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2 OS JESUÍTAS NAS AMÉRICAS: MESTIÇAGENS, EXÍLIO E ORIGENS DA CONSCIÊNCIA NACIONAL

2.2 Identidades, alteridades e o Novo Mundo: transculturações

Imagine-se uma comunidade, na qual tudo que é feito é partilhado pela memória comum e pelo conhecimento empírico, desde o nascimento de cada membro pertencente a ela. Todos os rituais, todas as práticas religiosas, culinárias, sexuais, as formas de plantio e colheita (se houver), o modo de

respeitar os mais velhos, a educação destinada às crianças, o conhecimento astronômico e as explicações mitológicas: todas essas práticas, que hoje chamamos “culturais”, só são entendidas como práticas comuns a uma comunidade determinada quando esta toma ciência de uma outra, que vive de modo diferente. Pensar em cultura parece só ser possível a partir do “descobrimento” do outro. Quando não há o outro e só há o “nós” enquanto coletividade comum, as atividades realizadas e as decisões tomadas são as únicas possíveis. Dificilmente haverá um elemento questionador ou intimidador de um modo de viver em uma comunidade sem a tomada de consciência de um outro, diferente, que também permite um resultado aceitável. Ideias só mudam quando a possibilidade de que podem mudar é aceita por alguém.

Serge Gruzinski11 argumenta que a mudança de mentalidade ocidental em relação ao outro só aconteceu na virada do século XV para o XVI através das Grandes Navegações e do “descobrimento” da América, além da maior chance de conhecer Ásia e África; é nesse período que se globaliza o conhecimento da alteridade; é nesse contexto que os europeus se deparam com comunidades de fato diferentes. Aquilo que muitos chamam de “encontro cultural” é a chave para se pensar em alteridade. É certo que as teorizações sobre a alteridade realizadas então podiam diferir bastante das atuais reflexões sobre o tema, não apenas pela evidente progressão dos estudos sobre o homem em sociedade mas também pelo avanço nos métodos (inclusive tecnológicos) que possibilitassem não só a comunicação mas as trocas culturais e os processos de transculturação.

É fato consensualmente aceito que o conhecimento do outro pode passar rapidamente do deslumbramento ao medo. Exemplo típico do processo está na obra de Stevenson, O médico e o monstro, na qual aparecem claramente as etapas de relacionamento com a alteridade, que, no caso em questão, se encontra num duplo do Dr. Jekyll, Mr. Hyde, que encerra todo o mal latente no primeiro. Mas esse medo do outro costuma, também, porventura, passar. E o processo seguinte ao medo é o da investigação do

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Em GRUZINSKI, Serge. A passagem do século: 1480-1520: as origens da globalização. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

diferente, a comparação clara dos pontos que unem e distanciam comunidades e indivíduos. No caso particular do “descobrimento” da América, vários segmentos foram importantes para a análise de diferenças e para a tentativa de fusão entre identidade e alteridade. Há inúmeras formas de pensar sobre o assunto, mas o que nos importa neste trabalho é a ação dos jesuítas, ordem religiosa que cumpriu um papel substancial na comunicação entre Novo e Velho mundos.

Neste subitem, abordaremos de forma geral como se deu a interferência jesuíta no processo de transculturação americano, particularizando essa interferência naquilo que se convencionou chamar de “disputa do Novo Mundo”, mais especificamente no contexto dos setecentos. Pensaremos nas repercussões do relacionamento direto entre o “eu” da Europa e o “outro” americano através da mediação dos padres inacianos, bem como nas problemáticas advindas de quando identidade e alteridade não mais se podem delinear isoladamente e se convertem num terceiro e quarto tipos: o criollo, o qual exemplificaremos através da figura de Francisco Javier Clavijero, e o mestiço.

