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IDEOLOGIA: DUAS OU TRÊS COISAS QUE SABEMOS A RESPEITO

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Tratar de um tema tão controverso como a ideologia gera algum receio por parte do pesquisador. Tal receio se dá porque ideologia é um conceito muito discutido, passível de várias interpretações. Neste trabalho, cremos que utilizar o conceito será importante dentro da discussão a ser apresentada.

O uso do termo “ideologia” na modernidade foi concebido com Napoleão Bonaparte. Ele chamou de “ideólogos” o grupo de pensadores que se opunham aos seus métodos de condução da nação francesa. Napoleão usou a palavra com o intuito de desprestigiar as idéias contrárias ao seu governo, tachando-as de irreais, fora da realidade, portanto, sem valor algum, falsa realidade.

Karl Marx se apropriou do significado dado por Napoleão e passou a usá-lo em suas análises. Segundo Löwy (1999), Marx acrescentou mais tempero no conceito quando atribuiu à classe dominante a criação de formas ideológicas de difusão de suas idéias. Mesmo com a ampliação do conceito ainda ficaria presente em Marx a noção de falsa realidade, agora no âmbito das relações sociais para manter a dominação da elite burguesa sobre o proletariado.

Para Löwy (1999), com Lênin encontramos uma transformação no conceito até então empregado por Marx, que analisa ideologia sem o caráter pejorativo encontrado anteriormente, de falsa realidade, e compreende o termo como sendo o conjunto de pensamento que cada classe tem da realidade social. Para realçar a noção, ele usa os termos ideologia da burguesia, ideologia proletária, confronto entre ideologias para se afirmarem no contexto social.

É com o sociólogo alemão Karl Mannheim que vamos encontrar um uso do conceito ideologia interessante para nossa investigação:

O pensamento é índice particularmente sensível da mudança cultural e social. A variação no significado das palavras e as múltiplas conotações de cada conceito refletem polaridades de esquemas de vida mutuamente antagônicos, implícitos nestas nuances de significados. Por esta razão, a análise sociológica dos significados virá a desempenhar um papel importante nos estudos que se seguem. (MANNHEIM, 1972, p. 109).

Mannheim, em suas análises, faz uso da sociologia do conhecimento para atribuir ao conceito de ideologia um significado que leva em conta os aspectos socioculturais de cada grupo ao qual o termo é empregado, não descartando as nuances valorativas que o conceito pode sofrer ao longo da trajetória histórica.

Devemos compreender, de uma vez por todas, que os significados de que nosso mundo se compõe nada mais são do que uma estrutura historicamente determinada e continuamente evolui a estrutura em que se desenvolve, não sendo absoluto em nenhum sentido. (MANNHEIM, 1972, p. 111).

Segundo Mannheim (1972) a ideologia se configura como sendo um conjunto de idéias, concepções, representações de um dado grupo, que com esse sistema de idéias visa conservar a ordem existente, no sentido de manter intactos os valores entendidos como relevantes à sua manutenção. Dentro deste ponto de vista, a ideologia é conservadora, pois se opõe a tudo que ameaça a suplantação do modelo social existente.

Na ótica do sociólogo alemão, uma forma de melhor entendimento do conceito de ideologia é colocá-lo em confronto com “utopia”. Pois utopia segue o sentido oposto da ideologia. São conjuntos de idéias, valores contrários à ordem social existente. Tendo, portanto, uma visão crítica da ordem social vigente no sentido de transformá-la por meio de uma ruptura subversiva e às vezes revolucionária.

O filósofo francês Paul Ricoeur, em sua visão da relação da ideologia com a utopia, ressalta em Mannheim a ênfase cultural, acrescentando o conceito de imaginação à sociedade. Segundo Ricoeur (1991) a ideologia pode ser vista como um retrato, por buscar repetir e justificar uma imagem da realidade. Assim, Ricoeur (1991) atribui à ideologia aspectos de legitimação, manutenção, conservação da ordem. Já o conceito de utopia, ele o vê como ficção, como construção de uma nova realidade projetada em um porvir a ser, “um olhar para um lugar que não existe” (RICOEUR, 1991, p. 285).

Ao utilizarmos os conceitos apresentados por Mannheim interpretamos, sob a orientação de Löwy (1999), como visões sociais de mundo de um determinado grupo social ou mesmo de uma classe. Então, trataremos de visão de mundo ideológica, aquela que tenta manter os valores sociais existentes e entendidos como primordiais à manutenção do seu grupo social. Visão de mundo utópica, como já ressaltamos, vai em oposição, criticando os valores e preceitos da ordem social em voga e propondo um rompimento e uma mudança.

Ao analisarmos a ditadura militar no Brasil, percebemos que ela ocorreu num período da história brasileira dotado de relações de poder, contrapoder, mudanças, resistência a mudança, em que estão sempre em confronto duas ou mais visões de mundo. Dentro destas relações sociais de poder, esses conceitos nos ajudarão a ler com maior clareza as relações entre Ideologia e Utopia, conforme esboçados por Karl Mannheim.

O pensamento político está sempre vinculado a uma posição na ordem social, é coerente supor que a tendência a uma síntese total deva estar incorporada na vontade de algum grupo social. A participação em uma herança cultural como tende progressivamente a suprimir as diferenças de nascimento, status, profissão e riqueza e a unir os indivíduos instruídos com base na educação recebida. (MANNHEIM, 1972, p. 179).

O autor nos chama a atenção para a herança cultural, ou seja, a visão de mundo que o grupo político tem. Segundo ele, ao fazermos um estudo sobre assuntos que envolvam concepções ideológicas e utópicas, temos que estar convictos de tais elementos analíticos e não nos apegarmos somente a determinantes estáticos como classes ou status sociais. “Um dos fatos mais marcantes da vida moderna é que nela, diversamente do que acontecia nas culturas precedentes, a atividade intelectual não é exercida de modo exclusivo por uma classe rigidamente definida” (MANNHEIM, 1972, p.181). Assim tentaremos encarar nosso objeto de pesquisa.

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