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Igrejas com janelas e sem imagens

a) Igreja de Santa Maria, Marco de Canaveses

1992-1996, Álvaro Siza Vieira

A igreja de Santa Maria, ainda que sendo uma igreja contemporânea, reconhece-se no panorama da cidade pelos mesmos elementos que uma igreja tradicional. Quem se aproxima, entrando no largo conformado por esta e pelo centro paroquial encontra uma fachada de elementos habituais, ainda que trabalhados por um traçado contemporâneo. As duas torres sineiras anunciam a vocação do edifício e a altíssima porta (de ferro pintado por fora, mas de madeira por dentro) que marca a entrada, anulam todos os equívocos: aproximamo-nos de uma igreja (ver Figura 19 - Igreja de Santa Maria, Marco de Canaveses, Álvaro Siza.).

O momento de entrada, quando feito por esta porta principal, reveste- se de uma enorme solenidade. As duas folhas de madeira, quando estão abertas e vistas do exterior, são acolhedoras, e convidam quem passa a entrar.328 O interior da igreja,

ainda que com uma expressão depurada e minimalista, está organizada de forma tradicional (ver Figura 20 - Nave central, Igreja de Santa Maria, Marco de Canaveses, Álvaro Siza.): a Assembleia está disposta em duas filas paralelas ao longo de um eixo longitudinal, de frente para o presbitério. O interior possui apenas uma imagem – a de Nossa Senhora – colocada entre o presbitério e a Assembleia. De resto, o espaço destaca-se pela grandiosidade de alguns gestos arquitectónicos: a enorme parede branca, alta, que remata o presbitério (com apenas dois poços de luz, alinhados com o altar); a parede lateral esquerda, que é curva, de onde três janelões projectam jogos de luzes ao longo do dia e, finalmente, um vão horizontal baixo, que percorre a parede lateral direita.

Todos estes elementos, ainda que desenhados com perícia, funcionam de forma distractiva em relação à celebração da Liturgia: o olhar perde-se entre as luzes projectadas de cima (dos janelões à direita) e a paisagem urbana que o rasgo ao longo da parede esquerda nos permite contemplar. Esta paisagem, ainda que desorganizada e confusa, apresenta um maior contraste de cores e texturas sendo, por isso, uma imagem “descodificável”, na medida em que, quando comparada com o cenário limpo, quase vazio, do presbitério, facilmente atrai para si o olhar.

Depois, a própria iluminação vinda de trás do presbitério coloca o celebrante em contraluz inibindo a compreensão das suas expressões e dificultando a comunicação.

328 Há que não esquecer a dimensão simbólica da porta – “Eu sou a porta. Todo

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Por outro lado, a imagem solitária de Maria não é suficiente nem para envolver a Assembleia (ver Figura 21 - Em cima: presbitério, Igreja de Santa Maria, Marco de Canaveses, Álvaro Siza.; em baixo: Assembleia e imagem de Nossa Senhora, Igreja de Santa Maria, Marco de Canaveses, Álvaro Siza.), como são as imagens multitudinárias referidas na terceira parte desta dissertação, nem para informar a assembleia acerca da identidade do espaço. (Muito embora a imagem em si tenha uma colocação no espaço e uma postura apropriada: colocada junto à Assembleia, junta-se ao grupo de fiéis reunidos para celebrar a Liturgia, e o seu olhar volta-se na direcção do altar e do sacrário, convidando-nos ao mesmo gesto.)

Estas distracções, se são difíceis de contrariar para quem assiste à celebração litúrgica, não serão mais fáceis para quem ali se queira recolher em oração: o eixo transversal, composto pelo jogo de luzes à esquerda e pela janela comprida à direita constitui-se como um pêndulo emotivo (a luz difusa e celeste, a luz cortante e terrena) que nos distrai dos elementos litúrgicos (ver Figura 21 - Em cima: presbitério, Igreja de Santa Maria, Marco de Canaveses, Álvaro Siza.; em baixo: Assembleia e imagem de Nossa Senhora, Igreja de Santa Maria, Marco de Canaveses, Álvaro Siza.) Estes, se antes possuíam a vantagem de ser o ponto à volta do qual o ritual estava a acontecer, fora dos períodos da Liturgia o seu desenho discreto torna-os quase insignificantes no espaço. O sacrário, por exemplo, está colocado em sombra, e a sua presença, ao lado de uma cruz em madeira, perde-se na escala do tecto elevado do presbitério (que aliás não é diferenciado do tecto do espaço da Assembleia).

