• Nenhum resultado encontrado

A identidade do s/Surdo parece construir-se a partir da aprendizagem da língua necessária à conquista de igualdade de oportunidades. Apesar das recomendações do

Conselho da Europa no Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas – Aprendizagem, Ensino, Avaliação (2001:231) não fomentarem a dicotomia da Língua 1

(L1) e Língua 2 (L2), os casos das línguas gestuais é uma exceção. Mesmo que a Língua Portuguesa, código escrito (L2) seja análoga a uma Língua estrangeira (L2), é essencial acentuar esta dicotomia, pois são interdependentes para esta comunidade.

Ao efetivar-se o bilinguismo como metodologia inerente à educação de s/Surdos, estes alunos serão dotados de competência para o domínio duas línguas atrás referenciadas. Um bilinguismo coconstruído e cujo embrião advém do Despacho 7520/98 (ME, 1998), salientando uma mudança conceptual nas respostas educativas do s/Surdo. Esta mudança fomentou uma ligação concertada entre os vários intervenientes na Educação de s/Surdos, criando expectativas positivas entre os dirigentes das associações de s/Surdos (Afonso, 2008b:30). Parece, porém que não teve o efeito desejado no que diz respeito à relação entre s/Surdos e ouvintes, evidenciado pela ausência nos documentos produzidos pelas escolas frequentadas por alunos s/Surdos, como sendo Projeto Educativo de Escola (PEE) e Projeto Curricular de Escola (PCE) e Projeto Curricular de Turma (PCT) (Afonso, 2005:68;Afonso, 2008b:37).

Parece-nos importante questionar neste momento: será Portugal um Estado bilingue, plurilingue ou multilingue? Carneiro citado por Bizarro e Braga (2006) explicita que a diversidade existe no seio de uma língua. Semelhante aproximação é feita por Capucho (2006) quando relaciona as relações intrínsecas entre língua e cultura através da imagem de cones. Para esta autora, uma cultura nacional é marcada pela heterogeneidade e diversidade nos países monolingues, e pela pluriculturalidade nos países multilingues, usando como exemplos a Espanha e a Bélgica, onde no mesmo espaço coexistem diferentes línguas. Integra nesta imagem do cone vertical, uma dinâmica horizontal atribuída às culturas transversais de caráter translinguístico que descrevem grupos sociais ou indivíduos.

As pessoas s/Surdas terão, então de conviver e coexistir com o grupo dominante, neste caso ouvinte à semelhança dos grupos multiculturais minoritários em relação às suas culturas dominantes. Esta imersão na cultura dominante e maioritária é difícil de se subtrair (Leigh, 2009:17). A ausência da audição é uma característica biológica que atravessa fronteiras étnicas. A noção de deficiência não surge apenas e sempre como uma lacuna ou dificuldade. As situações de interação com os seus pares não se estabelecem com base na noção de corpo, mas como a de indivíduo, cuja surdez é apenas parte da sua natureza e identidade. Esta “nuance” emerge quando há um contacto com a zona de fronteira entre o mundo s/Surdo e o mundo ouvinte. Nesta plataforma, a relação entre ouvintes e s/Surdos é, na maioria dos casos, umbilical e ramifica-se pelos elos familiares.

a. Cultura entre culturas

Considerar uma cultura como a medida de todas as outras confere direito a uma etiqueta de etnocentrismo, atualmente reconhecida como uma atitude preconceituosa. Cabe aqui acrescentar que não se poderá considerar inferior o que é diferente, respeitando a diversidade cultural (Rowland, 1997:8).

Lévi-Strauss (1996: 10) a propósito dos conceitos de raça e cultura, sublinha o contributo da antropologia, como área de conhecimento, que não pode considerar, unicamente, a noção biológica da raça nem as produções sociológicas e psicológicas das culturas humanas. Além disso, na mesma página, afirma que a vida humana se desenvolve de forma diversa e não monótona, actualizável em “modos extraordinariamente diversificados de sociedades e de civilizações”. Acrescenta que:

“Esta diversidade intelectual, estética, sociológica, não está ligada por nenhuma relação causa e efeito àquela que existe, no plano biológico, entre determinados aspectos observáveis dos agrupamentos humanos – é- lhe apenas paralela num outro terreno. (…) “Existem muito mais culturas humanas, do que raças humanas, pois que enquanto umas se contam por milhares, as outras contam-se por unidades; duas culturas elaboradas por homens pertencentes a uma mesma raça podem diferir tanto ou mais que duas culturas provenientes de grupos racialmente afastados” (1996:11).

