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Igualdade, livre iniciativa, liberdade de empresa e livre concorrência

III. É ASSIM, E NÃO SE DISCUTE: A COISA JULGADA

3.4. Quando todos tem razão: contraposição de direitos

3.4.1. Igualdade, livre iniciativa, liberdade de empresa e livre concorrência

Para COMPARATO (1996:102), a liberdade de iniciativa se manifesta sob um duplo aspecto, pois “[g]arante-se, de um lado, a livre criação ou fundação de empresas, ou seja, a liberdade de acesso ao mercado (...) [m]as protege-se também, de outro lado, a livre atuação das empresas já criadas, isto é, a liberdade de atuação e permanência no mercado.” Em sentido semelhante, SALOMÃO FILHO (2003:109) pondera que:

“Os direitos de ordem econômica já não são dotados das características típicas dos direitos fundamentais individuais: a concentração de atenções no individuo e o caráter negativo ou de não-intervenção. Daí serem denominados pela doutrina de direitos fundamentais de segunda

geração. São eles direcionados a coletividades, determinadas ou não,

de indivíduos e tem caráter, via de regra, positivo, ou seja, estabelecem ditames de comportamento concreto para o Estado, e quando necessário, também para os particulares.” (Destaques no original.)

Infere-se disso que, na CF/88, a manutenção da concorrência é princípio constitucional que teoricamente possui a mesma importância e efetividade que a própria garantia constitucional outorgada à livre iniciativa ou ao direito de propriedade, o que sugere que a atuação estatal não está vedada quando necessária para garantir a competição dentro de um mercado relevante, ainda que tal atuação implique restrições ou limitações à livre atuação de determinado agente econômico especifico em detrimento da coletividade.

Por outro lado, o mesmo autor considera que “[q]uando se trata de princípios constitucionais colocados no mesmo nível hierárquico, o postulado da harmonia geral do sistema impõe sempre uma interpretação que os compatibilize entre si, não se podendo admitir leituras exclusivas do texto constitucional,” de maneira que, seguindo tal linha de raciocínio, seria possível concluir que a “liberdade empresarial (...) não pode ser tomada em sentido absoluto, o que equivaleria a desvincular a ordem econômica, como um todo, da diretriz superior da justiça social. Mas as restrições necessárias ao exercício dessa liberdade não podem ser de tal monta que acabem por eliminá-la em concreto” (COMPARATO, 1996:109).

Assim, segue o raciocínio, uma vez iniciada a atividade econômica, os princípios da liberdade de empresa e da livre iniciativa não deveriam ser entendidos como autorizações genéricas para o desenvolvimento desregulado ou irrestrito da atividade econômica, pois, a partir de então, outros princípios passariam a orientar (e eventualmente restringir) a atuação econômica dos cidadãos, tais como a garantia constitucional de livre concorrência e livre mercado, como bem explicitou SALOMÃO FILHO (2001:93) e o próprio STF, respectivamente:37

“[L]ivre iniciativa não é sinônimo de liberdade econômica absoluta (...). [O] princípio da livre iniciativa, inserido no caput do art. 170 da Constituição Federal, nada mais é do que uma cláusula geral cujo conteúdo é preenchido pelos incisos do mesmo artigo. Esses princípios claramente definem a liberdade de inciativa não como uma

37 STF, Medida Cautelar em Ação Cautelar nº 1.657-6/RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa,

liberdade anárquica, porém social, e que pode, consequentemente, ser limitada (...).

Gostaria de observar, também o caráter não absoluto do princípio da livre iniciativa, que essa Corte já afirmou inúmeras vezes. Mencionarei apenas a ADI 319 --- uma questão de ordem – Relator Ministro Moreira Alves --- e mais recentemente as ADIs 1.950 e 3.512. (...).

[É] preciso entender a livre iniciativa na seguinte perspectiva: todos são livres para iniciar o processo produtivo e a sua vocação; para destinar seu talento, sua vocação, sua energia física, sua propriedade a uma determinada atividade econômica. Sou livre para me iniciar na economia. Mas uma vez iniciada a atividade econômica, valores outros entram no circuito produtivo, e de cunho social, porque a Constituição também faz da função social da propriedade não só um direito fundamental, como princípio da atividade econômica. (...).”

Assim, parece ser possível depreender dessas ponderações que “livre iniciativa e livre concorrência (...) não coincidem necessariamente,” pois “a livre concorrência nem sempre conduz à livre iniciativa e vice-versa,” justamente pelo fato de o exercício irrestrito da livre iniciativa ter a potencialidade de levar a consolidação do chamado poder de mercado, “cujo abuso é proscrito quando produz determinados efeitos” (FERRAZ JR., 2006:127).

Isso posto, considerada tal interpretação dos princípios constitucionais em questão, mostra-se oportuna a ponderação de FERRAZ JR. (2006:128), para quem seria no “hiato entre a livre concorrência e a livre iniciativa que entra a função da lei para reprimir o abuso de poder econômico, prevenir distorções funcionais, estabelecer medidas regulatórias (...),” garantindo-se que o exercício da livre iniciativa pelos agentes econômicos ocorra dentro das balizas da CF/88.

“papel reservado ao poder publico, neste particular, é o de fomentar a livre concorrência. As realidades e condutas que se mostrarem atentatórias ao principio necessitam ser expungidas, pena de o poder econômico abusar de sua condição, com nefastos efeitos para os demais agentes, para os consumidores e para a sociedade em geral. Há de se proteger o capitalismo dos capitalistas, pois ainda permanece verdadeira a clássica asserção de Montesquieu: todo aquele que tem poder tende a dele abusar; o poder vai até onde encontra limites” (PETTER, 2008:223).

A considerar todas essas colocações, não faltam argumentos favoráveis para subsidiar a possibilidade de reforma das Decisões Disfuncionais com fundamento na aplicação das diversas teses e instrumentos jurídicos analisados anteriormente, geralmente sob o pretexto de dar aplicação a princípios jurídicos como igualdade, livre iniciativa, liberdade de empresa, e livre concorrência.

A título meramente exemplificativo, BORGES (1999:181) sugere que Decisões Disfuncionais da CSLL talvez possam ser revistas em razão da supremacia da CF/88 ou da alteração do estado de direito na forma do Parecer PGFN nº 492/11, enquanto NERY JR (1999:897) parece vislumbrar a possibilidade de revisão por força de uma aplicação do princípio da proporcionalidade.

Os argumentos são muitos e diversos, mas, de maneira geral, seus cernes parecem gravitar em torno de proposições no sentido de não ser adequado considerar SARAIVA FILHO (2005:116) que uma determinada pessoa possa aplicar indefinidamente de uma decisão judicial que lhe ofereça um benefício vedado às demais pessoas em posição jurídica semelhante, pois isso, de alguma forma, vai de encontro à plena fruição dos direitos e garantias discutidos acima.

3.4.2. Coisa julgada, prestação jurisdicional e estabilização das pretensões sociais