Nesse contexto, o conceito de transculturação ajuda-nos a refletir não apenas sobre os intercâmbios culturais que formataram as identidades latino americanas, mas também a constatar que a própria ação dos jesuítas, sobretudo aqueles nativos (criollos e mestiços) expulsos dos domínios ibéricos em fins do século XVIII, funcionou através de sua representatividade histórica e do modo operandi das práticas dos padres como um grande exemplo de transculturação. Nesse ponto é importante lembrar a reflexão de Ángel Rama, cuja argumentação afirma que o conceito de transculturação

se elabora sobre una doble comprobación: por una parte registra que la cultura presente de la comunidad latinoamericana (que es un producto largamente transculturado y en permanente evolución) está compuesta de valores idiosincráticos, los que pueden reconocerse actuando desde fechas remotas; por otra parte corrobora la energía creadora que la mueve, haciéndola muy distinta de un simple agregado de normas, comportamientos, creencias y objetos culturales pues se trata de una fuerza que actúa con desenvoltura tanto sobre su herencia particular, según las situaciones propias de su desarrollo,

como sobre las aportaciones provenientes de fuera. Es justamente esa capacidad para elaborar con originalidad, aun en difíciles circunstancias históricas, la que demuestra que pertenece a una sociedad viva y creadora, rasgos que pueden manifestarse en cualquier puntos del territorio que ocupa aunque preferentemente se los encuentre nítidos en las capas recónditas de las regiones internas (RAMA, 2008, p. 40-41)

Como dissemos anteriormente, a ação dos jesuítas foi crucial para o processo de trocas culturais e de transculturação entre Europa e América durante os séculos de colonização. É importante lembrar que, num patamar equivalente ao da educação estava a obrigação imposta aos membros de participar de missões ao redor do globo para divulgar o catolicismo e ganhar adeptos. Essa função jesuíta exerceu influência decisiva para reforçar a modernidade e para a discussão sobre o modo como os habitantes do Novo Mundo e dos demais continentes eram concebidos na Europa. Frequentemente eram os padres inacianos que desenvolviam as gramáticas de populações indígenas e possibilitavam a troca de informações. Foram eles que aprenderam idiomas locais e ensinaram, por exemplo, o espanhol e o português para os nativos, iniciando um processo irreversível de intercâmbio cultural.

A necessidade de converter gerava frequentemente dúvidas sobre que abordagem deveria ser tomada. Segundo Wright, “a causa deles dependia de se negociar a aspereza e a estranheza contidas nas culturas estrangeiras” (2009, p. 88). E essa negociação muitas vezes era feita literalmente, através da troca de presentes, geralmente quinquilharias estranhas aos povos nativos, que pouco ou nada custavam aos cofres da metrópole. Mas isso nem sempre era a garantia da conversão, o que fazia perpetuar uma série de dúvidas sobre as abordagens empregadas:

Como isso seria alcançado? Como confrontar a realidade de que culturas estrangeiras tanto intrigavam como estavam intrigadas pela chegada de jesuítas missionários? O que deveria ser privilegiado? A força ou a persuasão? Será que os missionários deveriam seguir alegremente o rastro do avanço imperialista, destruindo templos, agindo como chapelões para expedições punitivas portuguesas, ou seria melhor desenvolver estratégias evangelizadoras que tentassem entender as crenças e moralidades locais ou até mesmo buscar

acomodar-se a elas? Esse era o maior dilema de todos e aquele que iria provocar discussões intermináveis entre as fileiras jesuítas: nunca houve uma “abordagem jesuíta” uniforme das missões. [...] Alguns membros da Companhia em particular eram conhecidos por oscilar entre o otimismo jubiloso e o pessimismo mais sombrio quando avaliavam as chances de sucesso evangélico, adotando uma gama de diferentes táticas e atitudes, às vezes, sentindo-se repelidas, às vezes, pregando o fogo do inferno. Mas a necessidade de decidir a respeito de uma estratégia de conversão de um tipo ou de outro era um dever constante e intrigante e essa decisão dependia de uma análise cultural. (WRIGHT, 2009, p. 88)

Essa necessidade de analisar uma cultura associada à obrigação da obediência aos seus superiores levava comumente os padres das missões a