A propósito desta distinção, esclarece que a diversidade entre as raças assenta em pressupostos distintos dos da diversidade entre culturas. No primeiro caso é a origem histórica e a sua disseminação no território que se debate; no segundo, a diversidade entre as culturas, coloca uma vantagem ou um inconveniente para a humanidade, digladiando-se entre o conceito de grupo e conjunto que se subdivide em outros grupos e consequentemente culturas. A diversidade das culturas existe, assim, no seio das sociedades e em todas as relações de reciprocidade (Lévi-Strauss, 1996:15).

Abordar o conceito de diversidade implica abordar o conceito de desigualdade entre as culturas humanas, revelando o que designa de relativismo cultural. Na verdade, operam muitas vezes de forma a acentuar as particularidades ou trabalham em sentido oposto, convergindo. Esta diversidade é valorizada pelo progresso que possibilita à humanidade, como troca de informação entre culturas diferentes e porque torna viável a intercompreensão entre culturas, permitindo atribuir a cada uma delas o seu real sentido

de existência. Para tal, considerar-se-ia uma avaliação de cada uma das culturas em função dos seus próprios critérios intrinsecamente concebidos.

Conhecer as culturas s/Surda e ouvinte, sem incorrer no risco de ajuizar sobre cada uma delas, remeter-nos-á para um melhor conhecimento de cada uma individualmente, mas a comparação será inevitável já que uma surge pela ausência de um dos sentidos da outra. Quando professamos uma análise destas questionamo-nos se ao utilizar os critérios para cada uma delas se não estaremos a limitar a própria descrição de cada uma, em casos extremos, levando à sua incompreensão, torna-se autista (Rowland, 1997:17). É pela relação de alteridade que se alcança o respeito pelo outro e não pela substituição de um sujeito enunciador e existencial por um outro. Bater à porta de uma comunidade e absorvê-la permitirá conhecê-la, e isso pressupõe um estabelecimento de relações com o conhecimento anterior. Esse conhecimento vai-se sedimentando. As transformações ocorrem com o acesso à língua dessa comunidade, bem como ao conhecimento e conceptualizações que nela se inscrevem (Rowland, 1997:15).

O exemplo dado pelo autor passa pelos estudos comparativos da linguagem e das línguas. Da mesma origem, elas distanciam-se, tendencialmente. As línguas de origens diversas, mas que se encontram de forma contígua, tendem a aproximar-se ao desenvolverem características comuns (Lévi-Strauss, 1996:14). É, assim, na língua e nos conceitos por ela veiculados que se geram escalas de equivalência e diferença. O conhecimento da LGP permite à comunidade ouvinte aceder ao modus vivendi desta comunidade e desta cultura. Daí a necessidade de disseminação da LGP, permitindo, quase em exclusivo, aceder a um modo de pensar, de ver e conceber o mundo. A aprendizagem da LGP por ouvintes vem já contaminada por todo um aparelho conceptual que resulta das suas aprendizagens e da sua natureza ouvinte. Os seus conhecimentos irão, obviamente, alargar-se para outros domínios e o quadro de referência expande-se e torna-se permeável a este novo conhecimento. Neste exercício de quase tradução, a aceitação acontece e a diferença dilui-se pelo reconhecimento que é feito.

A atitude mais antiga e que repousa em fundamentos de ordem psicológica passa por, em situações inesperadas, repudiarmos as formas culturais, morais, religiosas, sociais e estéticas que mais afastadas são daquelas com que nos identificamos (Lévi- Strauss, 1996:17). Face a tal, reagimos grosseiramente e com estranhamento. A noção de humanidade, sem distinção de raça ou de civilização engloba todas as formas de

espécie humana. Esta expressão “humanidade” surgiu tardiamente e com uma expansão limitada. A dialética s/Surdo vs. ouvinte pode ser aqui recuperada:

“A simples proclamação da igualdade natural entre todos os homens e da fraternidade que os deve unir, sem distinção de raças ou de culturas, tem qualquer coisa de enganador para o espírito, porque negligencia uma diversidade de facto, que se impõe à observação e em relação da qual não basta dizer que não vai ao fundo do problema para que sejamos teórica e praticamente autorizados a actuar como se este não existisse” (Lévi-Strauss, 1996:19).

