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Igrejas da segunda onda – síntese e assimilação cultural

A partir de 1950 o pentecostalismo brasileiro se fragmentou. Manoel de Melo funda a igreja O Brasil para Cristo (OBPC), e o missionário Harold Williams traz a Igreja do Evangelho Quadrangular (IEQ) rompendo com aspectos do tradicionalismo assembleiano e abrindo o caminho para a segmentação do movimento.

Aqui os embates se deram em torno do envolvimento ou não dos pentecostais com novos elementos da cultura moderna. As novas técnicas de evangelismo, com o uso do rádio e das tendas e o papel proeminente da mulher figuram entre os temas principais. Ao contrário do que ocorria nas ADs, na Igreja Quadrangular “há vários casos em que a pastora titular é a esposa e o pastor auxiliar é seu marido”. Na igreja O Brasil para Cristo o “progressismo político” aventureiro de Manoel de Melo foi símbolo de abertura cultural entre a primeira e segunda fase do movimento (FRESTON, 1996, p. 114-124).

As divisões denominacionais entre os pentecostais no Brasil foram tardias se comparadas ao que aconteceu em sua matriz nos EUA. Na América do Norte, já nas primeiras décadas dezenas de igrejas pentecostais distintas se multiplicavam, haja vista o caráter da liberdade individual e empreendedorismo que contribui para que o americano desafie suas instituições religiosas. De qualquer sorte, com a utilização do rádio e das tendas, bem como as grandes cruzadas evangelísticas, multidões aderem ao movimento pentecostal. Os grupos novos tinham a “liberdade de adaptar-se à nova sociedade urbana, porque não carregavam mais de 40 anos de tradição. Puderam inovar com técnicas mais modernas e uma nova relação com a sociedade” (FRESTON, 1996, p. 110).

A esta época fica evidente que as AD’s tinham pouca influência norte americana e muita influência Sueco/Nordestina. Como observa Freston “em vez da ousadia de conquistadores,

tinham uma postura de sofrimento, martírio e marginalização cultural” (FRESTON, 1996, p. 78). Também pode-se argumentar em partes que os suecos se ressentiram das novas metodologias de evangelismo simplesmente por elas terem partido de missionários americanos. Fato é que todo o pentecostalismo foi impactado pelo empreendedorismo americano após os anos 50, inclusive as AD’s, ainda que tardiamente.

Estas aberturas de segunda onda contribuíram com alguns elementos peculiares para o que entendemos hoje como cultura pentecostal. A fixação pelos grandes números, a engenhosidade para atrair multidões, a competitividade entre os ministérios, os mitos para reforçar o carisma eram ferramentas aceitas para se “ganhar almas para Jesus.” Segundo Manoel de Melo o grande templo da Igreja O Brasil Para Cristo seria “capaz de abrigar 25.000 pessoas sentadas. Na realidade, dificilmente cabem nele mais de 8.000 pessoas” (FRESTON, 1996, p 119-120) como se constata. Esses exageros não são incomuns por parte dos pentecostais.

No intuito de engrandecer sua figura de “grande homem de Deus” Paulo Leivas Macalão, fundador da AD Madureira, hoje representada pela CONAMAD com dois milhões de inscritos, infringiu as leis de direitos autorais livremente. Como a cultura pentecostal era isolada, seus delitos passaram despercebidos. Macalão se apropriou de diversos hinos internacionais na Harpa Cristã, deixando apenas o nome do tradutor da letra para o português e não do compositor. Até mesmo a tradução deve ser posta em xeque nestes casos. Sua figura grandiosa, no entanto, apenas aumentava.

Davi Miranda, líder tardio deste período de segunda onda que entrou em cena a partir dos anos 60 e permaneceu ativo até o dia de seu falecimento em 21 de fevereiro de 2015, se comunicava a seus ouvintes radiofônicos de forma pomposa. No ar se dirigia a seu público como se estivesse falando literalmente ao mundo inteiro. Utilizava a expressão “todo o mundo” de forma enfática, dando proporções “universais” a seu programa “Voz da Libertação”. Transmitia seus programas muitas vezes, em um arranhado “portunhol” notadamente para impressionar mais os ouvintes brasileiros do que para alcançar os de origem hispânica. Não obstante Davi Miranda alcançou notável êxito na mídia. São milhares de horas de rádio a serviço de sua denominação no Brasil e em “partes” do mundo.

