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Identidade territorial: uma apropriação simbólica pelo/com o território

2 CULINÁRIA E IDENTIDADE TERRITORIAL SERIDOENSE: UMA

2.2 IDENTIDADE: DIFERENÇA OU SEMELHANÇA?

2.2.3 Identidade territorial: uma apropriação simbólica pelo/com o território

A identidade territorial está estruturada a partir da valorização simbólica do território pelos indivíduos. Nesse sentido, amparamo-nos na proposição de Haesbaert (1999, p. 172), de que “toda identidade territorial é uma identidade social definida fundamentalmente através do território”. Indicando, dessa forma, a relação existente entre identidade e território. Assim, a identidade territorial é um produto social da territorialização das ações cotidianas tecidas no território (BONNEMAISON, 2002). Sendo esse último o suporte e o produto das atuações dos agentes sociais, que, no processo de apropriação espacial, produzem significados vinculados à identidade, cujos limites correspondem aos do território (HAESBAERT, 2005).

Partilhamos, entretanto, do princípio de que o território, tanto no sentido simbólico quanto no concreto, torna-se um dos aspectos fundamentais para a estruturação da identidade. Isso acontece porque as identidades para se realizarem precisam encontrar um referencial concreto, sua base de sustentação, “que pode ser um recorte ou uma característica espacial, geográfica, e, neste caso, podemos ter a construção de uma identidade pelo/com o território” (HAESBAERT, 1999, p. 178).

Esse processo de construção pode acontecer em diferentes escalas geográficas, desde a local até a global. Mas sua estruturação depende que a apropriação ocorra frente a um espaço simbólico, social/historicamente construído. Nessa perspectiva, o território apresenta-se em sua dimensão simbólica, e ganha sentido de lugar. “Aparece, nesse ponto de vista, como essencial, oferecendo àquele que o habita, condições fáceis de intercomunicação e fortes referências simbólicas” (CLAVAL, 1999, p. 12).

O território, nesse caso, é entendido a partir da noção cultural(ista)7 de Haesbaert (2001) que prioriza a dimensão simbólica, ou seja, aquela mais subjetiva em que o território é visto como produto da apropriação simbólica resultante do imaginário e/ou da identidade social sobre o espaço. “Aqui, o território pode adquirir uma conotação culturalista e, muitas vezes, confundir-se com o conceito de lugar, visto basicamente como estratégia de identificação cultural – referência simbólica”. (HAESBAERT, 2001, p. 126)

O território assume o sentido de lugar porque as pessoas, ao praticarem suas atividades cotidianas, desenvolvem laços de afetividade com o espaço em que vivem. Conquanto, a natureza do território fica carregada de significados, de símbolos, de imagens, de fantasias e

7 Além da vertente cultural(ista), Haesbaert (2001) sinaliza outras duas: a jurídico-política: em que o território é visto como um espaço delimitado e controlado por relações de poder; e a econômica: que destaca a dimensão espacial das relações econômicas através dos confrontos entre classes sociais e da relação capital-trabalho.

de sonhos compondo-se em um dado segmento espacial e espiritual, delimitado e controlado, resultado da apropriação e do controle simbólico por parte de quem ali (sobre)vive. Apresenta-se assim, para além do caráter político, um nítido caráter cultural. Haesbaert (2001) corrobora com esse pensamento ao dizer que a

Existência e mesmo a imperiosa necessidade para toda a sociedade de estabelecer uma relação forte e espiritual com seu espaço de vida parece claramente estabelecida [...] O poder do laço territorial revela que o espaço é investido de valores não somente materiais, mas também éticos, espirituais, simbólicos e afetivos. Assim, o território cultural precede o território político e, com mais razão, o espaço econômico (BONNEMAISON; CAMBREZY, 1995, p. 10 apud HAESBAERT, 2001, p. 129-130).

Considera-se, então, o conceito de território não somente enquanto relações de poder político, mas, sobretudo, enquanto apropriação resultante do imaginário e/ou identidade social e cultural. Dessa forma, busca-se compreendê-lo a partir de sua dimensão mais simbólica, considerando-o o lócus da vivência, da experiência do indivíduo com seu espaço, tendo a identidade como fator de autoafirmação e reconhecimento, pois é o território que favorece a estruturação da identidade social de um povo, por proporcionar-lhe as condições de organização da vida social e íntima, pontuando o tempo cotidiano da comunidade (SANTOS, 1996).

Através do território, o grupo escreve sua história e sua geografia cotidiana estabelecendo vínculos afetivos com os seus semelhantes, mas também se comunicando com outros grupos. É no plano do vivido e do concebido que eles criam seu sistema sêmico, em que símbolos, imagens e aspectos culturais tornam-se valores que se incorporam no território em defesa de sua identidade.