Baudrillard intitula o último capítulo de A troca Simbólica e a Morte I (1996: 203) “O Magarefe de Tchuang - Tsé”55, relatando o diálogo entre o príncipe When – huei e o Magarefe para ilustrar como o espírito analítico é verificável pelos sentidos e não no espaço objetivo e que, na arte do Magarefe corresponde ao volume de carne que se extrai do boi. É antes nos intervalos e segundo uma organização lógica interna do ritmo imposto ao trabalho da faca do magarefe. É assim, nos interstícios, que a faca se maneja com facilidade, porque age através dos espaços vazios, manuseando utensílio de corte com cuidado, lentamente, e as junturas separam-se. O Magarefe elevou a sua arte a um grau de especialização e detalhe depois de conhecer a anatomia do boi, depois de dominar a sua arte pela consciência, passou a preocupar-se somente com interstícios. A consciência de si e conhecimento consubstancia-se nos intervalos, vai-se construindo, sedimentando e fica latente até haver espaço para a demonstrar e fazer emergir. Esta emersão aplica-se à lente analítica do discurso, entre as lacunas, promovendo, também, o acesso às representações (Bardin, 2009:216). A dualidade que se coloca entre s/Surdos

55

Transcrevemos, aqui o diálogo que referimos em Baudrillard (1996: 203-205): «Eh! – diz-lhe o príncipe When – huei – como é que a tua arte pode atingir tal grau?» O Magarefe poisa a faca e diz «Amo o Tao e assim progrido na minha arte. No início da minha carreira, só via o boi. Após três anos de exercício, já não via o boi. Agora, o meu espírito trabalha mais do que os olhos. Os meus sentidos já não entram em ação, mas apenas o meu espírito. Conheço a conformação natural do boi e só me preocupo com os interstícios. Se não dou cabo das artérias, das veias dos músculos e dos nervos, com maior razão não estrago os ossos grandes! Um bom talhante usa uma faca por ano, porque só corta a carne. Um magarefe ordinário usa uma faca por mês porque a parte contra os ossos. Servi-me da mesma faca nestes últimos dezanove anos. Cortou milhares de bois e o seu gume parece sempre que foi novamente afiado. Em boa verdade, as junturas dos ossos contêm interstícios e o gume da faca não tem espessura. Quem souber espetar o gume tão fino nos interstícios maneja a faca com facilidade, porque age através dos espaços vazios. Eis porque me servi da minha faca durante dezanove anos e o seu gume surge sempre como novamente afiado. Sempre que tenho de cortar as junturas dos ossos, atendo às particulares dificuldades a resolver, sustenho a respiração, fixo o olhar e procedo lentamente. Manejo muito devagar a faca e as junturas separam-se tão facilmente como ao depormos terra no chão. Retiro a faca e levanto-me.» (in Tchuang-tsé, III, Princípio de Higiene).

e ouvintes é igualmente porosa e parece-nos que será tanto mais enriquecedora esta relação quanto mais intervalos se conhecerem e se explorarem de forma não ingénua, honesta e verdadeira.

Neste campo, a emancipação decorrerá da marca da identitária que se constitui, cuja matriz parece ser a LGP. O episódio relatado, remete-se para o último livro de Orquídea Coelho Um copo vazio está cheio de ar. Assim é a surdez quando refere que o vazio de audição do s/Surdo é um estado aparente, já que qualquer copo vazio de conteúdo líquido, estará sempre preenchido de ar. A organizadora e coautora desta publicação, equipara a omnipresença de ar à vontade e necessidade omnipresente de comunicar dos indivíduos desprovidos de audição (2010:13). Sugere-se, aqui a igualdade de um corpo que, em busca da Igualdade, transporta a comunicação e a língua no corpo. Esta simetria parece ainda ser fantasma, mas no friso cronológico marca conquistas.

b. A Cultura e Comunidade s/Surdas

Almeida (2007:87-89; 2004b:89), em relação ao Estado - Nação e à tentativa frustrada de imposição de uma unidade cultural entre fronteiras discorre acerca dos modelos descritivos de Multiculturalismo, dividindo-os em três categorias: o nacionalista, semelhante em tudo ao fundamentalismo, privilegiando a unicidade da língua padrão e unicidade religiosa alimentando o apartheid entre estrangeiros e autóctones. Segue-se o modelo ao qual chama de Multiculturalismo essencialista baseado na acentuação das diferenças culturais e identitárias de indivíduos e grupos, ainda que com coexistência. O último modelo remete para a ideia de processo de transculturação ou como prefere designar: cidadania cosmopolita. Este modelo rejeita a polissemia da expressão multiculturalismo, dispensando-a pela ambiguidade política e efeitos de retórica a que se presta e as manipulações que se possibilitam ao aliar-se à expressão cultura, também ela bem ambígua privilegiando a ideia de cultura tornada objeto como uma geografia delimitada na qual cabe uma população específica podendo, no entanto ser comercializável (p.87-88).