descrever. Faziam descrições da língua, da natureza, dos hábitos dos nativos,

de suas construções, da geografia, de tudo quanto fosse possível deduzir de sua história. É sempre bom lembrar que os jesuítas faziam parte do mais alto grupo de cientistas daquela época, de forma que suas descrições podiam ser bastante extensas e completas, além de denotar forte curiosidade antropológica e frequentemente associar suas descrições a modos de como proceder para alcançar a “salvação das almas”. Missionários jesuítas abasteceram o Velho Mundo com narrativas a respeito de culturas desconhecidas, relatos sobre novas estrelas, animais, rios, plantas, drogas e mercadorias em potencial. Esse “poder” descritivo, no entanto, não garantia a fidelidade daquilo que era descrito. O olhar europeu muitas vezes conduziu o julgamento do que narrava, tornando o objeto da narração cativo de uma opinião etnocêntrica. Isso é tanto verdade que foi necessária uma bula papal, documento oficial da Igreja, para determinar que os povos colonizados eram seres humanos completos12. Por outro lado, houve também quem percebesse o contrário. Houve padres que sentiram a necessidade de partir do conhecimento que o outro trazia para “moldar” nele aquilo que a Companhia instituía, de forma que se foi percebendo que

os “rudes” ou os “selvagens”, para os quais o missionário se endereçava, não constituíam apenas um objeto passivo. Expressões

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antigas e tradicionais (rituais) desses povos se encontravam na base, e garantiam o próprio sucesso, da pregação missionária e de sua específica (estratégica) ritualidade: os (conscientes ou inconscientes) “acomodamentos” dos missionários, fundamentais para a comunicação da mensagem evangélica, abriam espaços para um “encontro” dentro do qual, muitas vezes, a própria “conversão” de rudes e selvagens revelava o ressumbrar de um “acomodamento” desse outro lado do encontro que, muitas vezes, se constituía como a única garantia e possibilidade de dar vida nova e novas formas a expressões antigas e tradicionais de sua própria cultura. (AGNOLIN, 2007, p. 31)

O território das missões era sempre um lugar de conflitos, e é importante assinalar que a interação entre conquistador e conquistado marcou ambos os lados. O conhecimento da cultura dominada era usado para influenciar povos a “migrarem” de religião, a cederem, a colaborarem com os europeus. O que não parece ter ficado claro na época é que, a partir do momento que os homens do antigo continente compartilharam sua cultura com os nativos e tentaram usar a cultura alheia para conseguir o que queriam, essa tomada de conhecimento do outro não se limitou a um saber enciclopédico, mas marcou decisivamente a história da humanidade. Apenas a partir do século XVI, é possível instituir o Outro como personagem autêntico do mundo. Santiago Castro-Gómez, como veremos no capítulo seguinte, argumenta que a empreitada colonial europeia é a condição de existência das ciências humanas modernas. Teorizar sobre a alteridade não deixou, desde então, de ser alvo de interesse dos homens de ciências. Tzevtan Todorov, em A conquista da América (2011), sintetiza no excerto abaixo a problemática sobre o tema:

Quero falar da descoberta que o eu faz do outro. O assunto é imenso. Mal acabamos de formulá-lo em linhas gerais e já o vemos subdividir- se em categorias e direções múltiplas, infinitas. Podem-se descobrir os outros em si mesmo, e perceber que não se é uma substância homogênea, e radicalmente diferente de tudo o que não é si mesmo; eu é um outro. Mas cada um dos outros é um eu também, sujeito como eu. Somente meu ponto de vista, segundo o qual todos estão lá e eu estou só aqui, pode realmente separá-los e distingui-los de mim. Posso conceber os outros como uma abstração, como uma instância da configuração psíquica de todo indivíduo, como o Outro, outro ou outrem em relação a mim. Ou então como um grupo social concreto ao qual nós pertencemos. Este grupo, por sua vez, pode estar contido numa sociedade: as mulheres para os homens, os ricos para os pobres, os loucos para os “normais”. Ou pode ser exterior a ela, uma

outra sociedade que, dependendo do caso, será próxima ou longínqua: seres que em tudo se aproximam de nós, no plano cultural, moral e histórico, ou desconhecidos, estrangeiros cuja língua e costumes não compreendo, tão estrangeiros que chego a hesitar em reconhecer que pertencemos a uma mesma espécie. (TODOROV, 2011, p. 03-04, grifos do autor)

A extensa citação acima não é gratuita. A partir dela, podemos desenvolver várias temáticas relacionadas à identidade e à alteridade. Podemos pensar na própria estranheza do tema: o que é esse outro que pode gerar em mim a sensação de semelhança e, de maneira oposta, gerar na pessoa que está do meu lado, talvez num ônibus ou numa fila de banco, o sentimento contrário, a impressão de que nada compartilha com aquele que me é tão familiar? Hoje em dia não discutimos mais se pertencemos à mesma espécie; nos dias que correm não duvidamos se eu, que nasci no Brasil, tenho ou não a mesma constituição humana de um francês. Ainda assim, teimamos em ver diferenças e nos apegamos fortemente a elas, mas isso não é de todo mal. É a partir da diferença que eu percebo haver entre nós que eu me identifico como sendo quem sou e relaciono você a mim reconhecendo que não somos o mesmo.

