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CAPÍTULO 3 A CONSTITUIÇÃO DA IDENTIDADE: A SOCIALIZAÇÃO, A

3.2 IDENTIDADE: UMA DIALÉTICA PESSOAL E SOCIAL

A constituição da identidade de um indivíduo tem origem na socialização. Tal processo acontece por meio da dialética entre o indivíduo e a sociedade em que ele está inserido. A identidade social é permeada pela dualidade do “eu” e do “outro”, sendo, para Dubar (1998), uma articulação entre a transação subjetiva, fatores “internos” ao indivíduo, e a transação objetiva, fatores “externos” ao indivíduo.

Incitamos, então, a necessidade de discutir a identidade partindo da retórica do indivíduo social interiorizado por mundos objetivos e subjetivos. Dessa maneira, destacamos que “[...] a relação entre o homem, o produtor, e o mundo social, produto dele, é e permanece sendo uma relação dialética, isto é, o homem e seu mundo social atuam reciprocamente um sobre o outro” (BERGER; LUCKMANN, 2003, p.870).

Nesse sentido, verificamos, na literatura acadêmica, diferentes campos de estudos que trabalham com o conceito de identidade, apresentando concepções distintas sobre tal termo. Dubar (1998), apoiado em Kaufman (1994)15, apresenta a diferença entre os

significados que podem ser vinculados à "identidade" na perspectiva das ciências sociais. O autor revela, primeiro, que Kaufman (1994) denomina processo identitário individual, aquele com caráter “biográfico” referente às múltiplas formas pelas quais os indivíduos compreendem suas trajetórias (família, escola, trabalho, entre outras), com base em uma “história”, cuja intenção é de comprovar seu “lugar” em determinado momento, podendo, também, conhecer seu provável futuro. Ainda, Dubar (1998, p.13) relata que esse contexto concerne “(...) a (re)construção subjetiva de uma definição de si; eu mesmo propusera chamar este processo, condensado em poucas fórmulas, de "identidade biográfica", ou, ainda, de "identidade para si".”

O segundo significado foi intitulado por Kaufman (1994) de “quadros sociais da

identificação. ou, ainda, de quadros de socialização” que corresponde à categorização que o

15 KAUFMANN, J.C. "Rôles et edentité. L'exemple de l'entrée en couple". Cahiers Internationaux de

autor utilizou para a identificação de um indivíduo num referido espaço social. Dubar (1998) denominou essa categorização de "identidade estrutural" ou "identidade para outrem”, ou seja, as categorias do discurso do sujeito definem-se do ponto de vista do outro, podendo ser o outro significativo e personalizado ou generalizado e institucional.

Figura 4 - Relação das denominações do conceito de identidade, atribuído por Kaufman e Dubar.

Fonte: Elaborada pelo autor, 2015.

Dubar (1998) salienta que a noção de identidade pode ser compreendida numa perspectiva sociológica se for atribuída a relação de identidade para si/identidade para o outro, no âmbito comum que constitui os processos de socialização.

Desse modo, o referido autor elaborou categorias de análise da identidade social que marcam e constituem a dualidade no processo identitário, conforme pode ser verificado na figura 4 que contempla tais categorias.

Figura 5 - Categorias de análise da Identidade, conforme Dubar (1997).

Fonte: Elaborado pelo autor, 2015. Fonte: Adaptada de Dubar (1997, p.109).

Processo relacional

Identidade para o outro

Atos de atribuição

"Que tipo de homem ou mulher você é? - dizem que você é

Identidade - numérica (nome atribuído) - genérica (gênero atribuído)

Identidade social "virtual"

Transação objetiva entre

- identidades atribuídas/propostas Identidades assumidas/incorporadas

Alternativa entre -cooperação - reconhecimento - conflitos - não-reconhecimento

"Experiência relacional e social do PODER"

Identificação com instituições consideradas estruturantes ou legítimas

Processo biográfico

Identidade para si

Atos de pertencimento

"Que tipo de homem ou mulher você quer ser? - você diz que você é

Identidade predicativa de si (pertencimento reivindicado)