Portugal, enquanto país estilhaçado em várias culturas, dá a Capucho (2007) a possibilidade de associar estas culturas multilingues a práticas multiculturais num total de oito (geofísicas, geodemográficas, organizacionais, profissionais, geracionais,

género, étnicas e ideológicas) (p. 316-317). A este grupo, não sabemos se poderia ser adicionada uma outra cultura a s/Surda, enquanto cultura que assume práticas linguística distintas das oferecidas pelas línguas orais. Talvez enriquecesse a própria cultura nacional que aceita, aparentemente, de forma espontânea a disseminação das realidades multilingues, tão claramente apresentada pela metáfora dos cones.

Na verdade, a comunidade s/Surda promove uma natureza educativa e linguística, ainda que decalcada das práticas oralizantes, com características muito próprias e que ultrapassam as adaptações, por exemplo, ao nível da narrativa. Soares (2006:39-44) analisou o conhecimento da literatura infantil a partir do conto A

Cinderela s/Surda, produzido por um grupo de universitários s/Surdos, no qual se

veicula uma identidade s/Surda através de personagens cujos atributos e interações pretendem desmantelar estereótipos. Quando comparamos histórias infantis de tradição oral em diferentes países, a macroestrutura em tudo se assemelha à que conhecemos, porém nem sempre os atributos, as personagens, os espaços e as metáforas o são. Do mesmo modo, as línguas gestuais são diferentes de país para país. Trata-se de um trabalho que começa agora a trazer uma nova identidade, uma nova representação da surdez enquanto conceito de minoria linguística. Será a surdez diferente ou desigual? Ainda que estes conceitos se possam cruzar nas entradas dos dicionários como sinónimos ou quase sinónimos, a sua natureza, no contexto atual é díspar, apontando para realidades pouco semelhantes e que exigem uma explicitação de conceitos como simetria, assimetria e diversidade e respetivos sentidos conotativos (Almeida, 2007:80). Ao considerarmos esta diversidade de práticas discursivas, partilhamos da opinião de Capucho (2006;2007) que define que qualquer realidade nacional será também multicultural.

A cultura resultará de uma herança social e de um constructo individual, efeito de aprendizagem, e que equivale às representações que os grupos sociais e respetivos indivíduos a ele pertencentes constroem sobre o mundo. Parece-nos, no entanto, importante sublinhar que esta definição não permite uma reclamação abusiva do seu conteúdo, tornando-o uma falácia quando colada a uma orientação da Surdez e do seu estudo científico para a di-visão entre ouvintes e não ouvintes. Se assim for, destacamos a perspetiva de Santana e Bergamo (2005) quando dizem que esta (di)visão constitui um obstáculo teórico que perpetua a ideia de que os s/Surdos apenas se inserem no contexto do grupo dos não ouvintes, reproduzindo, a longo prazo, uma representação da identidade s/Surda como negativa (p.571). Urge referir e citar Lévi – Strauss (1996):

“A distinção entre 2 formas de história depende da natureza intrínseca das culturas a que esta se aplica, ou resulta, antes, da perspectiva etnocêntrica em que sempre nos colocamos para avaliar uma cultura diferente da nossa?” (p.33).

A construção social não será reduzida a estas interações dentro de cada grupo, mas inter - grupos, pois é essencialmente no uso da linguagem que as pessoas edificam, reformulam e projetam as suas identidades. Talvez por isso, a perfeição da língua resultará do facto de ter sido concebida para a interação (Leuninger, 2006:251).

A questão da identidade reaparece e imiscui-se no debate público a partir do Renascimento, quando o Homem se torna o centro do mundo. Santos (1999b) participa desta discussão à luz da mutabilidade, transitoriedade e fugacidade dos processos de identificação. As identidades escondem jogos de polissemia e negociações de sentido e de poder, marcadas pela pluralidade e pela diferença seja individual, seja coletiva (p.119). Por outras palavras, para que a igualdade possa ser reclamada será necessário usar as noções de cultura e identidade como processos sem que estas minorias reproduzam o que as torna minoritárias e imersas na desigualdade, e será necessário questionar com perspicácia o sistema que a legítima (Almeida, 2007:107; Almeida, 2004a:54).

