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Ideologia na Análise do Discurso Crítica

No documento DM Luana Bertollo (páginas 59-63)

Fairclough (2016) conceitua que nas práticas das instituições, as ideologias estão implícitas nas práticas discursivas que atingem todos os níveis da vida social, e são mais

eficientes na medida em que se naturalizam, ou seja, tornam-se senso comum. Porém o autor enfatiza que a ADC constitui uma possibilidade de trazer o foco para as lutas ideológicas, para remoldar as práticas discursivas a fim de reestruturar ou transformar as relações de dominação. Para (Fairclough, 2016, p. 122):

“As ideologias são significações/construções da realidade (o mundo físico, as relações sociais, as identidades sociais), que são construídas em várias dimensões das formas/sentidos das práticas discursivas e que contribuem para a produção, reprodução ou a transformação das relações de dominação.”

Bakhtin (1997) ressalta que a linguagem, em todas as suas palavras, está atrelada a um conteúdo ou sentido ideológico, pois só assim, como signos e não como sinais, pode ser compreendida. Desta forma, a separação da língua do seu sentido ideológico constitui um grande erro do objetivismo abstrato.

Thompson (1995) acrescenta que a ideologia não é indissociável às formas simbólicas, pois estas se tornam ideológicas de acordo com seu uso na sociedade, estabelecem e perpetuam relações de dominação nos contextos em que são produzidas, transmitidas e recebidas. Ou seja, existe um uso social das formas simbólicas.

Desta forma, apresenta um quadro que possui uma análise mais abrangente, contendo cinco modos diferentes da aplicação da ideologia na construção simbólica do discurso, ressaltando que não são as únicas formas de fazer a identificação e análise da ideologia. No quadro abaixo é possível verificar quais estratégias simbólicas Thompson associa os modos de operação da ideologia.

Modos Gerais Algumas estratégias típicas de

construção simbólica Legitimação Racionalização Universalização Narrativização Dissimulação Deslocamento Eufemização

Tropo (sinédoque, metonímia, metáfora)

Unificação Estandardização Simbolização da unidade Fragmentação Diferenciação Expurgo do outro Reificação Naturalização Eternalização Nominalização/ passivização

Quadro 6 - Modos de Operação da Ideologia

De acordo com o autor, o modo de legitimação tem como foco validar relações de dominação, demonstrando serem justas e dignas de aceitação e contribuição.

- Estratégia de Racionalização: desenvolvimento de linha de raciocínio para justificar determinadas ações, a fim de perpetuar interesses e decisões de pessoas e/ou instituições;

- Estratégia de universalização – Os interesses de alguns são expostos como sendo o interesse do todo, normalmente utilizado para afirmar interesses políticos e econômicos de grupos que estão no poder;

- Estratégia de narrativização – Utilizada como forma de legitimar crenças e identidades, como por exemplo filmes, piadas, documentários e histórias, que sustentam relação de dominação, pois são mais facilmente replicadas pelas pessoas. Pode-se perceber a narrativização desde os mitos e histórias infantis. Os modos de dissimulação são explicados pelo autor como forma de validar relações de poder, obscurecendo, ocultando e negando as mesmas no discurso.

- Estratégia de deslocamento: consiste em deslocar ou transferir palavras de um contexto para outro, dissimulando a lógica de funcionamento das palavras dentro do contexto linguístico;

- Estratégia de eufemização: o contexto é reescrito de forma a buscar palavras e significados que despertam uma valorização positiva, como por exemplo utilizar a expressão “restauração da ordem” ao invés de supressão violenta do protesto, ou “centro de reabilitação” no lugar de prisão;

- Estratégia de uso de tropo: uso figurativo das palavras, como a sinédoque que reduz ou amplia, na atribuição da parte pelo todo ou do todo pela parte. Por exemplo “os russos se preparam para o ataque”, onde os russos não são toda a nação russa, e sim um grupo específico. Já a metáfora também é utilizada para representar relações sociais ou características, como “dama de ferro” para representar firmeza, ressaltando o atributo positivo dessa característica em detrimento dos efeitos negativos que isso possa causar.

O Modo de unificação é utilizado para fortalecer a construção de uma entidade coletiva, que ultrapassa as diferenças que possam causar separação.

- Estratégia de estandardização/ padronização: cria padrões para somar as individualidades e formar um sendo de coletividade. Essa estratégia gera uma

identidade ao passo que inferioriza e invalida quem não faz parte da mesma; - Estratégia de simbolização da unidade: inúmeros símbolos são produzidos para

estabelecer a unidade, como hinos, bandeiras, uniformes. Até formas como gêneros musicais e crenças políticas e religiosas são estratégias ideológicas para manter ou transformar relações de dominação.

O modo de fragmentação, ao contrário do modo de unificação, tem por objetivo separar ou segmentar grupos que possam ameaçar a dominação existente.

- Estratégia de diferenciação: fortalece diferenças entre pessoas e grupos, como exemplo da utilização do “nós” – ressaltando o positivo - versus “eles” – ressaltando o negativo;

- Estratégia de expurgo do outro: utilização do outro como inimigo, contra quem se deve lutar. O autor ressalta que essa estratégia é utilizada para reunir forças para combater quem se quer lutar, um exemplo é a utilização da expressão “eixo do mal” por George Bush após 11 de setembro de 2001 ao se referir a países como Irã, Iraque e Coreia do Norte, por considerar que esses países representavam os terroristas. Essa expressão foi um forma de legitimar as ações bélicas dos Estados Unidos nesse período.

Modo de reificação: retratação de uma situação histórica transitória como se fosse permanente, natural, perene, fazendo com que as ações dos indivíduos sejam ofuscadas na história social.

- Estratégia de naturalização: faz com que criações sociais e históricas se tornem parte de uma ordem natural. Como exemplo, o autor descreve a distinção das tarefas por gênero, atribuindo à mulher a característica de sexo frágil, não para preservá-las de tarefas que estão além de sua capacidade física, mas para manter o homem em posição de poder nas diferentes esferas da sociedade;

- Estratégia de eternalização: representa ações e eventos como se fossem eternos e imutáveis, apagando seu caráter social e histórico, ou seja, práticas que foram construídas cotidianamente mas que podem não condizer com valores atuais, mas que perpetuamos por considerá-las imutáveis;

- Estratégia de nominalização/ passivização – transforma processo em coisas normalmente para ocultar o sujeito, por exemplo, “o aumento (coisa) das taxas de importação” ao invés de “A presidente aumentou (processo) as taxas de

importação”. Já a passivização ocorre quando coloca-se a oração na voz passiva, por exemplo, “As taxas de importação foram aumentadas”. Desta forma, o autor explica que a estratégia visa também suprimir contextos – onde, quando e como a ação aconteceu.

Para Thompson (1995), o que torna a análise da ideologia importante para a ADC não é o fato de acreditar que todo discurso é ideológico, mas que discursos podem se tornar ideológicos se favorecer a transformação ou manutenção de relações de dominação, de poder.

No documento DM Luana Bertollo (páginas 59-63)

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