Na análise do geógrafo Bonnemaison (2002, p. 108), é, através da relação social e cultural que o grupo estabelece com a trama do lugar e dos itinerários, que acontece a constituição dos territórios. Nesse caso, a territorialidade expressa o comportamento vivido, uma construção social, a história, os símbolos e a organização do território, ou seja, “apresenta a riqueza e a profundidade da relação que une o homem aos lugares”. É por causa da construção das representações culturais que se fazem em determinados espaços humanizados dos territórios que acontece a estruturação de identidades, tornando indissociáveis os problemas de território e as questões de identidade (CLAVAL, 1999). De fato, é pelo território que se encarna a relação simbólica que existe entre cultura e espaço. O território torna-se, então, um geossímbolo, uma expressão identitária (BONNEMAISON,

2002).

A título de exemplo, Haesbaert (1997) apresenta a questão do gauchismo e da nordestinidade, mostrando como certos grupos culturais migrantes levam consigo sua territorialidade, reproduzindo-a nos lugares onde fixam moradia. Para isso buscam manter um estreito vínculo com o território de origem através da preservação de alguns elementos culturais: língua, religião, folclore, costumes, culinária, entre outros; estruturando, assim, suas identidades. Mesmo com todas as influências exteriores que os rodeiam no novo espaço de moradia, estes sujeitos se identificam culturalmente como pertencentes a um mesmo território a partir de valores regionais presentes em sua memória.

As formas com que um povo se identifica, mediante sistemas simbólicos de representação, lhe conferem legitimidade perante os demais, fazendo com que se apropriem de uma identidade que permite torná-los (sic) distintos e originais, a partir de uma essência cultural comum (BRUM NETO; BEZZI, 2009, p. 23).

De modo que não só os gaúchos e os nordestinos têm esse privilégio de poderem ser identificados por características culturais tão marcantes diante dos outros grupos, mas qualquer outro grupo que persista na afirmação de uma identidade local (territorial) como atributo de sua legitimação e sua diferenciação. Muitas vezes esse processo é inconsciente, o que quer dizer que nem todo processo de identificação é percebido pelos agentes envolvidos nele.

Se toda identidade territorial é social, então, no Brasil, no mundo, seja, qual for o recorte escolhido (local, regional, nacional e mundial), vão existir inúmeros povos que possuam uma identidade, pelo fato de essa ser uma estrutura essencial para legitimar uma pertença comum, estruturando, assim, a semelhança entre os membros do grupo (nós) e a diferença perante a alteridade (o outro).

A ideia de uma unidade pressupõe um território integrado e homogêneo, delineado por valores essenciais, definidores de um estilo de vida, a partir do qual se é reconhecido na diversidade, na miscigenação cultural do espaço. Para tanto, elegem-se ou têm-se traços significativos e relevantes à imagem do grupo, fazendo-o se reconhecer e ser reconhecido diante dos demais. No caso do Brasil, por exemplo, destaca-se fortemente o fenômeno de apropriação dos elementos: samba, carnaval, futebol e feijoada, como já foi visto anteriormente, para compor a identidade nacional. Em meio a essa padronização estabelecida, aparecem as especificidades regionais que compõem o território brasileiro, “a composição deste mosaico se dá de diversas formas, a partir de inúmeros atributos regionais” (DUTRA,

2004, p. 94).

Assim, cada região brasileira, seja ela: o Norte, o Nordeste, o Centro Oeste, o Sudeste ou o Sul, apresenta seus traços característicos de ordenamento territorial e identitário. Neste caso, as ações, os hábitos, os costumes e as crenças de cada uma são objetos de representação para os outros, servindo como elementos de reconhecimento e diferenciação territorial. Vale a pena “lembrar que toda identidade é estruturada em relação ao (ou com o) outro, a cada diferente escala em que se desenha mudam as forma de arranjo espacial, isto é, muda a relação com o outro e mudam os interesses e mecanismos acionados pelo grupo”. (ALMEIDA, 2006, p. 28).

Penna (1992), em seu livro, “O que faz ser nordestino”, coloca que a própria organização do território (nacional) em região é uma forma de identificação, ou seja, um meio de atribuir uma personalidade própria ao espaço individualizado, peculiarizado por suas características. Assim, o “regionalismo8 pode ser considerado como um processo que torna o espaço significativo” (PENNA, 1992, p.19), um referencial de identificação. Nesse caso, o conceito de região se explicita fundado sobre um critério territorial que inclui um plano simbólico. Assim, ao escolher alguns traços como critérios de ordenamento das características internas do grupo, promove-se a construção de representações de identidade e a região torna- se um território simbolicamente construído (PENNA, 1992).

As discussões aqui tecidas sobre a questão da identidade territorial incorporam a grande contribuição da Ciência Geográfica, ao entendê-la como uma representação espacial de legitimação e diferenciação social. Acreditamos, nesse sentido, que essa concepção de identidade seja eficaz para investigar a produção de significados vinculados à identidade seridoense na atualidade, permitindo enfocar os traços característicos de sua composição espacial.