Identidade social "real"

Transação subjetiva entre

- identidades herdadas - identidades visadas

Alternativa entre -Continuidades  reprodução

-Rupturas  produção

"Experiência de estratificações, discriminações e desigualdades sociais"

Identificação com categorias consideradas atraentes ou protetoras

O processo relacional e o processo biográfico, como já identificamos, constituem-se pela dualidade na relação do “eu” e do “outro”. Observamos que o biográfico consiste em diferentes formas de o sujeito buscar compreender suas trajetórias, subjetivamente; no processo relacional, as categorias são concebidas a partir do olhar do outro, de forma objetiva. A identidade para o outro e a identidade para si, bem como os “actos de atribuição” e “actos de pertença” estão explicitados de modo conjunto, pois os “actos de atribuição” estão interligados à identidade para outro e engendram “que tipo de indivíduo você é”; já a identidade para si relaciona-se com os “actos de pertença” e visa compreender “que tipo de indivíduo você quer ser”.

Quanto-às identidades numérica, genérica e predicativa do eu, podemos afirmar que a numérica define o sujeito, oficialmente, como ser único (estado civil, códigos de identificação, números de ordem...); a genérica contempla os membros de grupo familiar, categorias e classes; em contraste, a predicativa do eu exprime a identidade singular de uma pessoa, com a sua história individual e as identidades atribuídas pelo outro.

Em relação à identidade social “virtual” e a identidade social “real”, verificamos que as identidades sociais “virtuais” ocorrem pela e na atividade com os outros, implicando um sentido, em que o indivíduo é identificado e conduzido a aceitar, ou recusar, as identificações que recebe dos outros ou das instituições; já as identidades sociais “reais” são as histórias que os indivíduos contam a si daquilo que são.

O autor revela que as estratégias identitárias podem assumir a forma de transações externas entre o indivíduo e os outros significativos, também denominada de transação

objetiva, visa acomodar a identidade para si à identidade para o outro. Outra forma que, de

acordo com Dubar (1997), as estratégias identitárias podem ser compreendidas como transações “internas” ao indivíduo, chamada de transação subjetiva, que contempla a necessidade de precaver uma parte das identificações anteriores - identidades herdadas - e o desejo de construir pra si novas identidades no futuro - identidades visadas - procurando assimilar a identidade para outro à identidade para si.

Assim, a transação objetiva é a relação do indivíduo com seu ambiente de trabalho, enquanto a transação subjetiva refere-se à temporalidade do indivíduo com a profissão, projeções de futuro e identidades construídas durante a vida. A transação objetiva e a transação subjetiva se conectam de modo que a transação subjetiva pauta-se nas relações com o outro que são constitutivas da relação objetiva. Segundo o autor, a transação objetiva pode levar a um reconhecimento social ou a um não reconhecimento. Caso haja o reconhecimento, tem-se uma instituição que legitima a identidade visada pelo indivíduo; quando não há o

reconhecimento, as pretensões ao reconhecimento não são adquiridas; por exemplo, o futuro da instituição não coincide com o futuro do indivíduo. Assim, no quadro, a seguir, Dubar (1997) esquematiza a dualidade presente na identidade social, tendo como base a categoria que envolve a transação objetiva e a transação subjetiva.

Quadro 1 - Os quatro processos identitários típicos

Identidade para si Identidade para o outro Transação Objetiva

Reconhecimento Não Reconhecimento

Transação Subjetiva Continuidade Promoção Identificação de Empresa Bloqueio Identidade de Oficio Ruptura Recapacitação Identidade de Rede Exclusão Identidade de fora do trabalho Fonte: Dubar (1997, p.237)

