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1.1.1. Governo Não-Livre ou Despotismo e Ilusão ou

1.1.1.2. Liberdade como Propriedade e Igualdade Formal

1.1.1.2.1. Igualdade Abstrata X Desigualdade Concreta dos

A primeira referência ao termo “igualdade” (Gleichheit), na seção Espírito Objetivo da Enciclopédia, ocorre no § 539 A, da seção Estado [terceira parte da Eticidade], onde se analisa a relação entre os conceitos de “liberdade e igualdade” (Frei-

heit und Gleichheit). Mas já é possível ver, na seção A. Direito

[Formal/Abstrato], que abrange os §§ 488 a 502, a noção de uma “igualdade formal das pessoas proprietárias”, que se refere ao direito de todas as pessoas racionais terem proprie- dade, pelo menos “a tomada de posse corporal imediata”72.

No § 539 A, da Enciclopédia, Hegel examina os concei- tos de “liberdade e igualdade” e, logo no início, afirma: “Com o Estado, entra em cena [a] desigualdade [Ungleichheit]: a diferença [Unterschied] entre poderes governantes e gover- nados, autoridades, magistraturas, presidências etc.”; pois, segundo consta: “O princípio consequente da igualdade [Gleichheit] rejeita todas as diferenças [Unterschiede], e assim não deixa subsistir nenhuma espécie de ordenamento esta- tal”73. Para Hegel, é necessária a divisão entre “governantes e governados”. No caso, convém destacar que ele apresenta a importância de haver “Estado”, de existir “decisões e ações do Governo”, de ter respectivo “poder público” ou “força pública”, de “poder do Estado” ou “força do Estado”, pois pode ocorrer, entre outros, “contra o poder do Estado, a opinião singular e a vontade particular”, levando, por exem- plo, para a Oclocracia. Trata-se do “carecimento” ou da “ne- cessidade natural de governo e de administração estatal”, devido à “diferença entre comandantes e comandados” ou

72 HEGEL. ECF (III). 1995. § 491. p. 285: 10/307 „die unmittelbare

körperliche Ergreifung des Besitzes“.

“entre comandar e obedecer”74.

Inclusive, no § 272 A da Filosofia do Direito, fundamentado no § 269, Hegel reafirma a “necessária divisão

dos poderes do Estado”75 e, no § 272 Z, reitera que “os poderes do Estado precisam ser diferentes”76. Na sequência, ainda se afirma que, “na Revolução Francesa, ora o poder legislativo absorveu o assim chamado poder executivo, ora o executivo, o poder legislativo, e é insensato fazer eventualmente aqui a exigência moral da harmonia”77. Trata- se da análise hegeliana quanto à organização dos “poderes diversos” do Estado, com suas respectivas “tarefas e atividades”, as quais, como em qualquer organismo vivo, possuem suas diferenças, “determinidades”, mas que não devem ter uma “absoluta autonomia”, na medida em que constituem “apenas um todo individual”. Trata-se da distinta, mas vinculada atuação dos diversos poderes, necessariamente diferentes e autônomos, mas sem diferenciação e sem autonomia extrema, porém interligada ou vinculada, na medida em que constituem uma unidade, somente um único todo orgânico. Além disso, no § 290 Z, declara-se que o chamado “ponto principal”, o que mais importa no “poder de governo”, é a “divisão de tarefas”; ou seja, para haver um “poder legítimo”, as tarefas não devem

74 R.: Regieren und Regierten; Staat; Entschlüssen und Handlungen der

Regierung; öffentlichen Macht – öffentlichen Gewalt; Staatsgewalt – Staatsmacht; eigene Meinung und den besonderen Willen gegen die Staatsgewalt; Bedürfnis von Regierung und Staatsverwaltung; Unterschied von Befehlenden und Gehorchenden; von Befehlen und Gehorchen. Cf. HEGEL. Vorlesungen über die Philosophie der Geschichte. [TP]: 12/62.

75 HEGEL. FD. 2010. § 272 A. p. 254: 7/433. „notwendigen Teilung der

Gewalten des Staats“.

76 HEGEL. FD. § 272 Z [TP]: 7/434. „die Gewalten des Staates müssen

[...] unterschieden sein“.

“ser” ou “estar centralizadas”78, concentradas, mas divididas ou repartidas entre seus membros. Inclusive, na sequência da citada exposição, declara-se ainda que “esse regime [de centralização] foi introduzido pela Revolução Francesa, [e] ampliado por Napoleão”79. Assim, na Filosofia do Direito, há uma crítica ao sistema de poderes do Estado vivenciado na Revolução Francesa, o qual não se constituía de relações orgânicas entre as diversas esferas particulares do Estado.

Além disso, convém enfatizar que na Filosofia do

Direito, no § 273 A, Hegel relaciona os conceitos de “tirania”

e “anarquia”, apresentando-os como extremos opostos da “força pública” e do mero “interesse privado” no Estado80. Todavia, entre as formas possíveis de governo livre versus as de governo não-livre: 1) Democracia X Oclocracia, 2) Aristocracia X Oligarquia e, ainda, 3) Monarquia X Despotismo, qual Hegel escolheu e defendeu? Ora, sobre isso, nas Lições sobre a Filosofia da História, afirma-se que:

A determinação primordial é, sobretudo, a di- ferença de governantes e de governados; e, com ra- zão, dividiram-se as constituições, de forma geral, em monarquia, aristocracia e democracia; a respeito do que apenas se deve observar que a monarquia mesma precisa ser diferenciada de despotismo.81

Além disso, nas mesmas Lições, ainda se assevera: A história mundial é o disciplinamento da sel- vageria do querer natural em vista do universal e da liberdade subjetiva. O Oriente sabia e sabe apenas que um é livre; o mundo grego e o romano, que al- guns são livres; o mundo germânico sabe que todos

78 R.: verschiedene Gewalten [des Staates – Staatsgewalten]; Geschäfte und

Wirksamkeiten; Bestimmtheiten; absoluten Selbständigkeit; nur ein individuelles Ganzes; hauptsächliche Punkt; Regierungsgewalt; Teilung der Geschäfte; berechtigte Gewalt; zentralisiert sein.