Nas Marchas para Jesus atualmente, as discrepâncias dos números oficiais e dos organizadores são abismais. Num ambiente competitivo exagerar nas estimativas dos números de participantes contribui para atrair ainda mais pessoas e para inflar o ego da liderança.

Outra caraterística a ser mencionada é a inovação dos locais de culto. Vejamos o que despertou Harold Williams, fundador da Igreja do Evangelho Quadrangular a importar para o Brasil a ideia dos cultos em tendas que já eram comuns nos EUA:

Enquanto em Furlough, Harold compareceu as cruzadas de Billy Graham e Oral Roberts, quando ambos eram ainda jovens e no auge de seus ministérios. Ali ele teve grandes ideias que seriam transferidas ao Brasil. Um conceito específico veio como uma luz em sua mente, em uma noite aonde Billy Graham realizava a cruzada em uma tenda. Harold pensou: os brasileiros amam os circos. Eu creio que eles seriam atraídos para cultos de avivamento em tendas (RISSER, 2010, tradução nossa).

Manoel de Mello foi ainda mais longe, se distanciando cada vez mais dos métodos tradicionais vigentes “alugando espaços seculares como cinemas, ginásios e estádios” (FRESTON, 1996, p. 118) para desespero dos assembleianos de raíz.

Essa tendência de inovar nos métodos para atrair multidões é fruto da invasão empreendedora americana no Brasil na segunda onda. Para se entender o fruto desta cultura de exageros e inovações é crucial um passeio pela Avenida Celso Garcia em São Paulo. Ali, além de inúmeras igrejas pentecostais oriundas das três ondas, encontra-se também uma réplica do templo de Salomão idealizada pelo bispo Edir Macedo, um símbolo maior da engenhosidade para atrair multidões – e dinheiro – que o pentecostalismo já vivenciou.

A Avenida Celso Garcia é um espaço físico que em quase todos os aspectos reflete o todo do movimento pentecostal brasileiro. Para encher os templos paulistanos os pastores dependem principalmente dos programas televisivos, das 8 rádios oficiais da cidade a serviço do movimento, e de um número maior ainda de rádios pirata – todas controladas por pentecostais. Uma hora diária de programação semanal em uma rádio oficial pode chegar aos 50 mil reais mensais, conforme constatamos através de consultas via telefone. Seja nos púlpitos ou nas rádios, os pastores agem debaixo da “liberdade do Espírito Santo” o que geralmente significa “vale tudo” para atrair as multidões.

As campanhas e correntes são criadas para evitar a estagnação dos cultos normais, e ajudam na fidelização a medida que os membros se comprometem com Deus em retornar várias semanas à mesma igreja. Neste contexto igrejas passam a ter frequentadores e não membros formais. De acordo com Ricardo Bitun, “a imagem é semelhante a um grupo de mochileiros, sem lugar definido para acampar e que instala-se por um breve período em algum ‘acampamento da fé’” (BITUN, 2011, p. 96).

A engenhosidade fica a cargo da criatividade dos líderes que aprenderam a detectar as necessidades existenciais das pessoas e fornecer promessas de respostas que supram – de preferência rapidamente – problemas de toda sorte. São realizadas campanhas direcionadas a temas específicos como casamento, vida financeira e libertação. Usa-se a proclamação de temas para o ano todo como o “ano de Davi” ou o “ano da colheita”. Essa engenhosidade pentecostal é advinda de uma competitividade exacerbada que passou a ser constatada no momento de ruptura cultural do movimento entre a primeira e segunda onda pentecostal.

Pode-se argumentar que os líderes expoentes desse período no pentecostalismo aderiram a novos elementos culturais com a intenção de alcançar mais fieis, bem como a manutenção do poder pastoral. Em qualquer análise, o fato é que nasce uma postura inédita das igrejas pentecostais que migram da rejeição à cultura secular, ou da clausura, em direção a uma posição intermediária de “brincar” com elementos novos da cultura brasileira. Agora o pentecostal começa a perceber “que pertence àquela cultura” (secular) “e sabe que não pode livrar-se dela; que Deus na verdade o sustenta nela e por meio dela” (NIEHBUR, 1967, p. 187).

Resistiriam os pentecostais às forças avassaladoras da cultura secular? Ou ao tentarem utiliza-la terminariam engolidos por ela? Como em todos os movimentos religiosos que nascem sectários e com o tempo se tornam reflexo de sua cultura a resposta é óbvia também para o pentecostalismo.