Terry Eagleton (2000) diz que “cultura, em resumo, são os outros”, que “para uma pessoa, seu próprio modo de vida é simplesmente humano; são os outros que são étnicos, idiossincráticos, culturalmente peculiares. De maneira análoga, seus próprios pontos de vista são razoáveis ao passo que os dos outros são extremistas” (2000, p. 43). Sendo assim, para afirmar uma identidade faz-se necessário um encontro entre culturas. A percepção de hábitos de uma comunidade alheia à minha é que me possibilita tomar consciência daquilo que é inerente a mim e a meu grupo. Segundo Adone Agnolin,

Desde sempre, o momento do encontro com o diverso cultural representa o momento de risco em que se coloca em jogo a própria identidade perante a alteridade. Trata-se de um momento de verificação importante em termos de um exercício de comunicação que, em sua experiência, afina suas estratégias comunicativas perante a recepção de sua mensagem. Colocar-se em jogo nessa

experiência da recepção da própria identidade significa e manifesta, enfim, a necessidade de abri-la em direção a um processo de negociação na comunicação que obtenha, de outro lado, o resultado de uma resposta mais próxima possível à própria concepção (cultural) identitária. O processo vale na recíproca perspectiva das partes em causa. Essa “negociação de si” (da própria cultura e de sua comunicação), perante o outro, constrói-se, necessariamente, de forma experimental. (AGNOLIN, 2007, p.193)

Experimentar o outro. Descobrir o que ele tem a oferecer, testar hipóteses, duvidar de si. Tudo isso leva tempo. O impacto da descoberta pode ser imediato, mas suas repercussões podem tardar, gerando um lento processo de trocas culturais e, a posteriori e em variados matizes, de transculturação. Esta, uma vez iniciada, engendra necessariamente mudanças nos dois lados. Segundo Roland Walter, “o processo da ‘transculturação’ mede a tradução dinâmica das confluências culturais que atravessa e constitui a encruzilhada da formação identitária entre lugares e epistemes diferentes” (WALTER, 2009, p. 35). Eurídice Figueiredo explica que

O discurso transcultural não é um pensamento de oposição e muito menos um discurso de síntese dos contrários; ele escapa ao esquecimento das oposições, reivindicando antes um discurso paradoxal construído de oxímoros a fim de melhor modificar ou deformar as oposições binárias; ele tenta detectar as práticas intersticiais que caracterizam os atos de discursos inéditos. (FIGUEIREDO, 2010, p. 88)

A conquista da América é um dos grandes casos, talvez o maior deles, de transculturação em massa. O continente americano era uma alteridade inteiramente nova e desconhecida, externa à Europa, da qual jamais antes houvera notícia. O encontro colonialista gerou “zonas de contato”13

entre várias culturas (difícil dizer apenas duas) as quais seguiram, necessariamente, diferentes do que eram antes do “choque”. De acordo com Todorov, “é a

13 Conceito de Mary Louise Pratt em Olhos do império. Segundo ela, “zonas de contato” são

“espaços sociais onde culturas díspares se encontram, se chocam, se entrelaçam uma com a outra, frequentemente em relações extremamente assimétricas de dominação e subordinação – como o colonialismo, o escravagismo, ou seus sucedâneos ora praticados em todo o mundo. (PRATT, 1999, p. 27)

conquista da América que anuncia e funda nossa identidade presente. [...] Os homens descobriram a totalidade de que fazem parte. Até então, formavam uma parte sem todo” (2011, p. 07). Esses mesmos homens também criaram uma nova totalidade através da mestiçagem. O “pensamento mestiço” é parte fundamental da identidade moderna, sem ele seria impossível gerar um homem que duvidasse de sua completude, que estranhasse suas raízes; sem ele o mundo clássico não teria encontrado um rival.