79 HEGEL. FD. § 290 Z [TP]: 7/459 Cf. XXXI.

80 R.: Tyrannei; Anarchie; öffentliche Macht; Privatinteress.

81 HEGEL. Vorlesungen über die Philosophie der Geschichte. [TP]: 12/62 Cf.

são livres. Por isso, a primeira forma [de governo] que vemos na história mundial é o despotismo; a se- gunda [forma] é a democracia e a aristocracia, e a terceira [forma] é a monarquia.82

Nas passagens citadas, não se defende explicitamente uma das formas de governo, contudo, critica-se reiterada- mente o despotismo. Ora, tal classificação já consta inclusive nos Escritos de Juventude, no texto A Constituição da Alemanha, de 1800-1802:

A Alemanha já não pode ser nomeada um Es- tado, porque ela teria de admitir algumas consequên- cias decorrentes do conceito de Estado e que ela não pode admitir[;] ajuda-lhe, porque assim a Alemanha também não pode se valer como não Estado; com isso, ela se dá o título de "Império" como um concei- to – ou, desde que a Alemanha não é nem uma de- mocracia nem uma aristocracia, porém por sua essência nem devia ser uma monarquia e o impera- dor então nem devia ser encarado como um monar- ca; assim ajuda-lhe o título de "chefe do império", que ele lidera, também em um sistema, em que não títulos, porém determinados conceitos devem domi- nar.83

Apesar da grande riqueza de dados expostos acima, interessa aqui apenas a distinção entre democracia, aristocracia e monarquia enquanto formas livres de governo ou de poder de Estado. Aliás, Hegel apresenta as três como formas possíveis de governo livre, criticando, claramente, as três formas não livres.

No entanto, na Enciclopédia e na Filosofia do Direito, a “monarquia constitucional” é exposta, por Hegel, como uma suprassunção, ou unidade, das três formas de “governo”, de

82 HEGEL. Vorlesungen über die Philosophie der Geschichte. [TP]: 12/134 Cf.

XXXIII.

83 HEGEL. Frühe Schriften. Die Verfassung Deutschlands (A Constituição

“constituição” ou de “poder de Estado” livre84. Sobre isso, destaca-se o seguinte:

A antiga divisão das constituições em monar- quia, aristocracia e democracia [...], formas, que perten- cem de tal maneira a todos diversos, são rebaixadas a momentos na monarquia constitucional; o monarca é um; com o poder governamental intervêm alguns e com o poder legislativo intervém, em geral, a plurali- dade.85

Poderia tratar-se da especificação, por Hegel, da assim chamada “melhor constituição [beste Verfassung], isto é, por meio de qual instituição, organização ou mecanismo de po- der de Estado deve ser alcançado, de forma mais segura, o fim do Estado”86. Mas, na sequência, na frase seguinte do § 273 A e no § 273 Z, da Filosofia do Direito, ele afirma que:

[...] são diferenças meramente quantitativas [...]. A questão de saber qual forma [Form] seja a me- lhor [bessere], se a monarquia ou a democracia, é ocio- sa do ponto de vista da liberdade subjetiva. Só é legítimo dizer que as formas de todas as constitui- ções políticas que não conseguem suportar dentro de si o princípio da livre subjetividade e que não sabem corresponder à razão plenamente formada são unila- terais.87

Assim, o que importa, então, é suportar e respeitar o “princípio da livre subjetividade”, da “liberdade da subjetividade”. Afinal, a chamada “degenerescência”88 das três formas de governo livre pode ser via “um”, “alguns” ou

84 R.: konstitutioneller Monarchie; Regierung; Verfassung; Staatsgewalt.

85 HEGEL. FD. 2010. § 273 A, p. 256: 7/435 Cf. XXXV.

86 HEGEL. Vorlesungen über die Philosophie der Geschichte. [TP]: 12/63 Cf.

XXXVI.

87 HEGEL. FD. 2010. § 273 A. p. 256: 7/435 e § 273 Z, p. 73: 7/439-

440 Cf. XXXVII.

“muitos” indivíduos ou “déspotas/tiranos”89. Trata-se, entre outros, de aspecto muito relevante para a atualidade, em que, muitas vezes, pela mera vontade de um, alguns ou muitos se fere o princípio da livre subjetividade.

Ora, se Hegel não especifica qual das três é a melhor forma de governo livre, todavia afirma reiteradamente que as formas de degenerescência da “democracia”, da “aristocracia” e da “monarquia” são, respectivamente, a “oclocracia”, a “oligarquia” e o “despotismo”. Porém, o despotismo, com certeza, é o maior objeto de crítica hegeliana. Aliás, várias vezes, Hegel procura deixar bem clara a diferença entre “monarquia constitucional” e, por exemplo, o “despotismo oriental” e/ou a “monarquia feudal”90. Trata-se, em síntese, da veemente crítica ao viés despótico ou tirânico, que não contém ou, então, não respeita o essencial princípio da livre subjetividade, da liberdade da subjetividade, não propiciando, por exemplo, o respectivo espaço e valor à liberdade de comunicação pública ou à liberdade de imprensa.

1.1.1.3. Relação entre Igualdade, Liberdade e

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