Os elementos que compõem as transações objetivas e subjetivas podem ser explicados com outras categorias de análise da identidade. Por conseguinte, temos a categoria cooperação e conflitos/continuidades e rupturas. As identidades construídas no âmbito da continuidade “[...] implicam um espaço potencialmente unificado de realização, um sistema de emprego no interior do qual os indivíduos desenvolvem trajectórias contínuas” (DUBAR, 1997, p.235). As identidades construídas a partir do modo de ruptura, de acordo com o autor, sugerem uma dualidade entre dois espaços e uma impossibilidade de se construir uma identidade de futuro no interior do espaço produtor de sua identidade; “para encontrar ou voltar a encontrar uma identidade, é preciso mudar de espaço. A identidade projectada pode ser sobrevalorizada em relação à identidade herdada. Ela está em ruptura com ela” (DUBAR, 1997, p.235-236).

As categorias que abordam as questões de cooperação e conflito estão relacionadas às transações objetivas e subjetivas, sendo que a ruptura nas transações está acompanhada por um conflito entre a identidade atribuída pela instituição e a identidade forjada pelo indivíduo. A continuidade na perspectiva do reconhecimento das transações faz emergir a categoria de cooperação.

Observamos que, conforme Dubar (1997, p.236), nesses casos, “(...) a construção da identidade decide-se num espaço único que estrutura a natureza das competências e os modos legítimos de reconhecimento: espaço organizacional da empresa ou espaço profissional do ofício”.

No que tange ao poder e às estratificações, o espaço de reconhecimento identitário depende diretamente das relações de poder existentes no local de convivência entre os indivíduos, o lugar que o sujeito ocupa e o grupo a que pertence.

Por fim, a identificação com instituições julgadas estruturantes e a identificação com categorias julgadas atrativas perpassam pela questão do habitus em que o ambiente social que o indivíduo vive estrutura sua formação. Assim, é possível referir-se a um grupo social como uma instituição julgada como estruturante, em que a perspectiva para o futuro se dará pelo contexto social vivido. No entanto, o elemento de incerteza habitus poderá ocorrer uma vez que as categorias julgadas atrativas poderão influenciar na identidade social do indivíduo.

Dessa maneira, a identidade social é permeada por condições sociais que não são únicas nem, tampouco, estáticas. A identidade de um indivíduo não é construída de forma isolada, pois as características de um ser são interiorizadas, considerando o que é vivido em um ambiente social.

Na sociedade, estão embutidos elementos que fazem com que o objetivo e subjetivo dialoguem provocando a dualidade na constituição da identidade de um indivíduo. De acordo com Ponte e Oliveira (2002), as identidades sociais podem ser como “entidades dinâmicas” e não como “dados objetivos” ou “sentimentos objetivos” mais ou menos invariantes.

Nesse contexto, a identidade social, portanto, “não é mais do que o resultado

simultaneamente estável e provisório, individual e colectivo, subjectivo e objectivo, biográfico e estrutural, dos diversos processos de socialização que, em conjunto, constroem os indivíduos e definem as instituições.” (DUBAR, 1997, p.105, grifo nosso).

A compreensão do significado da palavra identidade se apresenta num cenário que, quando olhamos para nós, buscamos compreender o que somos para nós e, também, para o outro. Assim, a identidade se apresenta no âmago das relações sociais, bem como num contexto social, uma vez que as crises e os progressos tidos na sociedade moderna são variáveis e podem resultar na constituição de uma identidade atribuída pelo outro e reivindicada pelo sujeito.

Sobre identidade, então, é preciso observar os diversos momentos de socialização, sendo eles de desconstrução e reconstrução, da trajetória pessoal do sujeito, fatos marcantes bem como situações profissionais, pois a identidade social é dinâmica e está sujeita a constantes mudanças que refletem o contexto social, político e econômico, conforme ressalta Dubar (1997). Há que se destacar ainda que a relação com o outro é marcada pela incerteza, “eu nunca posso ter a certeza de que a minha identidade, para mim, coincide com a minha

identidade para o outro. A identidade nunca é dada, é sempre construída e (re) construída numa incerteza maior ou menor e mais ou menos durável.” (DUBAR, 1997, p.104).