Segundo Serge Gruzinski, muito mais que ocorrência genética, a mestiçagem é uma mistura de seres e imaginários. Ele argumenta que a compreensão do fenômeno “tropieza con hábitos intelectuales que conducen a preferir conjuntos monolíticos antes que espacios intermediarios. Efectivamente, es más fácil identificar bloques sólidos que intersticios sin nombre” (GRUZINSKI, 2007, p. 56). Ainda que de difícil identificação, esses interstícios existem e não podem ser ignorados. Como diz José de Vasconcelos, “a colonização espanhola criou mestiçagem; isto assinala seu caráter, finca sua responsabilidade e define seu porvir” (VASCONCELOS Apud FIGUEIREDO, 2010, p. 75).

Como dissemos, a conquista da América fundou as bases da identidade moderna por oferecer ao Velho Mundo a possibilidade de conhecer uma alteridade inteiramente nova e desconhecida e propiciar uma interação entre os dois polos. O encontro colonialista do século XVI é um encontro entre tipos muito diferentes de cultura que, pela razão mesma da diferença, se estranham. Um dos primeiros passos dos conquistadores na América, além de violentas investidas para assegurar território, foi fazer um reconhecimento do lugar. Escrever sobre a terra, os bichos, as plantas, a geografia e os povos foi costume perpetuado por séculos e teve grandes repercussões na história e no modo de interagir entre as gentes do Novo e Velho Mundos. Os relatos de viagem constituíram matéria de ciência e serviram para gerar teorias sobre a superioridade europeia. Segundo Mary Louise Pratt, “a literatura de viagens reinventou o imaginário popular europeu sobre outros mundos” (1999, p. 12), diz mais:

O relato de viagem e a história natural iluminista se aliaram para criar uma forma eurocêntrica de consciência global ou, como chamo, “planetária”. Os esquemas classificatórios da história natural são vistos em relação aos conhecimentos vernáculos dos camponeses, que tais esquemas buscavam substituir. (PRATT, 1999, p. 29)

Os jesuítas foram fatores relevantes para o processo de divulgação das descobertas e relatos do cotidiano nas colônias. Exerceram também a função de defesa do lugar onde exerciam seu ofício caso ele fosse alvo de detrações sem base empírica. A cultura dos locais colonizados também influenciou europeus que viajaram a esses territórios, há casos que contam como as “negociações” entre colonizador e dominado acabaram afetando muito mais o primeiro que o segundo. Jonathan Wright explora alguns desses eventos em

Os jesuítas: missões, mitos e histórias (2009)14. Deixando de lado as situações extremadas em que houve realmente a conversão de um padre jesuíta católico para a religião que ele pretendia suplantar, a literatura sobre o tema é consensual quanto ao costume dos padres da ordem inaciana de usar a cultura dos povos nativos para, através de uma manipulação nem sempre sutil, conseguir a conversão.

os “rudes” ou os “selvagens”, para os quais o missionário se endereçava, não constituíam apenas um objeto passivo. Expressões antigas e tradicionais (rituais) desses povos se encontravam na base, e garantiam o próprio sucesso, da pregação missionária e de sua específica (estratégica) ritualidade: os (conscientes ou inconscientes) “acomodamentos” dos missionários, fundamentais para a comunicação da mensagem evangélica, abriam espaços para um “encontro” dentro do qual, muitas vezes, a própria “conversão” de rudes e selvagens revelava o ressumbrar de um “acomodamento” desse outro lado do encontro que, muitas vezes, se constituía como a única garantia e possibilidade de dar vida nova e novas formas a expressões antigas e tradicionais de sua própria cultura. (AGNOLIN, 2007, p. 31)

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Também há comentários interessantes sobre a questão em AGNOLIN, Adone. Jesuítas e

selvagens: a negociação da fé no encontro catequético-ritual americano-tupi (séc. XVI-XVII).

Podemos confirmar esse costume através das palavras do padre Nóbrega, que não só exercia esse hábito como o recomendava como forma garantida de obter sucesso na conversão.

Se nos abraçarmos com alguns costumes deste gentio, os quais não são contra nossa fé católica, nem são ritos dedicados a ídolos, como é cantar cantigas de Nosso Senhor em sua língua pelo tom e tanger seus instrumentos de música que eles usam em suas festas quando