No caso da igreja de Santa Maria, a preferência pela utilização de janelas resulta numa distracção, tanto para quem assiste à celebração como para quem ali se recolhe em oração. Em vez de apontarem para os elementos que são presença do divino (altar, ambão, presidência, sacrário), estes vãos criam uma lógica imanente ao espaço que, ainda que possa conter algum simbolismo, fala uma linguagem que não é propriamente cristã.

Figura 21 - Em cima: presbitério, Igreja de Santa Maria, Marco de Canaveses, Álvaro Siza.; em baixo: Assembleia e imagem de Nossa Senhora, Igreja de Santa Maria, Marco de Canaveses, Álvaro Siza.

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b) Igreja de Santo António de Portalegre,

1993 – 2009, João Luís Carrilho da Graça

A impressão imediata do espaço contrasta com a da Igreja de Marco de Canaveses: se na primeira a nave era comprida e alta (o que fazia com que o olhar fosse atraído para o alto), no caso da Igreja de Santo António encontramos uma lógica do tipo horizontal, com uma planta quadrangular, mas especialmente marcada pelo vão que rasga a parede por trás do presbitério e que abre para uma formação rochosa, ainda crua, de tons cinza.

Este vão, no entanto, produz também uma distracção, tanto na Liturgia como na oração pessoal: mais uma vez, o celebrante está em contraluz, mergulhado numa sombra fria, que contrasta com a luz do sol sobre a pedra exposta e que não deixa perceber com clareza as suas expressões faciais.

A cruz de madeira, colocada para lá do espaço interior, acaba por se perder na paisagem. A sua altura, tão alta quanto o vão que abre para a própria rocha, fá-la ficar cortada, não nos permitindo ver a sua totalidade. A proporção do vão, mais ao baixo que ao alto, cria ainda a sensação de que só nos é dado a ver um fragmento da paisagem – e neste caso, um fragmento da cruz –, provocando em quem a contempla um impulso de querer ir espreitar, de perceber como acaba. Como todos estes gestos, que podem ter várias interpretações, estão reduzidos a símbolos abstractos (a rocha, a cruz sobre a água, o próprio espelho de água que corre junto ao janelão) a mensagem que se pretende transmitir não é clara nem explicitamente cristã. Outro exemplo disso é a via sacra, que foi reduzida a 14 cruzes metálicas, acompanhadas de uma numeração romana. Não há sugestão através da imagem, só o símbolo.

Na sala existem apenas duas imagens: uma imagem de Santo António, padroeiro da igreja, e uma de Nossa Senhora de Fátima que, pelas fotografias da inauguração do projecto, parece ter sido acrescentada mais tarde. As imagens têm uma leitura independente, não se sente fazerem parte da arquitectura. A colocação da imagem de Nossa Senhora é semelhante, na postura da imagem e no posicionamento entre o presbitério e a Assembleia, à da imagem da igreja de Marco de Canaveses. Já a imagem do Santo António apresenta-nos a figura do Menino Jesus (como é tradicional), mas parece atrair as atenções sobre si, em vez de as dirigir para o ritual litúrgico.

Sintetizando, os dois casos de estudo apresentados neste capítulo adoptam estruturas arquitectónicas muito diferentes: a dimensão vertical e o longo eixo longitudinal de Marco de Canaveses, por exemplo, são o oposto da planta quase quadrada da sala, mais informal, projectada para Portalegre. No entanto, ambos optam por um uso mínimo da iconografia. Foi precisamente por estas duas características que escolhemos estes dois projectos – apesar de a forma arquitectónica variar (apresentando

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qualquer uma vantagens e desvantagens), a preferência por um estilo minimalista e depurado provoca um impacto negativo na vivência do ambiente, que não é compensado pela abertura de vãos. Estes, tanto no caso de Marco de Canaveses como no de Portalegre, tornam-se distractivos e um obstáculo à comunicação entre o celebrante e a Assembleia.

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