A comunidade s/Surda origina-se numa atitude diferente face à deficiência. O grau de perda de audição nem sempre é considerado como critério e nem é o mais preponderante, mas a unidade cultural e grupal que se desenvolve pelo uso da língua gestual (Lane, 1992:31).

Giddens (1997) descreve que a modernidade é mãe de formas sociais distintas, salientando a mais proeminente o “estado - nação”, uma entidade sociopolítica que contrasta com os modelos de ordem tradicional. Desenvolve-se numa relação meronímica, sendo parte de um sistema global de estados - nações mais vasto. Assume formas particulares de controlo, territorialidade e pauta pelo monopolitismo. São considerados agentes ou atores já que agem de forma concertada constituindo uma matriz geopolítica, que por inerência a modernidade traz a organização: o controlo das relações sociais (p.14). A Modernidade produz diferença, exclusão e marginalização, ainda que ofereça a possibilidade de emancipação, coexistem com esta política mecanismos de supressão do self (Giddens, 1997:6). Esta perspetiva remete-nos para a leitura semelhante à da Associação Portuguesa de Deficientes (APD) quando redefine o

discurso da deficiência como uma opressão social, reivindicativa e transformadora das conceções acerca das pessoas com deficiência. Espreitamos a Lei de bases da

prevenção, habilitação, reabilitação e participação das pessoas com deficiência56, aprovada em conselho de ministros do final de 2003, mas consubstanciado em 2004:

“Considera-se pessoa com deficiência aquela que por motivo de perda ou anomalia, congénita ou adquirida, de funções ou de estruturas do corpo, incluindo as funções psicológicas, apresente dificuldades específicas susceptíveis de, em conjugação com os factores do meio, lhe limitar ou dificultar a actividade e a participação em condições de igualdade com as demais pessoas.” (Artigo 2.ºCapítulo I)

Em resposta, a APD (2003) reconfigura esta conceção propondo uma alteração à proposta de lei com uma conceção distinta:

“Pessoa com deficiência é aquela a quem é imposta a perda ou limitação de oportunidades com base em argumentos biológicos. A perda ou limitação de oportunidades de participação em igualdade de circunstâncias é devida a um conjunto complexo de situações criadas pelo meio ambiente e social que impedem ou limitam o reconhecimento, usufruto ou exercício dos direitos humanos e liberdades fundamentais” 57 (Ponto 2 do Artigo 3.º, Capítulo II).

Introduz-se um discurso de opressão e eminentemente emancipatório, reconfigurador do conceito de pessoa com deficiência e influenciador de identidades marcadas no corpo mas não resultantes do corpo mas da interação com o meio ambiente e social, mudando a perspetiva e adscrições ancoradas ao estigma e ao sistema de valores que a comunidade s/Surda, neste caso, considera para o grau de qualidade de vida (Nunes & Rodrigues, 1998:37)

Se eu fosse s/Surda, faria parte da cultura s/Surda, da qual fazem parte a língua,

a história e interesses literários comuns, jogos e atividades de mímica. Seria, neste âmbito e sugerido por Harlan Lane a eugenia como forma de manutenção da pureza da

56

Lei, de 18 de agosto. Bases Gerais do Regime Jurídico da Prevenção, Habilitação, Reabilitação e Participação da Pessoa com Deficiência.

57

Proposta de alteração da então Proposta de lei de bases da igualdade de oportunidades para pessoas

com deficiência, posteriormente consubstanciada na Lei n.º 38/2004. Nesta proposta consideram-se um

conjunto de conceitos cuja explicitação é dada a conhecer neste documento. Especificamente “pessoa com deficiência”.

comunidade s/Surda. O número de casamentos entre os membros da mesma comunidade é aconselhado e por consequência, o casamento com uma pessoa ouvinte é censurado. A mesma recomendação foi dada por Alexander Graham Bell (1842 - 1922), mas defendendo o oposto: os casamentos entre s/Surdos deverão ser mitigados para que não nasçam mais filhos s/Surdos. A título de curiosidade, o inventor do telefone explorava, naturalmente a fala como forma de veículo das comunicações, não deixa de ser irónico porém, o facto de a sua mãe ser s/Surda bem como ter contraído matrimónio com uma mulher s/Surda. A publicação de Harlan Lane a que nos referimos relata este

Documentos relacionados