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5 DEFESA DA DEMOCRACIA DIRETA

5.2 PRINCÍPIOS JUSTIFICADORES DA DEMOCRACIA DIRETA

5.2.2 Igualdade

Para abordar o tema da igualdade como um ponto justificador da democracia direta é indispensável contrapô-lo à categoria desigualdade, pois a relação entre igualdade e desigualdade é o ponto de tensão para abordar esse tema. Outro aspecto de tensão para discutir a igualdade situa-se na relação entre a dependência e a independência, tendo em vista que não é possível pensar em um modelo de governo como a democracia direta em uma relação de dependência/escravidão entre os pares da associação.

A concepção de democracia direta apresenta a igualdade como um dos seus pontos basilares. Não é possível pensar em um Estado democrático de direito sem antes ajuizar um estado de verdadeira igualdade, com objetivo essencial de evitar a desigualdade política e econômica, à qual tende espontaneamente a civilização e que foi a principal questão abordada por Rousseau - as formulações da concepção do Pacto Injusto - por atacar os estilos de governos representativos.

Assim como Rousseau, Kelsen posiciona a igualdade ao lado da liberdade como fundamentos óbvios para a democracia, ou seja:

[...] a igualdade e a liberdade são elementos essenciais do relativismo político, sua analogia com a democracia política torna-se óbvia. Pois igualdade e liberdade são ideias fundamentais da democracia e os dois instintos primitivos do homem enquanto se social; o desejo da liberdade e o instinto de igualdade. (KELSEN, 2000, p. 167).

A igualdade considerada como condição para o funcionamento da democracia direta no O Contrato Social, indispensavelmente exige que não haja grandes diferenças entre seus membros. Numa sociedade onde existe grandes diferenças entre seus membros não é possível que aconteça o funcionamento de uma democracia. A justificativa disso é uma razão óbvia, pois não há como pensar uma vontade geral, porque as grandes diferenças obstruem a possibilidade dos membros

do corpo político chegarem às decisões que visem o bem comum da comunidade política.

A busca determinada por Rousseau para chegar a uma igualdade civil visa, exclusivamente, a distanciar-se de todo tipo de dependência. Ele entende que é a desigualdade entre os pares o grande causador da dependência de uns para com os outros. A questão é que a desigualdade torna todos, tanto os ricos quanto os pobres, dependentes, pois ambos necessitam um do outro; o primeiro, por precisar da força de trabalho de seu semelhante; e o segundo, por ter que oferecer sua força de trabalho para sua subsistência. Por isso, pode-se afirmar que a igualdade deve dar-se nos diversos âmbitos da sociedade constituída, seja no campo político, no qual todos devem ser iguais perante a lei, quanto no campo econômico em que é necessário um equilíbrio no uso ou no acúmulo de propriedade.

Ao preconizar a democracia direta tendo como uma de suas bases a igualdade busca-se também impedir a dependência e a desigualdade. Podemos justificar que uma sociedade pensada sob os moldes de um governo democrático, tal qual idealiza pelo genebrino, ninguém pode ser tão rico que possa comprar alguém e ninguém pode tão pobre que tenha de se vender a alguém. Se for levada em conta a aplicabilidade da sociabilidade entre os membros do corpo político, a igualdade de Rousseau configura-se na expressão do bem comum e na liberdade comum entre os pares, até porque os coloca como cidadãos que empreendem uma mesma vontade comum que os beneficia particularmente. E, ao seguirem conjuntamente essa vontade, torna-os individualmente livres, por seguirem igualmente suas próprias vontades.

O Estado democrático, tal qual pensado por Rousseau, só é possível de ser assegurada se a igualdade for mantida, se as vontades particulares não prevalecerem sobre a vontade geral e se o bem comum for garantido, caso contrário, tem-se um Estado que não dá conta de cumprir os desígnios de uma democracia direta.

Nesse estilo de democracia direta, a igualdade política é fundamental, pois exige uma participação civil dos cidadãos e ao mesmo tempo uma cooperação entre os pares do corpo social e político. É exatamente pela junção dessas características políticas que passa o cerne do pensamento democrático de Rousseau, pois essa forma de relacionamento político cria uma consistência no corpo político.

A igualdade para a democracia justifica-se por criar uma relação de paridade na qual o compromisso político se torna recíproco e as diferenças não se tornam

opressivas, nem levam à servidão. Nesse sentido, a sociedade democrática surge como negação das desigualdades quanto ao poder político, que não deixa de ser o problema criticado por Rousseau em relação aos modelos representativos, que delegam o poder a um ou um grupo de terceiros.

Ao tratar a igualdade como valor necessário para a democracia em um bom governo, Rousseau critica outras formas de governo que não buscam a igualdade como fundamento, mas empreendem a desigualdade pela usurpação do domínio de uns sobre os outros. Para o genebrino “[...] sob os maus governos a igualdade é ilusória e aparente, e não serve senão para manter o pobre na miséria e o rico na usurpação” (O.C, III, 1964, p. 367).

Por isso, é próprio da democracia direta ter a igualdade como um valor fundante, cujos mecanismos instituídos possibilitam a existência de uma comunidade política em que os associados estejam vinculados uns aos outros. De tal forma que, se tornam cidadãos que conjuntamente sejam protagonistas de uma busca comum, para traçar suas leis políticas, as quais querem seguir como desígnios unificadores em vista do bem comum. Isso possibilita uma situação de cidadãos que vivem a igualdade e que lhes permite encontrar as garantias da vontade geral, os livrando das vontades particulares e egoístas que os escraviza e os tornam dependentes e desiguais uns dos outros.

A segurança para que a igualdade seja uma das bases da democracia direta e que o cidadão assegure a igualdade entre os membros deve estar na força que a própria comunidade política constrói, pois é ela a partir da participação igualitária dos cidadãos que será o meio institucionalizado garantidor, ou seja, é a própria comunidade política que através de suas leis deve garantir a igualdade.

A igualdade enquanto elemento político adquire entre os cidadãos uma conotação de igualdade comum, à medida que se colocam conjuntamente à disposição de seguir os interesses gerais expressos pela vontade geral. Para isso acontecer é delegado ao corpo político constituir o zelo, para que todos os cidadãos sejam cumpridores de igual forma das prerrogativas que em comum acordo se constituiu em lei, que necessariamente deve visar ao bem comum, portanto boa a quem quer que seja. Sobre isso, Rousseau orienta que: “A fim de que o pacto social não seja um formulário inútil, encerra tacitamente a obrigação, quem se negue a obedecer à vontade geral, obrigará a isso por todo o corpo” (O.C, III, 1964, p. 364). Com isso, observa-se que a igualdade tanto na elaboração das leis, como no

seguimento das mesmas é fundamental para uma sociedade política que busca seguir uma democracia direta.

Portanto, a igualdade justifica-se como elemento garantidor da democracia direta por desconstruir a possibilidade de haver a desigualdade política e econômica, principais características da democracia representativa.