p.38). A autora reforça que este processo continuará com a entrada e permanência na profissão, prolongando-se ao longo de toda a vida.

Numa perspetiva semelhante também Filho e Ghedin (2018) afirmam que a construção da identidade do professor acontece desde a fase inicial de sua formação, pelo convívio com seus professores quando de seu processo formativo básico. .por meio também de observação e análise das práticas formativas destes, expandindo-se com as oportunidades que surgem no decorrer do exercício e desenvolvimento profissional da profissão, bem como pela continuidade da sua formação profissional” (p.3).

Neste sentido, é razoável esperar que os cursos de formação, exerçam influência na construção da identidade profissional dos educadores.

Contudo Dubar (1997) corrompe com esta visão, ao afirmar que:

é ao nascer que cada indivíduo inicia a sua construção identitária, processo este que se (re) constrói ao longo da vida, em função de tão variadas circunstâncias

41 como os espaços que habita, as interações que estabelece, os tempos de presença em diferentes situações, os papéis sociais que desempenha, entre muitos outros. (p.49)

Assim, a construção da identidade profissional docente, neste caso do educador de infância, está em constante processo de transformação pois ao longo do seu trajeto profissional a sua própria perspetiva profissional vai mudando, em função dos diferentes contextos educativos vivenciados e diversificados. Cada um é um agente ativo da sua construção identitária.

Esta construção não se esgota ou atinge o ápice ao término do percurso formativo seja ele inicial ou contínuo, esta se estende no dia a dia do trabalho do professor, em momentos de trocas de experiências, em cursos formativos, na continuidade da estada na profissão e durante todo o processo em que este profissional caminha pela profissão enquanto professor (Filho & Ghedin, 2018).

Craveiro (2016) reforça afirmando que este processo é lento e resulta das aprendizagens sociais, das experiências e, ainda, das aspirações pessoais, que o individuo constrói a cada momento.

2.3 Ser educador de infância em creche e a crise de identidade profissional: mito ou realidade?

Ao longo da sua história, a educação de infância tem vindo a registar medidas significativas para o seu desenvolvimento (p.e. através da existência de uma Lei de Quadro ou a re-definição das OCEPE) e com isso uma valorização da imagem social da profissão dos educadores de infância, contudo, dentro do grupo profissional dos educadores de infância ainda existem desigualdades evidentes, nomeadamente no grupo de educadores que desempenham a sua atividade profissional em creche.

O facto da educação da primeira infância e a educação pré escolar serem claramente consideradas duas etapas diferentes da infância, perspetiva referenciada na própria Lei de Bases do Sistema Educativo e pela Lei-Quadro 5/97; o facto do atendimento às creches e a rede pré escolar terem o seu enquadramento legal e tutelas diferenciadas; acrescendo ainda ao facto de o ME lamentavelmente não contabilizar o tempo de serviço prestado pelos profissionais em contexto de creche, denota a pouca relevância dada à primeira infância no contexto educativo português.

42 Toda esta diversidade tem fomentado uma grande inquietude, um certo mal-estar no seio do grupo profissional, nomeadamente dificuldades de entendimento e falta de coesão, falta de capacidade de afirmação face a outros grupos profissionais, problemas de indefinição da identidade profissional, falta de reconhecimento com origem na indefinição das políticas educativas, contribuindo para o reforço da existência de um estatuto diferenciado relativamente a docentes de outros níveis de ensino (Cardona, 2006).

A propósito de crise de identidade Dubar (2006), analisa a crise da modernidade e a crise das identidades e considera que existe uma relação de dependência entre elas. Refere que a crise das identidades está relacionada com os acontecimentos históricos e sociais que interagem entre si. Faz referência a uma identidade de bloqueio, quando não há reconhecimento da profissionalidade, ou seja, quando as expetativas do individuo não são coincidentes com as da instituição. Quando a identidade atribuída pela organização educativa e a identidade visada pelo indivíduo não coincide, entram em conflito e regista- se uma rutura.

O autor considera que a crise das identidades só deixará de existir quando as identidades forem confrontadas entre si, dentro da identidade para si e identidade para o outro. Apraz recordar a afirmação de Nóvoa (2007, p.16) de que “a identidade é um lugar de lutas e de conflitos, é um espaço de construção de maneiras de estar na profissão”.

Para Vasconcelos (1997) “historicamente, as educadoras a intervir em creche são aquelas a quem a sociedade reconhece menos poder e, consequentemente aquelas cujas vozes têm sido menos escutadas” (p.33).

Importa por isso conhecer as reais conceções dos educadores a exercer funções em creche: estará o grupo profissional efetivamente a sentir a sua imagem social desvalorizada e a sua identidade profissional diminuída face a outros contextos educativos?

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